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Os 8 traços fundamentais para se tornar um homem ou mulher “nova”

Os 8 traços fundamentais para se tornar um homem ou mulher “nova”

Com maior ou menor lucidez, com uma lógica vital mais ou menos consistente, faz tempo que descobrimos a sociedade como um sistema, dentro da estrutura que nos envolve e nos condiciona, sob a inevitável solicitação da conjuntura diária.

A Igreja, boa conhecedora da eternidade e menos conhecedora da história, durante séculos, muitas vezes, considerou apenas às pessoas ou os indivíduos; ou, ainda mais dicotomicamente, às vezes só considerava as almas…

Sem nunca deixar de enfrentar aquela globalidade estrutural na qual a história humana é forjada e dentro da qual o Reino acontece, devemos agora redescobrir, de forma comprometida, a pessoa, membro da sociedade e protagonista da história e do Reino.

O homem e a mulher são seres estruturados e estruturantes. A história, o sistema e o Reino o fazem, mas, por sua vez, ele faz o sistema, a história e o Reino.

Pedro passeando à beira do rio Araguaia

Em nossa América Latina, por exemplo, hoje acordando convulsivamente para a segunda libertação total, dois grandes homens marxistas proclamaram, com suas palavras e com suas vidas – e com sua morte-, a utopia do novo homem, o sonho incontrolável do “homem da manhã” : Ché e Mariátegui. E na revista “Amanecer” de março e abril deste ano de morte e Graça de 1982 acabo de ler um trecho do premiado livro do comandante sandinista, Omar Cabezas, sobre “o olhar do novo homem” e “o novo homem que está na montanha…”. [Casaldáliga se refere à obra disponível AQUI.]

A reflexão e a experiência de uma espiritualidade de libertação na América Latina (no Terceiro Mundo, no mundo em geral, creio sinceramente), deve ter como consideração e exigência básica a utopia necessária do novo homem.

Há dias estou tentando esboçar, para mim mesmo, os traços fundamentais do novo homem. E essa tentativa é o que ofereço agora, como uma contribuição gaguejante ao livro da DEI sobre “Espiritualidade e Libertação na América Latina”.

Nossos teólogos, nossos sociólogos, nossos psicólogos e nossos pastores dirão sua palavra principal, cientificamente. E nossos santos e nossos mártires tornarão realidade – eles já o estão fazendo com uma grande efusão – a face latino-americana do novo homem.

As características do novo homem seriam, em minha opinião:

1. A LUCIDEZ CRÍTICA

Uma atitude de crítica “total” aos supostos valores, mídia, consumo, estruturas, tratados, leis, códigos, conformismo, rotina…

Uma atitude de alerta, impossível de subornar.

A paixão pela verdade.

2. A GRATIDÃO ADMIRADA, DESLUMBRADA

A gratuidade contemplativa, aberta à transcendência e acolhedora do Espírito. A gratuidade da fé, o viver da Graça. Viver em um estado de oração.

A capacidade de ficar maravilhado, de descobrir, de agradecer.

Amanhecer todos os dias.

A humildade e a ternura da infância evangélica.

O maior perdão, sem mesquinhez e sem servidão.

3. A LIBERDADE DESINTERESSADA

Ser pobre para ser livre diante do poder e das seduções.

A livre austeridade daqueles que estão sempre em peregrinação.

Uma morigerada vida de combate.

A liberdade total daqueles que estão dispostos a morrer pelo Reino.

4. A CRIATIVIDADE EM FESTA

A criatividade intuitiva, desinibida, bem humorada, lúdica, artística.

Viver em estado de alegria, de poesia, de ecologia.

A afirmação de autoctonia.

Sem repetições, sem esquemas, sem dependências.

5. A CONFLITIVIDADE ASSUMIDA COMO MILITÂNÇA

A paixão pela justiça, em espírito de luta, pela paz verdadeira.

A teimosia incansável.

A denúncia profética.

A política, como missão e como serviço.

Estar sempre definido, ideologicamente e experiencialmente, do lado dos mais pobres.

A revolução diária.

6. A FRATERNIDADE IGUALITÁRIA

A igualdade fraterna.

O ecumenismo, por cima da raça e da idade e do sexo e do credo.

Conjugar a mais generosa comunhão com a salvaguarda da própria identidade étnica, cultural e pessoal.

A socialização, sem privilégios.

A verdadeira superação econômica e social das classes que existem, para o surgimento de uma única classe humana.

7. O TESTEMUNHO COERENTE

Ser o que se é. Falar o que se acredita. Acreditar no que se prega. Viver o que se proclama. Até as últimas conseqüências e nas minúcias diárias.

A disposição habitual para o testemunho do Martírio.

8. A ESPERANÇA UTÓPICA

Histórica e escatológica. Desde o hoje para o amanhã. A esperança credível das testemunhas e construtores da ressurreição e do Reino.

É sobre utopia, a utopia do Evangelho. O homem novo não vive apenas de pão; ele vive de pão e de utopia.

Apenas os homens novos podem fazer o mundo novo. Penso que estes traços correspondem aos traços do Homem Novo Jesus. Foi assim que Ele viveu utopicamente; foi assim que Ele ensinou em Belém, na Montanha e na Páscoa; foi assim que Seu Espírito, derramado em nós, nos configurou com cuidado.

 

Publicado no livro “Experiência de Deus e Paixão pelo Povo. Escritos Pastorais”, em 1983.

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Visita virtual-espiritual ao túmulo de Pedro Casaldáliga

Visita virtual-espiritual ao túmulo de Pedro Casaldáliga

Visita virtual-espiritual ao túmulo de Pedro Casaldáliga

Faça uma visita virtual-espiritual ao túmulo de Pedro Casaldáliga, conhecendo os lugares mais significativos de sua vida no Araguaia.

Aproveitando as imágens do Google Maps e com as fotografias que colocamos à sua disposição visitaremos espiritualmente a cidade de São Félix do Araguaia, onde Casaldáliga chegou em 1968 e morou até o dia de sua morte em 8 de agosto de 2020.

Imagem 1: o entorno

Essa é uma animação do lugar onde se encontra a cidade onde Casaldáliga viveu por mais de 50 anos e onde foi sepultado no passado 12 de agosto: São Félix do Araguaia.

A cidade está situada no centro-oeste do Brasil; no Mato Grosso; na divisa com o Tocantins; no extremo sul da Amazônia; a 1.200 km ao norte de Brasília.

São Félix do Araguaia conta hoje com 11.000 habitantes embora o município tem uma área equivalente a metade de toda a Bélgica.

Emancipado politicamente em 1976, a cidade está situada à margem de um dos grandes rios do Brasil, o Rio Araguaia. Lá, «o rio mais lindo do mundo», como o chamou Casaldáliga, atravessa a região de sul a norte, embora o faça em curvas sinuosas, como os grandes rios tropicais. De sua passagem por São Félix, ainda lhe restam mais de mil quilômetros para desaguar, juntando-se ao rio Tocantins, no Amazonas.

L'entorn de São Félix do Araguaia

Toda a Prelazia da qual Casaldáliga foi bispo está dentro da «Amazônia Legal» .

No entanto, a vegetação da região é fruto do encontro dos dois maiores biomas do Brasil: de um lado, encontramos inúmeras expressões vegetais típicas da savana mais biodiversa do mundo, o Cerrado; e, do outro lado, podemos nos sentir dentro da grande exuberância característica da floresta amazônica.

Imagem 2: a cidade

Aproximació a São Félix do Araguaia

Mais perto, a mil metros de altura, podemos avistar toda a cidade de São Félix, entre o rio Araguaia ao leste (à direita da imagem) e a saída da cidade pela estrada de terra (a Rodovia BR-242) à oeste (esquerda).

Na margem direita do rio Araguaia está a Ilha do Bananal, «a maior ilha fluvial do mundo», do tamanho de El Salvador, localizada entre os dois braços do Araguaia.

Na imagem também podemos ver o pequeno aeroporto municipal localizado no bairro chamado Vila Santo Antônio.

Abrindo o link do Google também se poderá ver a «casa do bispo» onde Casaldáliga morou por mais de 30 anos . É uma casa exteriormente muito semelhante às outras casas vizinhas, embora por dentro seja uma das mais simples de toda a rua, ainda hoje. Este era o ‘palácio episcopal’ da Prelazia.

Imagem 3: o centro

Centre de São Félix do Araguaia

Descemos mais um pouco para ver São Félix com mais detalhe. Em primeiro lugar, destaca-se esse «triângulo», que é o que poderíamos chamar de bairro «velho» da cidade. No topo, à direita, encontra-se o Cemitério Karajá, onde está a sepultura de Pedro Casaldáliga e para onde vamos. À direita o grande rio Araguaia, descendo para o norte (acima na imagem), em direção ao Amazonas.

No centro da imagem você também pode ver a igreja deste bairro triangular. Trata-se da Catedral de São Félix do Araguaia . Nela se poderá ver o mural que Casaldáliga ecomendou ao pintor Maximino Cerezo Barredo e que se tornou o ícone mais difundido e reconhecido da Igreja da Libertação. Na fachada da Catedral podemos ver outro grande mural, feito de azulejos, também de Cerezo Barredo, representando a Assunção de Maria, padroeira do templo (ambas as imagens, e outras do local, podem ser vistas no Google Maps ou indo AQUI).

À esquerda da imagem, vemos realçada novamente a «casa do bispo» , no final do bairro antigo, próxima do outro grande bairro da cidade. Foi Casaldáliga quem escolheu a casa, pela sua simplicidade e pela sua pobreza: as paredes de tijolo de barro, o telhado “Eternit”, as janelas de tábua que se fecham rodando uma tramela de madeira, o chão de cimento, sem cerâmica … e as portas sempre abertas. A porta do quarto de Casaldáliga foi sempre uma cortina simples: nunca teve porta em seu quarto.

Um pouco mais à direita da imagem, entre a casa de Pedro e a Catedral de São Félix, encontramos a sede da associação que Casaldáliga e a sua equipe fundaram durante a ditadura militar para trabalhar junto aos camponeses e os povos indígenas: a Associação ANSA , que ainda é referência de ação social no Araguaia graças a doações solidárias de pessoas ao redor do mundo.

Imagem 4: Os “missionários”

Primera Esglèsia

Descemos mais um pouco para chegarmos mais perto do centro de São Félix. Quando os missionários claretianos chegaram com Casaldáliga em julho de 1968, a cidade era apenas um povoado junto ao rio.

A menos de 100 metros do cais, havia a pequena capela sertaneja, o sino era sustentado por dois troncos de árvore. Por aquela pequena capela, aproximadamente uma vez a cada ano, passavam alguns missionários, principalmente salesianos, para celebrar missa e administrar os sacramentos às pessoas da região. Eram as famosas «desobrigas» (celebrações da Páscoa…).

P

Os claretianos Pedro, José María Gil e Leopoldo Belmonte, junto a um grupo de posseiros em frente à primera capela de São Félix. Imagem: Arquivo Prelazia de São Félix do Araguaia.

No local onde estava aquela primeira capelinha, foi erguida uma cruz como lembrança, que ainda podemos ver nas imagens que te oferecemos no GoogleMaps.

Casaldáliga morou primeiro ao lado dessa primeira capelinha. No quintal daquela primeira casa foram plantadas duas mangueiras , que hoje têm mais de 50 anos e se erguem majestosamente, reverenciando o rio Araguaia.

Daquela varando sobre o rio, em uma noite de luar, Casaldáliga escreveu seu poema para o Che, escutando comentários internacionais sobre ele no rádio de onda curta:

«Escucho, al transistor, cómo te canta
la juventud rebelde,
mientras el Araguaia late a mis pies,
como una arteria viva,
transido por la luna casi llena.
Se apaga toda luz. Y es sólo noche

….

Primeira Capela e casa dos Padres em São Félix

«A casa que se vê ao lado é a primeira casa da Prelazia, onde o Pedro e eu moramos em 1969 e 1970. Era uma casa com apenas um quarto e a cozinha. Foi a casa onde se hospedava Leonardo Vilas-Boas e depois, até a nossa chegada, foi uma casa onde se vendia carne. Durante o ano de 1970 foi construída outra casa, porque a equipe foi crescendo e onde hoje é a sede da Prefeitura Municipal … ». (Leopoldo Belmonte)

Esta nova casa, bem como a casa das irmãs de São José, vindas para se incorporar à Prelazia recém criada, foram construídas na primeira fileira de casas à beira do rio, em frente à capela. Logo foi necessário construir uma igreja maior, que é a atual Catedral da Prelazia de São Félix do Araguaia.

Imagem 6: O funeral

Centro Comuniário Tia Irene

Ao Norte de São Félix do Araguaia, já quase na saída da cidade, poderá ver o prédio do «Ginásio», a primeira escola de ensino fundamental completo que a região teve. Era a prioridade pastoral para o desenvolvimento integral do Araguaia. A Irmã Irene Franceschini, chanceler da Prelazia e alma do impressionante Arquivo da mesma, foi também a secretária dessa primeira escola.

Apesar de ter sido desmantelado pela ditadura em 1973 o «Ginásio Estadual do Araguaia» tornou-se referência da educação na região e no estado de Mato Grosso e foi semente da formação política de muitos e muitas no Araguaia.

O prédio do ginásio foi transformado em Centro Comunitário para as diversas atividades da Prelazia e hoje se chama, «Centro Comunitário Tia Irene» , em homenagem à mulher que dedicou sua vida ao Araguaia. Nesse local se realizou a celebração eucarística da Páscoa de Pedro, que muitos de nós e vários milhares de pessoas em todo o mundo acompanhamos online.

No dia do enterro de Casaldáliga, a procissão saiu para a rua (em direção ao rio), dobrou à esquerda, para o norte, levando o corpo de Casaldáliga para o cemitério, a cerca de 200 metros. Seu caixão foi carregado pelo povo, pelos agentes de pastoral e pelos «guerreiros indígenas Xavante», pintados com suas cores rituais.

[Pensemos por um momento no significado de valor histórico da imagem de um Povo Indígena carregando o corpo de um bispo, talvez único neste Continente indígena conquistado pela Cruz e pela Bíblia: guerreiros de um Povo Indígena sepultam com as mais altas honras um bispo missionário que sempre foi «contra a Conquista e sua mal chamada evangelização»].

Imagem 5: O lugar da ressurreição

Tomba on descansa Pere Casaldàliga

Esta é uma vista de perto do túmulo de Pedro Casaldáliga. Estamos perto o suficiente para «adivinharmos» a terra que abraça seu caixão, embaixo de um pé de Pequi (pequizeiro, Caryocar brasiliense), a 50 metros da água do Araguaia, que beija e mima, com devoção, o humilde morro do cemitério.

Este retângulo vertical, sugerido por suas pequenas paredes, é o cemitério onde foram sepultados os ancestrais indígenas, «legítimos imperadores da América», como Casaldáliga os chama na «Missa da Terra sem males»

Praticamente até o início do século 20, toda a região era habitada apenas por esses povos e São Félix só teve habitantes não indígenas a partir de 1941. Porém, com a chegada do agro-capitalismo, principalmente a partir dos anos 60, – desta vez não em busca de ouro, mas de terra, latifúndio -, o cemitério teve que receber os trabalhadores sem terra; os ‘peões‘ maltratados e mortos pelos latifundiários e as companhias do agronegócio; as crianças morrendo de fome e malária … e a própria população local.

Casaldáliga explica com paixão testemunhal em seu «diário de missão» como a sua alma se quebrava com os enterros que ele próprio celebrou nos seus primeiros anos de missão neste cemitério.

Por isso, em seus últimos anos, pediu, «se não fosse um privilégio», ser sepultado ali, junto com os índios, os sem-terra, os peões, as crianças,…as pessoas anônimas do Araguaia, os mais pobres, «quase sempre sem caixão, muitas vezes sem nome»…

Imagem 6: Diante do túmulo de Casaldáliga

Pedro Casaldàliga descansa pa beira do Rio Araguaia

Você está diante do túmulo de Pedro Casaldáliga.
Recolha-se, em um momento de silêncio,
em plena comunhão com este irmão.

Obrigado por ter nos acompanhado

Para facilitar a visita, você pode usar os links a seguir:

Uma vez com o mapa de São Félix na tela, identifique esses seis pontos (cada um marcado com seu pequeno círculo como um marcador de local):

1) Na avenida que cruza a cidade ao pé do morro, encontramos a Casa do bispo Pedro Casaldáliga: AQUÍ

2) Um pouco mais pra direita (indo para o rio), veremos a Associação ANSA, fundada por Casaldáliga e a sua equipe en plena ditadura militar para trabalhar junto aos camponeses e indígenas e que ainda funciona graças às doações solidárias.

3) Na mesma avenida, podemos encontrar a Catedral Nossa Senhora da Assunção, onde o Pedro celebrava missa todos os domingos.

4) A primeira Igrejinha (capelinha) de São Félix do Araguaia, antes de ter sido criada a Prelazia, na beira do rio Araguaia, próxima à Prefeitura Municipal.

5) No lugar mais ao norte da cidade, poderemos ver o túmulo de Pedro Casaldáliga, no cemintério Karajá, no lugar mais ao norte da cidade.

6) Antes, poderemos ver o Centro Comunitário ‘Tia Irene’, lugar de reuniões da Prelazia e de toda a cidade, construído com a solidariedade da Catalunha e onde se encontra o Arquivo da Prelazia de São Félix do Araguaia, que tem mais de 250 mil documentos classificados.

Em cada um desses lugares, se você clicar no pequeno círculo, poderá ver varias fotografias que estamos postando. São muitas imagens, incluindo a celebração do sepultamento de Casaldáliga.

José Maria Vigil e
Raul Vico, Associação ANSA

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Entrevista às irmãs de Pedro Casaldáliga

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Carme e Maria Casaldáliga viram seu irmão Pedro partir para a Amazônia aos 40 anos. Nunca mais voltou para casa. Da Plaça Ricard Viñas nº 10, na cidade de Balsareny, onde a família mora, as irmãs de Pedro Casaldáliga nos contam como têm vivido os mais de 50 anos de vida dedicados à defesa dos mais pobres de seu irmão.

20 de outubro de 2020

A vida de Pedro Casaldáliga

[Entrevista realizada em julho de 2020, poucos dias antes do bispo Pedro falecer]

Pedro Casaldáliga, com 11 anos, ou mesmo antes, tinha clareza que queria ser padre. Como a família acolheu essa decisão de um menino de 11 anos?

Carme: Ele sempre dizia que queria ser padeiro, mas tinha um padre que frequentava o Cortès del Pi (uma casa rural onde moravam primos do Pedro) e contava muitas histórias e também coisas da Guerra Civil e isso fez ele decidir ser padre. Ao entrar no seminário de Vic, logo pediu para ser missionário claretiano. Escreveu uma carta aos nossos pais contando.

Carta que en Pere Casaldàliga envià a la seva família des del seminari

Carta do seminário para sua mãe, Montserrat Pla. Imagem: Família Casaldáliga. Seleção: Cercle Cultural de Balsareny.

Como era o Pedro durante sua infância? Parece que já sendo adolescente tinha muita firmeza em suas ideias.

Carme: Ele era brincalhão como as outras crianças daqui, mas ele não gostava de brigas de jeito nenhum. Aqui em casa vinham muitas crianças brincar no telhado porque era grande. Lembro-me dos irmãos do Cal Paquela (Bonet), dos Vilelles … E se havia brigas, ele sempre tentava fazer as pazes.

Pere Casaldàliga (al cercle) d'excursió

Excursão de Pedro Casaldáliga (no círculo) e seus amigos de infância. Imagem: Família Casaldáliga. Seleção: Cercle Cultural de Balsareny.

O seu tio Luís, que também era padre, foi assassinado durante a Guerra Civil Espanhola enquanto tentava se esconder. Diz-se que esse fato, somado ao vínculo que o Pedro mantinha com seu tio Luís, o influenciou no modo como enfrentou a vida. Foi isso mesmo?

Carme: Sim, com certeza. O fato do nosso tio Luís ter sido assassinado na guerra, aqui perto, foi decisivo para o Pedro.

Maria: Em casa, nossos pais e a família não queriam falar muito nesse assunto; mas o tio Luís era muito jovem (33 anos) e foi um grande impacto para toda a família.

Quando Pedro Casaldáliga partiu para o Brasil como missionário em 1968, como se despediu de sua família e vocês dele?

Carme e Maria: Ele se despediu de todos e foi visitar parentes de outros lugares. O Luís de Cal Pastisseret o acompanhou. A Mercè de Cal Pastisseret nos contou que estando em Candáliga [a casa rural da família], do alto da escada, ele disse: «Deixe-me olhar com atenção, pois nunca mais verei este lugar.»

Todos pensaram que ele voltaria em pouco tempo, mas ele nunca mais voltou. Só nos encontramos novamente em Roma vinte anos mais tarde.

A Antonia de Ca l’Arnaus e o tio Jaumet de Cal Peret sempre disseram que ele seria bispo. A Antonia usava sempre um anel e dizia que quando ele fosse bispo, aquele anel seria para ele. Eram muito amigos com a Antonia. Foi uma despedida muito familiar. Todos pensaram que ele voltaria logo, mas ele nunca mais voltou. Nos encontramos novamente em Roma vinte anos mais tarde.

Pere Casaldàliga celebra la seva primera missa com a capellà a Balsareny

Pedro Casaldáliga depois de celebrar a sua primeira missa -como padre- em Balsareny. Imagem: Família Casaldáliga. Seleção: Cercle Cultural de Balsareny.

Uma vez lá, no interior do Mato Grosso, em São Félix do Araguaia, ele realmente foi ciente da complicada situação daquela região. Como ele contava para vocês da situação de lá? Como vocês viveram esses primeiros anos dele no Mato Grosso?

Carme : recebíamos uma carta a cada dois meses ou às vezes demorava mais. Algumas não chegaram. Imediatamente vimos que a situação era muito difícil, pois ele nos contava nas cartas. A gente partilhava as cartas com os demais membros da família e também com os vizinhos. Aquelas cartas eram esperadas por todos!

Maria : Sobretudo quando encontrou tantas crianças mortas: isso ele nos contou logo. Só chegar lá, já deram para ele crianças mortas para sepultar.

A cada cinco anos eles poderiam vir; mas ele não o fez, porque se ele viesse não o deixariam entrar novamente.

Carme : Ele disse: «Tenho que ter muito cuidado agora, porque eles também querem me matar.» Mesmo assim, ele não falava abertamente nas cartas, pois sabia que as mesmas eram lidas pela ditadura. Também chegava informação dos padres que estavam com ele, Pedrito, José Maria, Manuel e de outras pessoas que viviam com ele e vinham nos visitar. Os vizinhos da praça onde moramos, ao verem uma pessoa desconhecida, falavam: «mais uma visita do Padre Pedro», e indicavam para eles a nossa casa. Às vezes eles iam para o Brasil de barco e aproveitavam para levar muitas coisas que precisavam. A cada cinco anos eles poderiam vir; mas o Pedro não veio, porque se ele deixava o Brasil, não o deixariam entrar novamente.

O Pedro sempre dizia que «o bom humor é amigo da esperança». Em muitas entrevistas ele expressa com alegria e cordialidade a sua mensagem de esperança em defesa da justiça, da liberdade, da paz e do amor. Esse jeito brincalão faz parte do DNA Casaldáliga? Ou é uma virtude que se manifestava e se acentuava no Pedro?

Carme : É o seu estilo. Ele sempre estava animado e alegre. O restante de nós não somos tão de brincar. Ele levava a alegria muito dentro.

Maria : Tem outras coisas que sim levava da família: o nosso pai também gostava muito de cinema e se interessava pela cultura. Ele lia o jornal todos os dias. Varias vezes foi ao cinema em Manresa e até ia caminhando para a Biblioteca de Sallent, pois aqui não tinha.

Sabíamos que havia repressão e que havia perigo, mas a notícia da morte de João Bosco nos assustou ainda mais.

O assassinato do mártir João Bosco em 1976, quando foi confundido com o bispo Casaldáliga, além de ter causado indignação e tristeza; fez vocês perceber de uma maneira diferente as ameaças que o Pedro teve que enfrentar?

Maria : Nos primeiros anos já vimos que as cartas eram lidas e por isso ele não colocava o nome de Casaldàliga, pois teriam ficado com elas. Já vimos que havia repressão e que havia perigo, mas quando ficamos sabendo da morte de João Bosco sentimos muito mais medo. Pensávamos muito nisso, mas infelizmente, não podíamos fazer muito…

A vovó sofreu muito com o fato de seu filho não ter voltado e ela estar tão longe. Quando ela já estava muito desorientada, muitas vezes a ouvíamos gritar da sala: “Pedro, Pedro …!

Se passaram 20 anos desde que seu irmão Pedro foi embora de Balsareny e se encontraram por primeira vez em todo esse tempo em Roma. Como foi esse encontro?

Carme: Foi muito emocionante. A gente sempre o levava no pensamento, mas ter a oportunidade de se encontrar novamente com ele… faltaram dias. Além disso, como somos muitos na família, todos queríam estar com ele e falar com ele. Partilhamos muitas lembranças e conversamos muito. Em um restaurante onde almoçamos, nos contou que nunca mais tinha comido berinjela…

Sobrinhas:  Fazia muitos anos que não o víamos e algumas de nós nem o conhecíamos: era a primeira vez que o víamos. Foi um reencontro e logo se fez muito próximo, como se tivéssemos nos encontrado recentemente, pelo jeito que ele era e também porque se falava muito dele em casa: a nossa avó falava dele todos os dias.

Pere Casaldàliga amb la seva mare, al nadal de 1966

Pedro Casaldáliga com a mãe, no Natal de 1966. Imagem: Família Casaldáliga. Seleção: Cercle Cultural de Balsareny.

Carme: A mãe pedia para as meninas fazer uma prece: «Santo Antônio do porquinho, ajudai meu pai; Santo Antônio Maria Claret ajudai meu tio». Nós sabíamos que ele queria estar lá no Mato Grosso; sabíamos que era isso que ele gostava e sempre o apoiamos.

Maria: Quando minha mãe estava muito doente e muito confusa, lembro que um dia, vendo uma foto que tínhamos do Pedro, ela começou a dizer: «Esse Pedro, esse Pedro … , que nunca vem nos visitar!»

Sobrinhas: a vovó sofreu muito com o fato de seu filho não ter voltado e ela estar tão longe. Quando ela já estava muito velinha, muitas vezes a ouvíamos chamar ele do quarto: «Pedro, Pedro, …!».

 

Entrevista feita por Jordi Vilanova e publicada na revista El Sarment em julho de 2020

 

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4 momentos imprescindíveis da despedida de Casaldáliga

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Muitas têm sido as celebrações de despedida e homenagem a Pedro Casaldáliga. Organizações, igrejas, movimentos sociais, grupos e muitas comunidades se lembraram com carinho da figura de Pedro.

Aqui estão alguns dos mais representativos.

12 de setembro de 2020

A vida de Pedro Casaldáliga

Sepultamento em São Félix do Araguaia

O Centro Comunitário “Tia Irene” testemunhou o funeral do Pedro Casaldáliga no Araguaia. Na noite anterior, todo o seu povo teve a oportunidade de se despedir de Pedro em uma vigília repleta de poesia, música e esperança.

No dia seguinte, 12 de agosto, foi realizado o funeral, seguido do sepultamento no Cemitério Karajá, próximo ao Rio Araguaia.

Missa fúnebre em Balsareny

Na cidade onde Pedro nasceu e onde ainda mora uma boa parte da sua família, em Balsareny, no dia 15 de setembro se fez uma missa-funeral, em uma celebração austera e ao mesmo tempo acolhedora.

Para além dos parlamentos e das memórias emocionantes, é de destacar que foram colocados tanto o altar como o exterior da igreja, para além de um retrato do Pedro Casaldáliga, vários elementos carregados de simbolismo que representam a vida do bispo.

Homenagem de movimentos sociais do Brasil

Vários movimentos sociais no Brasil que Pedro Casaldáliga ajudou a criar e, em alguns casos, liderou, prestaram homenagem ao bispo um mês após sua morte.

Um vídeo com muitas testemunhas falando sobre o legado de Casaldáliga no Brasil.

Tributo da Argentina

Coordenado pelo Centro Nueva Tierra , uma ampla gama de organizações argentinas também prestaram homenagem a Pedro Casaldáliga.

Entre as testemunhas, Michael Moore, grande conhecedor da obra poética de Casaldáliga e Gerardo Bassi, responsável pela conta do Twitter dedicada a citações de Pedro Casaldáliga.

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Aos 30 dias do falecimento de Pedro Casaldáliga

Aos 30 dias do falecimento de Pedro Casaldáliga

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Hoje, faz um mês que o Tio Pedro faleceu.

Não foi uma morte violenta ou repentina, como talvez ele tivesse imaginado, mas isso não a faz menos triste.

Sinto tristeza, vazio, orfandade que com o passar dos dias, e com um pouco mais de calma, depois de alguns dias intensos: de preocupação primeiro, e de mensagens e homenagens depois, torna-se cada vez mais intenso.

No entanto, ao mesmo tempo, se faz mais forte também o sentimento de alegria e de gratidão porque, como diz meu bom amigo David Fernández, “o milagre é que ele tenha vivido” e que a gente possa ter acompanhado, mesmo de longe, essa vida tão radical, coerente e completa…
Tanto no nível individual quanto da Associação Araguaia com o Bispo Casaldáliga, sinto que agora temos a responsabilidade e o compromisso de continuar apoiando as Causas que permanecem e estão mais vivas do que nunca. Com a certeza de que ele ainda é a luz que irá nos acompanhar para sempre nesta “caminhada” com Esperança.
Glòria Casaldàliga
Pere Casaldàliga amb Maritxu Ayuso a casa seva a São Félix do Araguaia
Hoje faz 30 dias desde a tua Páscoa, querido Pedro, e ainda estou em orfandade.

Mas lentamente, a tua Esperança aconchega este vazio.
A tua pegada será luz no mais profundo da minha vida.
As tuas sandálias já estão consagrando nosso caminho, a luta e a Utopia por um mundo mais justo.

Obrigado, São Pedro do Araguaia!!!

Maritxu Ayuso

Zilda Martins amb en Pere Casaldàliga a São Félix
Pedro foi um grande profeta do povo, um poeta sensível e profundo, mas acima de tudo, para mim, foi uma pessoa muito divertida, humilde, risonha e simples, que sempre me tratou muito bem e me incentivou a fazer meu trabalho no Arquivo da Prelazia de São Félix.

Hoje, sinto falta de sua presença. Me sinto um pouco mais “perdida” diante das dificuldades. Mas, vou tentar colocar em prática tudo o que ele me ensinou. Sei que é difícil e que somente pessoas com a coragem e a fé de Pedro podem alcançá-lo como ele, mas tenho certeza de que ele continuará a me encorajar e a me dar forças.

Zilda Martins

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