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Frutas de vida: a iniciativa de luta contra a pobreza e dá certo

Frutas de vida: a iniciativa de luta contra a pobreza e dá certo

Frutas de vida: a iniciativa de luta contra a pobreza e dá certo

Em meio à fartura da transição do Cerrado para a Amazônia, a região do Araguaia apresenta diversas espécies nativas de frutas e o gosto popular por elas. São sabores únicos como a cagaita, a bacaba e a mangaba. Valorizar o uso das plantas nativas e incentivar o plantio diversificado de frutas estão na base do trabalho da Araguaia Polpas de Frutas.

16 de fevereiro de 2020

As Causas de Pedro Casaldáliga

Criada pela associação que Casaldáliga e sua equipe fundaram em 1974 em São Félix do Araguaia, a ANSA, e continuada hoje pela Organização Ecosocial do Araguaia (OECA) esta iniciativa busca melhorar a alimentação e nutrição das famílias que vivem no campo, ao mesmo tempo em que é uma forma de obter renda para os agricultores e Povos Indígenas que moram nesta região da Amazônia brasileira.

A iniciativa é conhecida como “Araguaia Polpa de Frutas”, porque consiste em incentivar e apoiar o plantio de árvores frutíferas no campo, e depois recolher as frutas e levá-las para uma pequena indústria onde fabricamos polpa congelada. Essa polpa (extrato concentrado) é vendida no mercado regional e é utilizada para fazer sucos naturais.

A fábrica existe de forma estruturada desde 2005 e produz polpa natural congelada a partir de 20 frutas nativas cultivadas na região por pequenos agricultores ou colhidas pelos Povos Indígenas em suas terras.

O projeto visa, portanto, ajudar a estruturar uma cadeia produtiva baseada em frutas orgânicas, na inclusão de todas as famílias e povos e na conservação ambiental.

Anualmente, cerca de 250 pessoas obtém uma parte da sua renda através deste projeto “Araguaia Polpa de Frutas” e se dedicam a plantar ou colher frutas.

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Além das frutas colhidos nos pomares ou campos onde há plantações, como a Manga, o Abacaxi, a Goiaba, o Maracujá, etc., muitas famílias plantam frutas nativas, que só crescem no Cerrado, como o Pequi, a Bacaba ou a Mangaba. No “varjão”, como são chamadas as áreas baixas que são inundadas durante a estação das chuvas, as famílias também recolhem frutos muito tradicionais, que crescem espontaneamente, como o Murici ou o Buriti. Desta forma, damos um valor económico às frutas da região e desencorajamos que essas árvores sejam cortadas ou queimadas para plantar soja.

“Colhemos a fruta na chuva, no sol, com a água nos tornozelos, mas é muito gratificante para nós colher esta fruta, limpá-la, classificá-la bem. E o dinheiro é uma bênção, eu posso pagar minhas contas”, diz uma das agricultoras familiares envolvidos no projeto.

Todo ano, é colocada em prática uma verdadeira operação no Assentamento Dom Pedro durante a safra do caju. A comunidade se organiza para gerenciar a entrega da fruta em sete pontos de coleta dentro do assentamento, contando com freezers disponibilizados pela OECA. Por ano, cerca de 40 famílias assentadas entregam uma média de 15 mil quilos de caju.

As polpas produzidas são vendidas em mercados, restaurantes e lanchonetes de São Félix do Araguaia e Alto Boa Vista e através de programas públicos quando possível.

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Os resíduos das frutas que saem da fábrica de polpas são aproveitados no Viveiro da OECA, seja para compostagem, seja para prover sementes para as mudas. As sementes também são vendidas para a Rede de Sementes do Xingu, apoiando outra iniciativa sustentável da região e gerando receita para o projeto.

Outra parceria interessante é a acolhida de estudantes de nível técnico e superior do campus do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT) em Confresa como estagiários. Anualmente, entre 5 e 10 jovens da região aprendem o manejo e beneficiamento das polpas e aprendem técnicas de cultivo agroecológico adaptadas à realidade do Cerrado.

Nos últimos anos, a Araguaia Polpa de Frutas vem experimentando diversas inovações tecnológicas e organizativas para melhorar sua capacidade de suporte e a estratégia de compra e venda. Assim, o envasamento das polpas foi automatizado com uma ajuda solidária recebida e houve uma reforma na fábrica que permitiu a movimentação de cargas maiores através de pallets.

Complementarmente, foram desenhadas novas embalagens e produzidos novos materiais de divulgação. Desta forma, pretende-se aumentar as vendas de polpa, atingindo o mercado regional de forma sólida.

Assim, o projeto trilha rumo seu maior desafio futuro: conseguir tornar a fruticultura agroecológica e o extrativismo possibilidades reais de trabalhar a terra para os agricultores familiares da região.

É claro que seria necessária uma intervenção decidida e direcionada dos poderes públicos para conseguir uma mudança massiva do modelo produtivo da região, e que por si só, o projeto não tem, e nem deve ter, essa capacidade. Mas a Araguaia Polpa de Frutas, em articulação com outras iniciativas que se apresentam, é uma peça que contribui, de forma real e local, na construção do desafio maior de construirmos uma sociedade mais justa e igualitária onde sejamos parte da natureza.

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Aos 11 anos, Damião Paridzané foi levado de sua casa em um avião da FAB, junto a toda sua família e parentes.

Deportado da terra onde nasceu, Damião logo ficou sozinho, sem família: seu pai e seu irmão faleceram por causa de uma infeção de sarampo na remoção e a mãe dele foi levada para outra comunidade.

Em 2012 porém, após muitos anos de lutas, Damião, já com 60 anos, conseguiu pisar novamente seu chão e levar o seu povo com ele.

10 de janeiro de 2020

As causas de Pedro Casaldáliga

Em 1966, aviões da Força Aérea Brasileira deportaram os 264 indígenas Xavante que moravam na Terra Indígena Marãiwatsédé: em seu território ancestral estava sendo instalada a maior fazenda da América Latina.

Levados a mais de 400Km de sua casa natal, os indígenas foram recepcionados por uma epidemia de sarampo que matou mais de 100 pessoas.

«Longe de sua casa e com sua estrutura social fragilizada ocorreu a fragmentação do grupo por várias Terras Indígenas Xavante. Mas, os remanescentes de Marãiwatséde “sempre reivindicaram o retorno à sua região, empreendendo viagens anuais […] para visitar as aldeias e cemitérios antigos, além de recolher materiais nativos” que não encontravam nas outras Terras Indígenas onde estavam abrigados.», explica o indigenista Marcos Ramires.

A luta dos Xavante para retornar ao seu território continuou ao longo de décadas até que em 2012, após mais de 50 anos enfrentando os interesses de políticos e empresários, conseguiram recuperar as suas terras ancestrais.

Ano de 1966, quando eu tinha 11 anos de idade, houve um sobrevoo de um
avião da Força Aérea Brasileira (FAB) em Marãiwatsédé. (…) Esse avião posou na nossa aldeia e nos levou para a aldeia de São Marcos. O governo aproveitou que nós não falávamos português e chegou de surpresa para tirar nossa terra. Quando fomos levados pelo avião, deixamos nossos pertences na pista. Todos subiram no avião chorando. Deixamos nossas esteiras e baquetés, deixamos tudo!

Cacique Damião Paridzané

Depoimento a Pedro Casaldáliga

A orígem do conflito no Araguaia

Escreve Antônio Canuto em seu recente livro que «há pouco mais de 20 anos, quando começou a circular a notícia de que os Xavante voltariam à sua terra, na fazenda Suiá-Missú, muitos da região torciam o nariz e afirmavam que isso era conversa fiada, que nunca viram Xavante por aí.»

A realidade, porém, é que há registros dos Xavante no Araguaia desde a década de 1950, quando se produzeram diversos contatos entre eles e os retirantes não-índios que, aos poucos, iam chegando na região.

Os não-índios começaram a chegar ao Araguaia na década de 1950 e, aos poucos, se produziram os primeiros contatos -alguns violentos, com os povos indígenas. Fonte: Acervo FUNAI

De fato, a região do Araguaia começou a ser ocupada pelos não-índios no inicio do século XX, em uma migração espontânea de famílias que vinham do nordeste do Brasil à procura de um pedaço de terra para viver.

Fruto desse movimento, nasceu o povoado de São Félix do Araguaia -e muitos outros à beira do Rio. De lá, algumas famílias partiram «para o “sertão”, ou seja, para o interior do território até então ocupado apenas pelos Xavante», explica Marcos Ramires.

No entanto, antes de 1960, os encontros com os Xavante aconteceram de forma pontual, na imensidão da mata que ocupava a região, e há relatos tanto de encontros pacíficos quanto violentos.

Porém, como afirma Canuto, «a morte dos sertanejos, missionários e indigenistas sempre foi noticiada com estardalhaço para expor o caráter selvagem e violento dos indígenas. O que a eles aconteceu se torna totalmente invisível». 

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O detonante: a maior fazenda da América Latina

A Lei 4.216 de 1963, que extendia à Amazônia os beneficios fiscais previstos para o Nordeste,  inaugurou uma agressiva política de incentivos fiscais às empresas que fossem se instalar na Amazônia. A ideia era clara: «Dentro de um discurso nacionalista, os militares pregam a unificação do país. Além disso, era preciso proteger a floresta contra a “internacionalização”. Em 1966, o presidente Castelo Branco fala em “Integrar para não Entregar”», explica a BBC.

Em alguns casos, esses beneficios permitiam que o governo militar assumisse até 100% da totalidade dos projetos propostos, atraíndo dessa forma a instalação de grandes fazendas.

No Araguaia, destacaram-se a Codeara -protagonista de conflitos violentos ao norde da região, com 600.000 ha., e a Suiá-Missú, que chegaria a ter 1,5 milhões de hectares.

Paralelamente, muitos grupos industriais e financeiros, nacionais e estrangeiros, «passaram a abrir fazendas no nordeste do Mato Grosso, norte de Goiás e sul do Pará: Anderson Clayton, Goodyear, Nestlé, Mitsubishi, Liquifarm, Bordon, Swift Armour, Camargo Correa, Bradesco, Mappin, Eletrobrás, etc. Além de grandes fazendeiros tradicionais do sul que juntaram seu espírito empresarial aos cofres do Estado.», explicavam Fernando Henrique Cardoso e Geraldo Müller, em 2008.

A fazenda Suiá-Missú foi instalada na Terra Indígena Marãiwatsédé, a 1.200Km ao norte de Brasília, na Amazônia Legal. Fonte: Agência Pública

No contexto dessa política de ocupação da Amazônia, o empresário paulistano Ariosto da Riva comprou do Estado do Mato Grosso a área onde moravam os Xavante. Mais tarde, se associou à família Ometto e instalaram na região a Agropecuária Suiá-Missu.

A fazenda foi criada em pleno território de Marãiwatsédé e contou, para sua “abertura” com o uso da mão-de-obra dos indígenas. O empreendimento tinha inicialmente mais de 800.000 hectares e foi considerado por alguns o maior latifúndio da América Latina.

[…] E os brancos começaram a se aproximar para roubar a terra. Então, cada vez mais, eles chegavam. A nossa tradição era dividir aldeia, porque o espaço era grande. Já estava perto de abare’u fazer a cerimônia, mas quando os brancos já estavam próximos o nosso uuu não tinha feito a cerimônia. Daí começou a encurralada atrás da terra. Eles eram espertos.

Tserewa'wa

Depoimento ao MPF

Mas, como explicam Armando Wilson Tafner Junior e Fábio Carlos da Silva, «conforme o rebanho ia aumentando, crescia a necessidade de formação de novos pastos o que levou ao aumento da área desmatada e eclosão de conflitos. Ariosto da Riva, que se associou inicialmente aos Ometto, logo desistiu da sociedade e vendeu sua parte nas terras para o Grupo Ometto devido a conflitos com posseiros e índios.

Esses conflitos passaram a incomodar o Grupo Ometto. Ariosto procurou novas terras desocupadas, mais ao Norte do Mato Grosso, onde hoje está localizado o município de Alta Floresta.

O Grupo Ometto fez o mesmo, vendeu suas terras a empresa Liquifarm Brasil S/A, depois de entrar em litígio com os índios Xavantes quando foram iniciar as obras para estabelecer o núcleo que levava o nome da tribo».

Segundo explica Pedro Casaldáliga em sua Carta Pastoral de 1971, a Fazenda Suiá-Missu possuía cerca de 695 mil hectares na década de 70, «extensão que superava a do próprio Distrito Federal. Tal acontecimento demonstra a capacidade econômica do grupo que controlava o empreendimento», explica o Ministério Público Federal.

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A terra é dos Xavante

Durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente de 1992, celebrada no Rio de Janeiro, os Xavante pressionaram as autoridades nacionais e internacionais e o presidente da Agip, Gabriele Cagliari, -que cometeria suicido pouco depois em uma prisão da Itália, acusado de corrupção, se comprometeu publicamente a devolver a área dos Xavante.

Porém, como relatava o jornal italiano La Repubblica em 1993: «o sonho dos xavante, expulsos de suas terras em 1966, permaneceu um sonho. Os 168 mil hectares da fazenda Suia Missu, no Mato Grosso, um ano depois, ainda são de propriedade da Agip Petroli».

O litigio com os Xavante ainda permaneceu sob a inação do governo brasileiro por mais de 5 anos, até que a Terra Indígena Marãiwatsédé foi homologada pelo presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, em 1998.

O cacique Damião Paridzané, que sempre lutou pelos direitos de seu povo, continua afirmando que os brancos podem lhes oferecer — como carros, bois ou combustível — logo acaba. Mas a terra que ele poderá deixar para seus descendentes, não perde seu valor e não se acaba em pouco tempo. Fonte: ANSA e OPAN ; Foto: Luis Mena

A demora do Governo Brasileiro para homologar a área e os interesses de fazendeiros e políticos da região provocou a invasão massiva da terra dos Xavante.

A luta dos indígenas era bem conhecida na região, mas os 6 anos que se passaram desde a promessa de devolução da área indígena (na ECO-92) até o reconhecimento oficial da mesma em 1998, possibilitou a invasão da área por não-índios.

Nesse impasse, políticos e empresários, com a cumplicidade de advogados e até de registradores promoveram uma fraudulenta “reforma agrária particular” com a intenção de ocupar a área e dificultar a volta dos Xavante.

Deixa esse povo que está aqui querendo trabalhar, viver dessa terra, porque o índio vem pra cá, ele não vai produzir nada. Se os índios trabalhassem, produzissem, tudo bem, a gente ia respeitar o direito deles também, só que eles vão atrapalhar nossa região.

Filemon Limoeiro

Ex-Prefeito de São Félix do Araguaia, em 20 de junho de 1992

De fato, já em 1992, após a empresa italiana anunciar que iria devolver a área aos Xavante, políticos locais, empresários e advogados incentivaram a população a invadir o território Xavante.

Bom exemplo disso são as consignas ouvidas em uma reunião na área em disputa, transmitida ao vivo pela Rádio Mundial FM no dia 20 de junho e cujo áudio completo disponibilizamos a seguir:

Essa tentativa de dividir uma área que era dos Xavante, porém, se deu na lógica dos incentivadores: «A divisão da área, não se deu de forma equitativa. Enquanto grandes latifúndios eram formados nas terras tidas como de “boa qualidade”, por figuras “importantes” da região, as matas e o Cerrado, localizados em regiões cuja terra era considerada ruim, foram loteadas e entregues aos pequenos posseiros que ainda teriam que derrubar a vegetação para poder plantar e criar seus animais», explica Marcos Ramires.

O território dos Xavante foi ocupado e a sua vegetação destruída. Na fotografia, feita por nós, pode ser ver claramente o grau de destruição de uma área que era floresta. Foto: Liebe Lima / AXA.

Para completar, após tantos anos de invasão e de implantação de fazendas -grandes, médias e pequenas, dedicadas sobretudo à criação de gado, Marãiwatsédé -que significa “mata alta” na lingua Xavante, tinha perdido 80% de sua vegetação original.

De fato, essa tendência tem continuado até os dias de hoje, pois as invasões tem continuado. Resultado disso, até 2017, tinham sido desmatados 105.062 hectares da Terra Indígena.

Mas nossa floresta não está em pé, não tem floresta. Só encontramos pasto para todos os lados, sem floresta, e estamos vivendo aqui agora.

Estevão Tsimitsuté

Depoimento ao MPF

A volta dos Xavante

Em 2003, os anciãos de Marãiwatsédé expressaram o desejo de voltar à terra de seus ancestrais antes de morrerem.

Os jovens guerreiros sentiram-se na obrigação de propiciar-lhes esse retorno. Por isso, nesse mesmo ano, 280 pessoas se deslocaram até as portas da sua terra, crianças, jovens, adultos e velhos Xavante queriam voltar a viver em casa.

Porém, ao tentarem entrar na área -que tinha sido reconhecida legalmente fazia 5 anos, os Xavante foram impedidos pelos invasores, que bloquearam a BR-158 com a ajuda dos políticos e fazendeiros da região.

Quando os Xavante tentaram voltar a sua terra ancestral, os invasores interditaram as estradas e, com a ajuda de empresários e políticos com interesses na área, impediram a entrada dos indígenas. Foto: Arquivo FUNAI

Sem poder entrar em sua própria terra, foram forçados a ficar acampados embaixo de lonas pretas, às portas de sua casa ancestral por mais de 8 meses.

Ao longo desse tempo, sem assistência e sem recursos, faleceram 3 crianças e outras 14 tiveram que ser internadas.

Nessa situação, o TRF1 autorizou finalmente a volta dos Xavante e julgou por unanimidade que os ocupantes não indígenas agiram de má-fé e não têm direito à indenização.

No entanto, «a decisão teve recurso e em setembro, o vice-presidente do TRF1, Daniel Dias, voltou a suspender o processo por força de recursos interpostos pelos fazendeiros, representados pelo advogado Luiz Alfredo Feresin de Abreu, irmão da senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)», explica a agência Repórter Brasil.

Na região, todos nós sabíamos que o conflito poderia ser iminente e que a situação criada entre uns e outros dificilmente poderia acabar bem.

Mas, finalmente, nos últimos meses de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) ordenou a remoção dos invasores e a entrada efetiva do Povo Xavante na Terra Indígena Marãiwatsédé.

No dia 7 de novembro de 2012 começaram a entregar no local as notificações que pedian a saída dos invasores.

Finalmente, após quarenta e seis anos de exilio, os Xavante tiveram definitivamente reconhecido o direito ao usufruto de seu território.

Marãiwatsédé hã
Tôtsena ti’a na watsiri’ãmo Wahõiba duré
Höiba-téb’ré hã, Ãhawimbã Date itsanidza’ra hã
Ahãta te Oto aimatsa’ti’ a na Ítémé we’re’iwadzõ
mori hã adza Oto ãma wawa’utudza’rani
Ti’a’a’a’ana… Ai’uté hã ãma ipótódza’ra hã
Tedza Oto ãma tsitébrè ti’a’a’a’ana.

A Terra Marãiwatsédé está em nossos
corações e em nossas almas
Ainda pequenos nos retiraram deste lugar
Mas hoje reconquistamos nossa terra,
nosso lar Agora de volta vou descansar nesta terra,
nesta terra, nesta terra…
Aquí eu nasci e nesta terra vão se criar nossas crianças

Marcio Tserehité Tsererãi’ré

A saída dos invasores, porém, não seu de forma pacífica e foi necessária a intervenção da Força Nacional para poder retirar as pessoas que permaneciam na área. Houve enfrentamentos organizados com a policia e atos vandálicos para destruir (ainda mais) a terra dos indígenas.

Fruto desses meses de tensão que vivemos no Araguaia, o Bispo Pedro Casaldáliga teve que abandonar a sua casa, aos 84 anos, pelas ameaças de morte recebidas e com o objetivo de facilitar, na medida do possível, a devolução da terra aos Xavante.

Nesse território, os ancestrais, nossos bisavós viviam em cima da terra. Esse território é origem do povo de Marãiwatsédé, nessa terra amada foi criado o povo de Marãiwatsédé. Agora a desintrusão já começou, os anciões esperam muito tempo para tirar os não índios da terra, sofreram muito. A vida inteira sofrendo, esperando tirar os fazendeiros grandes.

Damião Paradizané

Primeiro Cacique de Marãiwatsédé

A situação dos Xavante hoje

Mais de 1.000 Xavante moram hoje na Terra Indígena Marãiwatsédé.

No entanto, os A‘uwê Uptabi (“gente verdadeira”), como eles se autodenominam, retornaram a uma terra que tem sido destruída; bem diferente daquela que conheceram 50 anos atrás.

Marãiwatsédé, que foi o lar farto dos Xavante por séculos, enfrenta hoje o desafio vital da escasez de alimentos, da falta de água, dos solos degradados por causa do desmatamento e, ainda, as invasões pontuais e os incêndios criminosos que, ainda hoje, se registram na área.

Retornar a uma terra que foi desmatada, queimada e invadida por mais de 50 anos é o desafio que enfretam os jovens Xavante de Marãiwatsédé. Foto: Liebe Lima / AXA.

Apesar dessas dificuldades, os Xavante estão conseguindo se apropriar de seu território ancestral e construir novas aldeias, como é seu costume.

Aos poucos, entre todos/as, estamos ajudando a recuperar ambientalmente a sua terra (mas sabemos que é um processo de décadas) e, com ela, recuperando os rituais Xavante e re-construíndo seu modo de viver e ser.

O caminho é longo e vai ser muito difícil. As ameaças não faltam.

Mas, o Povo Xavante de Marãiwatsédé não tem medo. Para eles, a esperança sempre vence!

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Pai nosso, dos mártires, dos torturados
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Teu nome é glorificado, quando a justiça é nossa medida
Teu reino é de liberdade, de fraternidade, paz e comunhão
Maldita toda a violência que devora a vida pela repressão
O, o, o, o, o, o, o, o

Queremos fazer tua vontade, és o verdadeiro Deus libertador
Não vamos seguir as doutrinas corrompidas pelo poder opressor
Pedimos-te o pão da vida, o pão da segurança, o pão das multidões
O pão que traz humanidade, que constrói o homem em vez de canhões
O, o, o, o, o, o, o, o

Perdoa-nos quando por medo ficamos calados diante da morte
Perdoa e destrói os reinos em que a corrupção é a lei mais forte
Protege-nos da crueldade, do esquadrão da morte, dos prevalecidos
Pai nosso revolucionário, parceiro dos pobres, Deus dos oprimidos
Pai nosso, revolucionário, parceiro dos pobres, Deus dos oprimidos
O, o, o, o, o, o, o, o

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Nos anos 70, a região do Araguaia foi palco da “colonização” da Amazônia. Uma política iniciada pela ditadura militar brasileira para ocupar a região amazônica para que não fosse invadida pela ameaça “comunista”.

A propaganda do Estado e os enormes incentivos fiscais concedidos foram frutíferos: grandes empresas e proprietários de terras amigos dos ditadores adquiriram imensas áreas de selva, sem sequer levar em conta se havia povos indígenas vivendo ali. Eu não precisava deles. Centenas de trabalhadores de todos os lugares foram seduzidos a se mudar para o “tesouro verde” com a promessa de terra, comida para dojo e uma vida melhor.

A realidade, no entanto, era muito diferente da esperada: os investimentos necessários nunca foram feitos para conectar a Amazônia com o resto do país, tornando-se uma zona isolada, distante e pobre. As pessoas foram abandonadas em sua sorte, e a lei “38” prevaleceu.

Se você quiser entender como esse processo histórico de ocupação da Amazônia foi, você pode ler este artigo-resumo da BBC Brasil. 

Nesse contexto, o jornal O Estado de São Paulo publicava em 1973 um artigo relatando o processo que estava acontecendo nas terras do Araguaia.

Enquanto os soldados recorreram às aldeias de extrema pobreza, como São Félix do Araguaia, Santa Terezinha, Serra Nova ou Pontinópolis, localizadas no meio de grandes propriedades, estendendo centenas de dentes e ajudando pacientes afetados por malária, tuberculose, desnutrição e leishmania , foi possível perceber, em contato com as pessoas, muito mais do que doenças, o que elas tinham medo de perder a terra.

O Estado de São Paulo, 1973

“É necessário minimizar a ação dos padres para evitar a subversão”

E continuava o Jornal:

A paisagem urbana é resumida em pequenas casas de cimento que fazem da igreja ou da Assembléia de Deus, entre uma sucessão de cabanas de barro seco. Neste contexto, devido à omissão do poder público, o padre tem, necessariamente, muito mais funções com o corpo do que com o espírito. (…)

O presidente da Companhia de Desenvolvimento de Mato Grosso e a Federação de Agricultura do Estado, dias antes, haviam anunciado a necessidade de “minimizar a ação dos religiosos na região, como a única medida, em sua opinião, capaz de evitar a “subversão”. Mas, apesar da opinião de Muller, o que podia ser visto era um trabalho absolutamente cristão de padres que assistem comunidades pequenas e isoladas “.

Estado de São Paulo, 28 de outubro de 1973.

A detenção da equipe de Casaldáliga

Nesse mesmo ano, a polícia militar ocupa a Prelatura pela primeira vez e realiza a detenção da equipe pastoral do Bispo Casaldáliga e a tortura de Antonio Carlos Moura, colaborador da Prelazia. Três anos depois, o conflito entre Casaldáliga e os latifundiários foi acentuado e resultaria no assassinato, nas mãos de um policial militar, do padre João Bosco Penido Burnier, ao confundi-lo com Dom Pedro.

Não seria senão 33 anos depois, que o governo brasileiro reconheceu o assassinato do Padre João Bosco como crime político. 

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Ameaças de morte ao Bispo Casaldáliga

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Nas décadas de 70 e 80, a Amazônia estava sendo distribuída entre os amigos da ditadura. A lei, era a lei do mais forte. Se opor ao latifúndio era arriscar a vida. Esta é a historia da cidade ganhada na enxada e na tentativa de assassinato.

14 de junho de 2019

A vida de Pedro Casaldáliga

Casaldáliga sorriu, alegre; mas também ficava em silêncio

O Pedro sempre sentiu intensamente a pequena cidade de Serra Nova.

O conflito de mais de 40 anos com a Fazenda Bordom esteve sempre presente. Sempre na lembrança. Inclusive depois que o Pedro não pode ir mais visitar a comunidade de lá, o seu pensamento sempre está com as famílias da Bordom.

Depois de terem tentado assassinar ele e da violência que os latifundiários da Bordom impuseram ao povo do Araguaia, a sua desapropriação total em 2009 se traduziu em uma alegria imensa para o Pedro.

Celebramos o momento na casa dele, com um almoço simples, mas muito emocionante, em lembrança de tanto sofrimento e cheio de esperança. O Pedro sorria, alegre, mas também calava; como quem sente profundamente a dor passada pelo povo.

Terra para pocos, com os recursos de todos

A partir do golpe militar de 1964 é dada nova orientação com relação à ocupação das terras na Amazônia: «O Governo Federal, através de incentivos fiscais e crédito facilitado, privilegia a instalação de amplos latifúndios cujos proprietários são, na maioria das vezes, empresários do Centro-Sul.»

A enorme área de Amazônia começava a ser distribuída entre os amigos dos militares.

Para garantir e proporcionar a infraestrutura básica que as atividades dos latifundiários necessitavam, o poder público criou órgãos específicos para apoiar tais atividades: «o Banco da Amazônia S/A (BASA), a Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO), e a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM)».

O eixo desta nova política de ocupação da Amazônia girou entorno, portanto, à concessão de generosos incentivos fiscais e de crédito barato para as empresas interessadas em investir na Amazônia. Par isso, apolítica de incentivos fiscais é uma das causas fundamentais da expansão das grandes empresas agropecuárias à custa e em detrimento da agricultura familiar.

O resultado: a especulação

O resultado dessa política foi a intensa especulação de terras, desencadeada com força na década de 1960, e o incentivo ao desenvolvimento agrícola e pecuário, sem qualquer tipo de cuidado ambiental, o que gerou um quadro de expressiva degradação ambiental.

Ao mesmo tempo, a ausência de direitos trabalhistas, previdenciários, etc condenavam muitos dos trabalhadores dessas fazendas a viver na ilegalidade e na precariedade mais absoluta: no Mato Grosso, ainda hoje, ter carteira assinada e um salário digno é luxo!

A Empresa Bordon ameaçou com me matar e também ao Moura, e incendiaram a cidade. Fomos esperados de emboscada, na mata, pelo capataz da plantação, Benedito Boca-Quente. A “boca quente” era a do seu revólver. Eles colocaram um preço na minha vida: mil cruzeiros, um revólver 38 e um bilhete de saída da região.

Pedro Casaldáliga

Tentativa de assassinato ao Bispo Casaldáliga

Em 1972, a fazenda Bordón cercou a cidade de Serra Nova e começou a expulsar os posseiros e queimar seus quartéis, usando pistoleiros que intimidavam a cidade. Pedro foi para a Serra Nova para dar apoio aos agricultores. Enquanto estava lá, decidiu ir ao quartel-general da fazenda conversar com o gerente.

Benedito Boca Quente, funcionário da fazenda e com a reputação de homem valente, sabendo que o bispo iria para a sede, contratou um pistoleiro para matá-lo. Ele deu-lhe um revólver e dinheiro para a fuga. Pedro foi com Lulu, líder dos posseiros que depois seria preso pelos militares. O pistoleiro se escondera na floresta e espreitava seus passos. Passaram perto dele, mas o pistoleiro não disparou. O gerente da fazenda parecia pálido quando Pedro chegou.

O atirador, antes de fugir, foi e contou à equipe pastoral o que havia acontecido com ele. Quando ele estava escondido, ele começou a lembrar que, quando criança, sua mãe lhe disse que quem matou um padre estava indo para o inferno. Ele, sabendo que ia matar um bispo, ficou com medo e desistiu do “serviço”.

A esperança supera o medo

Em 1973, a Equipe Pastoral da Prelazia escrevia:

“Serra Nova está situada nas costaneiras da Serra do Roncador, a aproximadamente 150 Km de São Félix. (…) De dezembro a abril só se chega a Serra Nova de téco-téco ou a cavalo. Sua população atual é de 180-200 famílias, num total aproximado de 1.400 pessoas. Todos camponeses, vivendo da terra da qual retiram o arroz de cada dia. Como em toda a região, não há luz elétrica e nem água encanada. O maior problema de Serra Nova atualmente é a falta de terra de lavoura disponíveis para toda a população”.

A Empresa Bordom efetivamente, reivindicava as terras onde moravam as famílias de Serra Nova como próprias e o conflitou começou. Para os moradores do local, perder as terras era perder a vida.

Como explica Liebe Lima, da Articulação Araguaia Xingu en què participa a ANSA, “em maio de 1973 era tempo de preparar o solo para esperar a chegada das chuvas em setembro e lançar as sementes na terra. Veio a necessidade de combater a fome e a comunidade tomou a decisão de enfrentar as cercas da fazenda BORDON correndo o risco de serem presos e expulsos, pois a lei não estava com eles. Fizeram um abaixo assinado e enviaram para o INCRA informando sua decisão e denunciando as ameaças que sofriam. Não houve o que lhes fizessem arredar o pé dali, nem mesmo a prisão de um camponês sob a lei de segurança nacional por 30 dias em Barra do Garças”.

A correlação de forças era muito desigual, mas a determinação de permanecer na terra foi maior que o medo de ficar e enfrentar.

A luta, porém, teve seu fruto e em 2009: “A Procuradoria Federal Especializada (PFE) junto ao Incra garantiu a declaração de improdutividade da fazenda Bordolândia, no Mato Grosso. O imóvel, de mais de 50 mil hectares, fica nos municípios de Bom Jesus do Araguaia e Serra Nova Dourada, nordeste do estado. Agora, não há mais empecilhos jurídicos que ameacem o desfecho da desapropriação da área, que vai assentar cerca de 700 famílias de trabalhadores rurais”.

A Bordom, finalmente, é do povo!

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