Desde a eleição de Bolsonaro como presidente, o Brasil se tornou o epicentro do “cristoneofascismo” e o lugar onde a extrema direita de Deus governa, em um ato da mais crassa manipulação do sagrado a serviço de uma política necrófila.
Tal situação me leva a colocar duas questões: em que modelo político-religioso se baseia o cristoneofascismo de Bolsonaro e qual imagem de Deus o fundamenta. Acredito que a melhor resposta está no teísmo político que Bolsonaro estabeleceu no Brasil e na imagem sacrificial de Deus em que se baseia.
A teologia da libertação latino-americana, e especialmente a brasileira, libertou Deus do cerco do mercado e Bolsonaro o tornou prisioneiro de sua política antiecológica, homofóbica, patriarcal, neocolonial e ultraneoliberal.
O slogan de sua campanha eleitoral, com o qual também concluiu seu discurso de posse como presidente do Brasil, foi: “Brasil acima de tudo, Deus acima de tudo”. Ele reiterou isso em um dos cultos em que participou na Igreja Evangélica Sara Nossa Terra em julho de 2019: “Devo minha vida a Deus e este mandato está a serviço do Senhor. Em nosso governo, Deus está acima de tudo”.
O que muitos de nós consideramos um sequestro político de Deus, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, descreveu como uma libertação de Deus, “triste prisioneiro…, que volta a circular livremente pela alma humana”. Puro teísmo político e flagrante perversão religiosa.
Acredito, sim, que no Brasil está acontecendo o contrário da afirmação de Araújo: a teologia da libertação latino-americana, e especialmente a brasileira, libertou Deus do cerco do mercado e Bolsonaro o tornou prisioneiro de sua política antiecológica, homofóbica , patriarcal, neocolonial e ultraneoliberal.
(Brasília – DF, 07/09/2019) Jair Bolsonaro acompanhado pelo bispo da Igreja Universal Edir Macedo e pelo magnata da mídia Silvio Santos, durante o Desfile Cívico do Dia da Pátria. Foto: Alan Santos/PR
Uma característica do teísmo político de Bolsonaro é o providencialismo religioso, que consiste em interpretar a história a partir de um Deus providente, como quando considerou um milagre ter se livrado do atentado sofrido durante a campanha eleitoral. O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, aplicou a Bolsonaro as palavras de Jesus: “Muitos são chamados e poucos são escolhidos” e disse que Deus “elegeu o mais improvável”.
Na escolha do “mais improvável”, Lorenzoni estava certo. O que duvido – ou melhor, nego – é que tenha sido Deus quem o escolheu ou quem legitimou a sua eleição. O fato que realmente contribuiu para a eleição de Bolsonaro foram as fake news de sua campanha eleitoral, que continuam sendo produzidas durante sua presidência por meio do gabinete do ódio, que é dirigido por um de seus filhos e encarregado de divulgar notícias falsas. Comentando a solidão dos dois presidentes anteriores após as primeiras semanas de posse do governo, afirmou que um dos motivos dessa solidão foi “o afastamento de Deus, nosso criador”.
Bolsonaro reconhece mais influência da Bíblia do que da própria Constituição brasileira. Mas de uma Bíblia lida de forma fundamentalista e seletiva em seus textos mais violentos e discriminatórios contra mulheres, homossexuais, etc.
O Brasil tem uma longa tradição de Estado laico, que Bolsonaro parece ratificar, mas o faz com astúcia porque introduz uma distinção que leva ao confessionalismo: “O Estado é laico, mas nós -” eu “, diz em outras ocasiões – somos cristãos”. Confessionalismo que estendeu ao Supremo Tribunal Federal para o qual anunciou que dos dois juízes que deveria nomear “um seria terrivelmente (sic!) evangélico”.
Respeito ao pluralismo? Em absoluto. Ele prometeu reconhecer todas as religiões, mas, “seguindo a tradição judaico-cristã”. Considerando as constantes referências que faz à Bíblia, deve-se notar que ele reconhece mais influência da Bíblia do que da própria Constituição brasileira. Mas de uma Bíblia lida de forma fundamentalista e seletiva em seus textos mais violentos e discriminatórios contra mulheres, homossexuais, etc.
Bolsonaro faz a saudação militar na “Marcha por Jesus”, em maio passado.
Constante é a presença de Bolsonaro nos templos das igrejas evangélicas fundamentalistas. Em sua visita ao Templo de Salomão da Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, ocorreu uma cena inusitada: o Presidente da República ajoelhado diante do Bispo Macedo, que impôs as mãos nele, abençoado-o. A referência à Bíblia é permanente para legitimar a sua política homofóbica, sexista, racista e ultra-neoliberal, numa palavra, neofascista num claro rapto do texto sagrado judaico-cristão, que lê de forma fundamentalista.
Em maio de 2016, Bolsonaro viajou para Israel para receber o batismo no rio Jordão, imitando o batismo de Jesus. Foi o pastor e líder do Partido Social Cristão Everaldo Dias Pereira quem o imergiu no Jordão e, após o batismo, perguntou-lhe: “Você acredita que Jesus é o Filho de Deus?”, ao que Bolsonaro respondeu: “Acredito”. Após o batismo, ele citou a declaração de Jesus: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8:32) e fez a seguinte confissão: “Recuperei uma fé que me acompanhará pelo resto da minha vida.”
O deus de Bolsonaro
O deus em que o atual presidente do Brasil acredita e com ele os cristofascistas é aquele que legitima as ditaduras e não respeita à democracia. De fato, Bolsonaro defendeu inúmeras vezes a ditadura brasileira que durou mais de vinte anos, de 1964 a 1985.
Ele chegou a afirmar que o principal erro daquele regime “foi torturar, mas não matar”. Ele também elogiou o golpe de Estado de Augusto Pinochet e o fez em resposta às críticas de Michelle Bachelet, presidenta do Chile por dois mandatos (2006-2010, 2014-2018) e atual Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
A reação de Bolsonaro não deixa dúvidas: Deus fica do lado dos ditadores, criminaliza impiedosamente as vítimas e, como disse Atahualpa Yupanki, almoça na mesa do patrão.
Ele respondeu a Bachelet que esqueceu “que seu país não era como Cuba apenas graças a quem teve a coragem de ‘dar um fim’ à esquerda em 1973, entre os quais estava seu pai, então brigadeiro”. A reação de Bolsonaro não deixa dúvidas: Deus fica do lado dos ditadores, criminaliza impiedosamente as vítimas e, como Atahualpa Yupanki, almoça na mesa do patrão.
(Boa Vista – RR, 26/10/2021) Culto em comemoração aos 106 anos da Assembleia de Deus. Foto: Isac Nóbrega/PR
Comentando a Declaração postsinodal Querida Amazonía, do Papa Francisco, Bolsonaro negou que houvesse fogo na floresta úmida e questionou o conteúdo da exortação em tom burlesco e teocrático: “O Papa Francisco disse ontem que a Amazônia é dele, que é do mundo inteiro; Coincidentemente, ontem estive com o chanceler argentino… o papa é argentino, mas Deus é brasileiro”. Deus étnico e nacional contrário ao Deus universal das religiões monoteístas: judaísmo, cristianismo e islamismo!
O deus de Bolsonaro é o deus negador do aquecimento global, insensível à violência de gênero, militarista, feito à imagem e semelhança dos militares como Bolsonaro e seu governo.
O Deus de Bolsonaro, segundo Eliane Brum, é aquele que odeia o mundo globalizado, aquele que acredita que os imigrantes podem ameaçar a soberania do Brasil, aquele que acredita que as escolas do país se tornaram um verdadeiro bacanal infantil incentivado por professores que defendem a “ideologia de gênero”. Eu acrescento: é o deus negador do aquecimento global, insensível à violência de gênero, militarista, feito à imagem e semelhança do militar Bolsonaro e seu governo com grande representação militar. É um deus vingativo, e não o Deus do perdão, compaixão e misericórdia como pregado e praticado por Jesus de Nazaré. Nada a ver com o Deus libertador do êxodo e dos profetas de Israel, que opta por pessoas e grupos empobrecidos.
O deus de Bolsonaro é também o deus da magia e da superstição. No auge da pandemia, com dezenas de milhares de brasileiros infectados e milhares de pessoas morrendo todos os dias, ele emitiu um decreto declarando os serviços religiosos um “serviço essencial” para os cidadãos. Este regulamento foi inspirado na afirmação do pastor evangélico Silas Malafaia, um de seus conselheiros religiosos: “A igreja é uma agência de saúde emocional, tão importante quanto os hospitais”. Maior desprezo pela vida, impossível!
“Não se preocupem com o coronavírus. É uma tática de Satanás. Satanás trabalha com o medo, com o pavor, com a dúvida. Satanás apavora as pessoas. E quando as pessoas ficam apavoradas, ficam com medo ou com dúvida, as pessoas ficam fracas, débeis e suscetíveis”. Edir Macedo
Aconselhado pelos pastores das megaigrejas, Bolsonaro subestimou desde o início a gravidade do coronavírus, que qualificou de “gripezinha”, e da pandemia, que descreveu como psicose e histeria, mostrando desconfiança da ciência e propondo como alternativa a fé. Bolsonaro acenou a sua proximidade com o bispo evangélico Edir Macedo, para quem o coronavírus é uma estratégia de Satanás para instilar medo, pânico e até terror, mas que só atinge pessoas sem fé. Como antídoto para o coronavírus, Bolsonaro propõe o “coronafé”, que só é eficaz para quem acredita firmemente na palavra de Deus. O próprio Bolsonaro se tornou o profeta contra o coronavírus para um grupo de evangélicos que o aguarda ansiosamente chamando-o de “Messias” nos portões do palácio presidencial.
O teólogo e filósofo intercultural Raimon Panikkar em seu livro «La religión, el mundo y el cuerpo» (Herder, Barcelona, 2012) oferece uma resposta à desconfiança da ciência e ao caráter mágico-curativo da fé fora da medicina:
“Desvinculada da medicina, a religião deixa de ser […] fonte de alegria […]; torna-se uma força alienante, que raramente pode refugiar-se no ‘negócio’ de salvar almas não encarnadas ou na esperança de um céu projetado em um futuro linear, mas que perde valor e até sua razão de ser, já que não pode mais salvar o verdadeiro ser humano de carne e osso […] uma espécie de remédio para outro mundo, ao preço de ignorar este aqui” (p. 111).
E Panikkar conclui: “Religião sem medicina não é religião, ela desumaniza, torna-se cruel e aliena os seres humanos de sua própria vida nesta terra. A religião sem medicina torna-se patológica”. (p.112).
O Deus de Bolsonaro -também conhecido como BolsoNero- exige o sacrifício de seres humanos, um sacrifício seletivo de pessoas, classes sociais e setores mais vulneráveis da população brasileira, de comunidades afrodescendentes e indígenas. Isso ficou evidente durante a pandemia com a morte de cerca de 700.000 pessoas, principalmente dos setores e classes populares, que foram sacrificadas com a desculpa de salvar a economia. A economia acima da vida!
O bispo, profeta, místico e poeta Pedro Casaldáliga responde, com sua vida e as causas que defendeu -mais importantes que sua vida-, ao cristoneofascismo de Bolsonaro com a proposta de um cristianismo libertador, desevangelizador e descolonizador, do qual ele foi um dos símbolos mais luminosos.
O investimento não poderia ser mais necrófilo. É a aplicação mais desumana da teoria da necropolítica, exposta pelo cientista político camaronês Achille Mbembe, segundo a qual os poderes decidem quem deve morrer e quem pode viver, e a cultura do descarte do Papa Francisco, segundo a qual “os excluídos não são apenas ‘explorados’, mas ‘desperdícios’, ‘excedentes’ (O alegria do Evangelho, n. 53).
O deus de Bolsonaro é, em suma, um deus ecocida que exige o sacrifício da natureza, principalmente com a destruição da floresta amazônica, sem perceber que a natureza é a fonte da vida, e Deus é o doador da vida. O deus de Bolsonaro está relacionado aos ídolos da morte do cristofascismo.
O bispo, profeta, místico e poeta Pedro Casaldáliga responde, com sua vida e as causas que defendeu -mais importantes que sua vida-, ao cristoneofascismo de Bolsonaro com a proposta de um processo libertador, desevangelizador e descolonizador. Cristianismo, do qual ele foi um dos símbolos mais brilhantes. Propõe, igualmente, como alternativa ao deus necrófilo e sacrificial do atual -e esperançosamente por muito pouco tempo- presidente do Brasil- Deus Pai e Mãe, “o Deus de todos nomes”, que “no ventre de Maria de Nazaré se tornou um ser humano e na oficina de José se tornou classe”.
Juan José Tamayo. Professor emérito da Universidade Carlos III de Madrid e autor de La Internacional del odio. ¿Cómo se construye? ¿Cómo se deconstruye? (Icaria, Barcelona, 2022, 3ª ed.) e Pedro Casaldáliga. Larga caminata con los pobres de la tierra (Herder, Barcelona, 2020)
No Brasil, os assassinatos devido aos conflitos no campo aumentaram 75% em 2021, um aumento que reflete “o abandono e a ação deliberada contra a vida das pessoas” do governo do Presidente Jair Bolsonaro. A denúncia foi feita pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), ligada ao Episcopado brasileiro, na apresentação de seu relatório anual, Caderno de Conflitos no Campo 2021.
A Terra Indígena Yanomami (TIY) tem sido um dos territórios mais duramente atingidos pela violência dos garimpeiros no Brasil. Demarcada em 1992, a TIY é a maior do Brasil, com 9,6 milhões de hectares. É o lar dos povos indígenas Yanomami e Ye’kwana. Há também evidências da presença de oito grupos indígenas isolados na floresta, um deles conhecido como o povo indígena Moxihatëtëa. Desde 2012, a atividade de mineração clandestina vem se expandindo rapidamente no país e está tendo um impacto significativo sobre a Amazônia.
Em 2020, o Centro de Documentação da CPT – Dom Tomás Balduino registrou 9 mortes como resultado de conflitos no campo, a maioria delas dentro do estado do Amazonas (6). Em 2021, 109 mortes foram registradas como resultado de conflitos, um aumento de 1.110%.
Do total, 101 mortes foram registradas no estado de Roraima. Todas elas de indígenas Yanomami. Tudo causado pelas ações de garimpeiros clandestinos de ouro. Desde 2020, a Asociação Hutukara alerta autoridades sobre a escalada da violência nas regiões da TIY onde a mineração ilegal, o garimpo, está mais avançado. De acordo com dados obtidos pelo Sistema de Monitoramento de Mineração Ilegal dentro da TIY, o leito do rio Uraricoera é a região mais afetada por esta atividade, representando 45% de toda a área degradada pela mineração ilegal dentro do território indígena Yanomani.
O Brasil encerrou 2021 com 1937 pessoas resgatadas da escravidão, o maior número desde 2013. Sérgio Carvalho / MTE
Violência contra as personas: aumento de 75% nos assassinatos
Em 2021, informaçãoes da Comissão Pastoral da Tierra evidenciaram que a violência contra as pessoas era brutal. Somente nos estados que compõem a Amazônia Legal, foram registrados 28 assassinatos, 80% do total para todo o Brasil. As ações dos “pistoleiros contratados” e das chamadas “agromilicias”, assim como dos agentes públicos, levaram a 35 assassinatos devido a conflitos no campo no Brasil em 2021. Desse total, 33 eram homens e dois eram mulheres.
Durante este período houve também 27 tentativas de assassinatos e 132 ameaças de morte. Houve também 75 agressões físicas com vários feridos, inúmeras intimidações e tentativas humilhantes de subjugação, com 13 registros de tortura praticados principalmente por agentes privados de grandes propriedades, proprietários de terras, fazendeiros.
No total, 100 camponeses foram presos em 2021, com um aumento de 45% no número de prisões em comparação com o ano anterior.
Cinco pessoas LGBTI+ são vítimas de violência no campo
Os dados sobre a violência contra as pessoas, divulgados na publicação Conflitos no Campo Brasil 2021, pela primeira vez, apresentam informações sobre a orientação sexual e a expressão de gênero das vítimas de violência no campo. Em 2021, cinco pessoas LGBTI+ no campo foram vítimas de violência, de acordo com dados publicados no relatório. Tal violência inclui: humilhação e prisão; assassinato; intimidação e tortura.
No maior resgate de 2021, a Souza Paiol foi considerada responsável por manter 116 trabalhadores escravizados na colheita da palha de seus cigarros (Foto: Grupo Especial de Inspeção Móvel/Divulgação).
Trabalho escravo: maior número de pessoas resgatadas desde 2013
Em 2021, o Ministério Público do Trabalho brasileiro resgatou 1.726 pessoas da escravidão, o maior número desde 2013. Um aumento de 113% em relação ao valor de 2020. Houve 169 casos de trabalho escravo nas áreas rurais em 2021, um aumento de 76% em relação ao ano anterior. O estado de Minas Gerais lidera a lista, com 51 casos e 757 pessoas resgatadas. Em seguida vem o estado do Pará, com 27 casos, e Goiás, com 17.
Do total de pessoas resgatadas desta prática criminosa, 64 eram crianças e adolescentes, o que corresponde a um aumento de 121% em relação ao ano anterior. As regiões sudeste e centro-oeste concentraram o maior número de menores escravizados, 19 cada uma.
Estas duas regiões também são onde foram detectados mais casos de trabalho escravo: na região Sudeste foram registrados 59 casos e resgatados 919, enquanto no Centro-Oeste houve 37 casos e 415 resgatados em 2021.
Tentativas de destruir a subsistência da população rural estão aumentando
Durante 2021, houve 2.143 famílias despejadas judicialmente, 12% a mais do que em 2020. Houve também um aumento de 18% no número de famílias expulsas violentamente de suas terras. O número aumentou de 469 em 2020 para 555 em 2021.
Mais de 71 milhões de hectares estavam ou ainda estão em conflito. As terras indígenas constituem a esmagadora maioria destas terras sofrendo de invasões violentas, correspondendo a 81% das áreas sob tensão e conflito social. Os chamados sem-terra constituem a segunda categoria de identidade com mais áreas sob forte pressão e conflito, seguidos pelos “posseiros”.
A alta porcentagem de negros entre os escravos resgatados é um sintoma da realidade que os negros ainda vivem hoje no Brasil (Foto: Sergio Carvalho – Subsecretária de Inspeção do Trabalho do Ministério da Economia).
Em termos de dados sobre o número de famílias envolvidas em conflitos fundiários nos últimos dez anos, o aumento dramático do número de famílias que tiveram suas terras invadidas desde o início do atual governo (2019-2021) é impressionante: nada menos que 206% a mais do que em 2018.
Na Amazônia foram registradas 64,5% das ameaças de expulsão, 63% de contaminação por agrotóxicos, 78% de desmatamento ilegal, 87% de expulsões, 81% de grillagens, 82% de invasões, 69% de registros de assassinos e pistoleiros contratados, 73% de omissões/conivências por parte do Estado e 70% de violações das condições de existência de todo o Brasil.
Resistência
As ações de ocupação e recuperação de terras também tiveram um aumento expressivo em 2021. No total, estas ações de resistência aumentaram de 29 em 2020 para 50 em 2021, um aumento de 72%, e de 1.391 famílias em 2020 para 4.761 famílias ocupando e recuperando terras em 2021. Um aumento de 242%.
Somos as Causas que assumimos, as que vivemos, pelas quais lutamos, e pelas quais estamos dispostos a morrer. Eu sou eu e minhas causas. Minha vida valerá o que valham minhas Causas. A América Latina é o Continente mais consciente de sua comunitária identidade. Pela sua unidade histórico-militante, de sangue e utopia, de morte e esperança, ela pode falar coletivamente de umas Causas próprias.
E essas Causas, enquanto latino-americanas e enquanto assumidas como desafio existencial e como processo político, levam consigo três constantes, tâo utópicas quanto necessárias, e complementares entre si:
a) a opção pelos pobres, opção pelo povo;
b) a libertação integral;
c) a solidariedade fraterna.
Quatro são as grandes Causas da Pátria Grande que esta Agenda privilegia, por julgá-las fundamentais no contexto social e espiritual desta sua “hora”.
1. As culturas raiz e testemunho
Perseguidas e até proibidas, marginalizadas e até massacradas. A cultura indígena, a cultura negra, a cultura mestiça, a cultura migrante. Cada uma delas com sua especificidade, mais ou menos conflitiva, segundo os tempos e as latitudes. Hoje, as quatro — esqueleto e carne, sangue e pele de Nossa América — vêem-se confrontadas por essa niveladora “cultura chegante”, que nega as identidades, proíbe a alteridade e subjuga neocolonizadoramente.
As quatro defendem sua autoctonia. E para sobreviver e, particularmente, para contribuir com sua originalidade, devem fazer aliança fraterna e se defender dos novos invasores, como uma só América plural. índia, negra, mestiça, migrante, que seja cada vez mais ela mesma, esta Nossa América singular.
2. O popular alternativo
O socialismo latino-americano, a democracia integral, a civilização da pobreza compartilhada mas militante, a luta pelos direitos humanos e pelas transformações sociais juntamente com a gratuidade e a festa.
Morto o “socialismo real”, viva o socialismo utópico! Viva a democracia popular! Que vá morrendo a democracia neoliberal que se considera a única saída para a sociedade humana e “fim da história”.
O popular, e por ser popular, “alternativo”, diferente do que nos é dado, contrário ao que nos é imposto, criativo diante do fatalismo rotineiro, é o programa mais realista e o desafio histórico mais eficaz para os Povos latino-americanos, para seus líderes e políticos, para seus partidos e sindicatos, para as Igrejas que queiram ser latino-americanamente cristãs e para esse novo sujeito emergente coletivo que é o Movimento Popular.
3. A Mulher
Ela, nem menos nem mais. Secularmente marginalizada em quase todas as culturas e também, é claro, nesta machista América Latina que, de fato, é mais Mátria do que Pátria Grande, Abia Yala, terra virgem mãe em constante fecundidade.
As mulheres, todas as mulheres, também as negras, e as índias também, e as pobres e as usadas e as submetidas, estão-se colocando em pé de consciência coletiva e organizada, e são, com muita freqüência, suporte e maioria nas diferentes esferas do movimento popular. E o serão cada vez mais. E não só na práxis mas também no pensamento, não só na militância, mas também na liderança. E os homens e a Sociedade e a Igreja haverão de reconhecer e respeitar e dialogar, porque já a mulher latino-americana se reconhece altivamente, exige o respeito da igualdade e dialoga à altura fraterna. Nem quer os privilégios tolos de certo feminismo primeiro-mundista, nem aceitará facilmente que a Sociedade ou a Igreja continuem declarando como dogma de fé a presença e a ação da mulher num segundo plano subordinado.
4. A ecologia integral
A comunhão harmoniosa com a Natureza, mãe e esposa, habitai e veículo. Uma ecologia contemplativa ao mesmo tempo que funcional. Sem as distâncias interessadas com que o Primeiro Mundo defende facilmente a ecologia distante…. Em intersolidariedade ecológica, dos diferentes Povos do Continente, dos Continentes entre si e até no cotidiano da vizinhança.
Herança ancestral dos povos indígenas que tão bem souberam amar c respeitar a Natureza, a América Latina pode e deve dar ao mundo esta lição atualíssima da ecologia integral. Não queremos a Terra como um museu intocável, nem aceitamos a técnica, a indústria, o mercado como a lei e o futuro onipotentes. O primeiro elemento essencial para nossa ecologia é o próprio ser humano, a espécie viva mais ameaçada de extinção pela ambição da própria espécie.
Nós mesmos queremos ser ecologia consciente, convivência pacífica, terra cultivada e utopia sonhada.
Se a América Latina é nossa Causa, estas grandes Causas da Pátria Grande haverão de ser, diariamente, nossas grandes Causas ao longo do ano de 1993, que segue o famoso 1992. A vivência entusiástica, a defesa militante, e a diária utopia dessas quatro grandes Causas nos possibilitarão viver outros 500 anos, mas muitos “outros”, quinhentos e milhares… E seremos amanhã o ontem mártir já florescido, “e seremos milhões”…
Assim, a partir de nossa alteridade assumida e respeitada, poderemos dar a contribuição específica que o único Mundo Humano, já sem Primeiro e sem Terceiro, espera de nós.
E essa convivência da América Latina com os outros Povos da Terra Humana irá parecendo cada vez mais com o Reino de Deus.
O laboratório do Hospital Regional do Araguaia recebeu nesta quinta – feira dia 10/02, novos equipamentos para melhorar a sua capacidade e qualidade de atendimento. O espaço foi reformado e adequado para poder dispor de uma estrutura capaz de atender os pacientes dos municipios de os municípios de São Félix do Araguaia, Luciara e Alto Boa Vista.
Novos equipamentos foram adquiridos para atender os pacientes de São Félix do Araguaia, Luciara e Alto Boa Vista
Responsável pelo atendimento de uma população de 20 mil pessoas, incluindo os Povos Karajá e Xavante, as melhorias recebidas através de um convênio de colaboração entre a Fundação Pedro Casaldáliga e a Associação de Educação e Assistência Social (ANSA), com recursos do Fons Català de Cooperació al Desenvolupament, aumentarão a quantidade de exames que podem ser feitas na cidade e serão essenciais, portanto, para darmos um passo mais na melhora da saúde da região do Araguaia.
O laboratório foi equipado com materiais novos para melhorar o atendimento
O Consórcio Intermunicipal de Saúde (CISA) tem assumido a reforma do espaço e os trabalhos técnicos necessários para a instalação dos equipamentos, em mais uma amostra de compromisso com a saúde do Araguaia.
Na cerimónia de inauguração estiveram presentes a Equipe da ANSA, representadas pela Vania, Lucilene, Kátia e Genésio. Do CISA: Ozana – Secretária Executiva. A Prefeita Janailza, o Secretário de Adm. Wemes Leite, os Vereadores(as): Jusmar, Patricia, Dilson e Enes. Do Alto Boa Vista, o Prefeito – José Maranhão; Vereadoras: Viviane, Alessandra e Letícia . De Luciara, a Primeira dama Fabiana representando o Prefeito Parassú.
Momento da cerimônia de inauguração do novo laboratório do Hospital Regional do Araguaia.
O Povo Iny-Karajá vive há milhares de anos às margens do Rio Araguaia. Porém, como muitos outros povos indígenas no Brasil, enfrentam o desafio de uma vida digna em suas comunidades. O sistema de saúde na maioria das aldeias é precário e, nesta ocasião, temos conseguido um pequeno apoio para preservar os históricos médicos dos pacientes.
Habitantes seculares das margens do rio Araguaia nos estados de Goiás, Tocantins e Mato Grosso, os Karajá têm uma longa convivência com a Sociedade Nacional, o que, no entanto, não os impediu de manter costumes tradicionais do grupo como: a língua nativa, as bonecas de cerâmica, as pescarias familiares, os rituais como a Festa de Aruanã e da Casa Grande (Hetohoky), os enfeites plumários, a cestaria e artesanato em madeira e as pinturas corporais, como os característicos dois círculos na face. Ao mesmo tempo, buscam a convivência temporária nas cidades para adquirir meios de reivindicar seus direitos territoriais, o acesso à saúde, educação bilingüe, entre outros.
Localização e habitantes
Os Karajá são habitantes imemoriais da bacia do rio Araguaia, na ilha do Bananal e cercanias, compreendendo um território que abrange as fronteiras entre os estados de Tocantins, Pará, Mato Grosso e Goiás.
Maior ilha fluvial do planeta, com cerca de vinte mil quilômetros quadrados de extensão, a ilha do Bananal é formada pela bifurcação do rio Araguaia em um braço menor, o rio Javaés, que, depois, cerca de 340 km adiante, volta a se encontrar com o Araguaia, já na divisa entre os estados do Pará e Tocantins.
Os indígenas constituem uma pequena parte dos moradores. Os Xavante: caçadores, fortes, bravos ainda faz poucos anos quando semeavam o terror por estas paragens. Receosos. Bastante nobres. Os Carajá : pescadores, comunicativos, fáceis de amizade, festeiros, artesãos do barro, das penas dos pássaros e da palha das palmas; moles e adoentados, particularmente agredidos pelos contatos prematuros e desonestos com a chamada Civilização, por meio do funcionalismo, do turismo e do comércio: com a bebida, o fumo, a prostituição e as doenças importadas. Os Tapirapé: lavradores, mansos e sensíveis; mui comunitários e de uma delicada hospitalidade.
Pedro Casaldáliga. Carta Pastoral de 1971.
Considerada um dos santuários ecológicos mais importantes do país, por encontrar-se na faixa de transição entre a floresta amazônica e o cerrado, abriga fauna e flora de grande diversidade.
A ilha do Bananal é a ilha fluvial maior do mundo e abrange as fronteiras entre os estados de Tocantins, Pará, Mato Grosso e Goiás
As aldeias de Santa Isabel do Morro (Hãwalò) e Fontoura (Btõiry), localizadas na margem ocidental da ilha do Bananal, banhada pelo rio Araguaia, na divisa com o estado de Mato Grosso, são as de assentamentos mais antigos e as maiores comunidades karajá, atualmente com cerca de 680 e 650 habitantes respectivamente.
Outras aldeias tradicionais são as de Krehãwa (São Domingos), Itxala, Macaúba, Buridina (Aruanã), Mirindiba e Maranduba. De assentamento mais recente, e menores, temos as aldeias de Wataù, Hãwalora, Ibutuna, Nova Tytema, JK, Teribrè, Awixe e Wrebia.
Para conhecer mais sobre o Povo Iny-Karajá e os outros povos indígenas do Brasil, pode visitar o site Povos Indígenas do Brasil, AQUÍ.
Uma pequena contribuição
Atendendo a uma solicitação de profissionais da saúde que trabalham no posto de saúde da aldeia Santa Isabel, a Fundação tem facilitado a aquisição de 2.000 pastas plásticas onde poderão ser guardadas as fichas pessoais e o histórico médico de cada um dos pacientes da aldeia.
Situação em que se encontra a documentação clínica da comunidade de Santa Isabel.
Obviamente se trata de uma mínima contribuição com o humilde intuito de proteger, pelo menos, as histórias médicas dos moradores. No entanto, as necessidades são logicamente muito maiores e demandam da ajuda de todos e todas e, sobretudo, do compromisso do Poder Público Federal com os Povos Indígenas.
Vejam a situação em que se encontra o Posto de Saúde do Povo Karajá de Santa Isabel:
A cidade da Catalunha onde Pedro Casaldáliga nasceu mergulha no seu legado com um projeto escolar e uma matiné para recordar a luta do bispo e encorajar as pessoas a seguir o seu testemunho.
Desta vez, a Fundação Pedro Casaldáliga e as organizações sociais e educativas da cidade organizaram dois eventos populares para aproximar a figura do bispo dos cidadãos e para aprender mais sobre o seu trabalho na América Latina.
Uma actividade escolar para aprofundar o conhecimento do trabalho específico de Casaldáliga
Na sexta-feira 3 de dezembro, a Escola Guillem organizou uma palestra da brasileira Zilda Martins, colaboradora da Fundação Pedro Casaldáliga, nascida no Araguaia e responsável pelo Arquivo do Bispo entre 2014 e 2017.
Os alunos e as alunas da Escola Guillem de Balsareny mergulham na figura e no legado do Bispo Pedro Casaldáliga.
As crianças da 4ª ESO estiveram muito ativas e interessadas, fazendo muitas perguntas e querendo saber muitas coisas sobre a vida do bispo e da região onde ele viveu durante mais de 50 anos.
Zilda explicou como era Pedro Casaldáliga, como ele agiu diante das dificuldades e o que fazia diariamente. Conseguiu também aproximar os estudantes da realidade de São Félix do Araguaia, sensibilizando-os para as dificuldades em termos de educação e saúde que ainda existem naquela região da Amazônia.
As crianças da 4ª ESO estiveram muito ativas e interessadas, fazendo muitas perguntas e querendo saber muitas coisas sobre a vida do bispo e a região onde viveu durante mais de 50 anos.
Uma matinê popular para manter viva a luta de Casaldáliga
Posteriormente, na quarta-feira 8 de Dezembro, dois dias antes da comemoração do Dia Internacional dos Direitos Humanos, mais de 100 pessoas participaram na matinê organizada para recordar a figura do bispo e interpelar à sociedade para a continuidade de suas causas.
Um mural a favor dos direitos humanos foi pintado e depois pendurado na fachada da Igreja da cidade.
As causas de Casaldáliga e o seu legado foram explicados também na palestra conjunta entre o ativista social e jornalista David Fernández e o membro da Fundação Pedro Casaldáliga Raul Vico, que falou sobre a figura do homem que foi e continua a ser um símbolo da luta para combater as desigualdades sociais.
O nome de Pedro Casaldáliga, que morreu em agosto do ano passado, está intrinsecamente ligado à luta pelos direitos humanos. O bispo de Balsareny dedicou a sua vida a trabalhar pelos direitos dos camponeses e dos Povos Indígenas da Amazônia brasileira. A sua cidade natal quis retomar o seu testemunho universal ontem, numa manhã organizada pela Fundação Pedro Casaldáliga, o Círculo Cultural de Balsareny e o Centro Instrutivo e Recreativo, que teve lugar no Casino [Centro Social] da cidade. O dia começou com um café popular, cujas receitas foram doadas aos projetos de solidariedade da Fundação, e todas as crianças que desejaram puderam colorir um mural a favor dos direitos humanos que foi pendurado na torre do sino da igreja.
David Fernández ye Raul Vico em um momento da palestra
Casaldáliga hoje, na véspera da celebração do Dia Mundial dos Direitos Humanos 2021, é a melhor emenda ao mundo injusto do nosso tempo e ao mesmo tempo o melhor antídoto para a pior versão de nós mesmos.
David Fernàndez
O ponto alto da manhã veio com a palestra. Por seu lado, David Fernández, que reconheceu que “nunca conheci Casaldáliga, mas é como se sempre o tivesse conhecido”, definiu-o como “uma referência de que as coisas podem ser feitas de forma diferente“. O activista social garantiu que “Casaldáliga hoje, na véspera da celebração do Dia Mundial dos Direitos Humanos 2021, é a melhor emenda ao mundo injusto do nosso tempo e ao mesmo tempo o melhor antídoto contra a pior versão de nós mesmos”. Na mesma linha, o antigo deputado da CUP acrescentou que “Pedro é hoje, felizmente, o nosso outro mundo possível e a nossa utopia necessária e praticável contra todos os tiranos e ladrões” e apelou ao empenho nas suas causas “que no final são todas as causas do mundo que têm algo a ver com a dignidade humana”.
Os atos foram organizados pela Fundação Pedro Casaldáliga, o Círculo Cultural de Balsareny e o Centro Instructivo e Recreativo, e tiveram lugar no Casino [Centro Social] de Balsareny.
Casaldáliga não foi o bispo dos pobres, foi o bispo da subversão. Ele virou a sociedade do Araguaia, o poder político e a ditadura brasileira de cabeça para baixo e construiu uma nova sociedade.
Raul Vico
Por sua vez, Raul Vico, que conhecia de perto Casaldáliga, com quem trabalhou ativamente em São Félix do Araguaia, contextualizou o trabalho do bispo em defesa dos povos indígenas. Na sua opinião, “ele não era o bispo dos pobres, era o bispo da subversão. O bispo que virou a sociedade do Araguaia, o poder político e a ditadura brasileira de cabeça para baixo e construiu uma nova sociedade”.
Balsareny tem muito mais do que um bispo. Tem uma pessoa à frente do seu tempo.
Raul Vico
Por todas estas razões, o também colaborador da ONG brasileira ANSA disse que “Balsareny tem muito mais do que um bispo. Tem uma pessoa à frente do seu tempo que percebeu com a sua visão profética quais eram as lutas essenciais para nos tornar mais humanos individualmente e como sociedade“. Por esta razão, encorajou os presentes a “olhar com mais profundidade a dimensão da figura do bispo” e “manter limpo o caminho que ele abriu”.
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