por Administrador/a | 13 dez, 2021 | As causas de Pedro Casaldáliga
A cidade da Catalunha onde Pedro Casaldáliga nasceu mergulha no seu legado com um projeto escolar e uma matiné para recordar a luta do bispo e encorajar as pessoas a seguir o seu testemunho.
Desta vez, a Fundação Pedro Casaldáliga e as organizações sociais e educativas da cidade organizaram dois eventos populares para aproximar a figura do bispo dos cidadãos e para aprender mais sobre o seu trabalho na América Latina.
Uma actividade escolar para aprofundar o conhecimento do trabalho específico de Casaldáliga
Na sexta-feira 3 de dezembro, a Escola Guillem organizou uma palestra da brasileira Zilda Martins, colaboradora da Fundação Pedro Casaldáliga, nascida no Araguaia e responsável pelo Arquivo do Bispo entre 2014 e 2017.
Os alunos e as alunas da Escola Guillem de Balsareny mergulham na figura e no legado do Bispo Pedro Casaldáliga.
As crianças da 4ª ESO estiveram muito ativas e interessadas, fazendo muitas perguntas e querendo saber muitas coisas sobre a vida do bispo e da região onde ele viveu durante mais de 50 anos.
Zilda explicou como era Pedro Casaldáliga, como ele agiu diante das dificuldades e o que fazia diariamente. Conseguiu também aproximar os estudantes da realidade de São Félix do Araguaia, sensibilizando-os para as dificuldades em termos de educação e saúde que ainda existem naquela região da Amazônia.
As crianças da 4ª ESO estiveram muito ativas e interessadas, fazendo muitas perguntas e querendo saber muitas coisas sobre a vida do bispo e a região onde viveu durante mais de 50 anos.
Uma matinê popular para manter viva a luta de Casaldáliga
Posteriormente, na quarta-feira 8 de Dezembro, dois dias antes da comemoração do Dia Internacional dos Direitos Humanos, mais de 100 pessoas participaram na matinê organizada para recordar a figura do bispo e interpelar à sociedade para a continuidade de suas causas.
Um mural a favor dos direitos humanos foi pintado e depois pendurado na fachada da Igreja da cidade.
Como explica Queralt Casals, do jornal Regió7, :
As causas de Casaldáliga e o seu legado foram explicados também na palestra conjunta entre o ativista social e jornalista David Fernández e o membro da Fundação Pedro Casaldáliga Raul Vico, que falou sobre a figura do homem que foi e continua a ser um símbolo da luta para combater as desigualdades sociais.
O nome de Pedro Casaldáliga, que morreu em agosto do ano passado, está intrinsecamente ligado à luta pelos direitos humanos. O bispo de Balsareny dedicou a sua vida a trabalhar pelos direitos dos camponeses e dos Povos Indígenas da Amazônia brasileira. A sua cidade natal quis retomar o seu testemunho universal ontem, numa manhã organizada pela Fundação Pedro Casaldáliga, o Círculo Cultural de Balsareny e o Centro Instrutivo e Recreativo, que teve lugar no Casino [Centro Social] da cidade. O dia começou com um café popular, cujas receitas foram doadas aos projetos de solidariedade da Fundação, e todas as crianças que desejaram puderam colorir um mural a favor dos direitos humanos que foi pendurado na torre do sino da igreja.
David Fernández ye Raul Vico em um momento da palestra
Casaldáliga hoje, na véspera da celebração do Dia Mundial dos Direitos Humanos 2021, é a melhor emenda ao mundo injusto do nosso tempo e ao mesmo tempo o melhor antídoto para a pior versão de nós mesmos.
David Fernàndez
O ponto alto da manhã veio com a palestra. Por seu lado, David Fernández, que reconheceu que “nunca conheci Casaldáliga, mas é como se sempre o tivesse conhecido”, definiu-o como “uma referência de que as coisas podem ser feitas de forma diferente“. O activista social garantiu que “Casaldáliga hoje, na véspera da celebração do Dia Mundial dos Direitos Humanos 2021, é a melhor emenda ao mundo injusto do nosso tempo e ao mesmo tempo o melhor antídoto contra a pior versão de nós mesmos”. Na mesma linha, o antigo deputado da CUP acrescentou que “Pedro é hoje, felizmente, o nosso outro mundo possível e a nossa utopia necessária e praticável contra todos os tiranos e ladrões” e apelou ao empenho nas suas causas “que no final são todas as causas do mundo que têm algo a ver com a dignidade humana”.
Os atos foram organizados pela Fundação Pedro Casaldáliga, o Círculo Cultural de Balsareny e o Centro Instructivo e Recreativo, e tiveram lugar no Casino [Centro Social] de Balsareny.
Casaldáliga não foi o bispo dos pobres, foi o bispo da subversão. Ele virou a sociedade do Araguaia, o poder político e a ditadura brasileira de cabeça para baixo e construiu uma nova sociedade.
Raul Vico
Por sua vez, Raul Vico, que conhecia de perto Casaldáliga, com quem trabalhou ativamente em São Félix do Araguaia, contextualizou o trabalho do bispo em defesa dos povos indígenas. Na sua opinião, “ele não era o bispo dos pobres, era o bispo da subversão. O bispo que virou a sociedade do Araguaia, o poder político e a ditadura brasileira de cabeça para baixo e construiu uma nova sociedade”.
Balsareny tem muito mais do que um bispo. Tem uma pessoa à frente do seu tempo.
Raul Vico
Por todas estas razões, o também colaborador da ONG brasileira ANSA disse que “Balsareny tem muito mais do que um bispo. Tem uma pessoa à frente do seu tempo que percebeu com a sua visão profética quais eram as lutas essenciais para nos tornar mais humanos individualmente e como sociedade“. Por esta razão, encorajou os presentes a “olhar com mais profundidade a dimensão da figura do bispo” e “manter limpo o caminho que ele abriu”.
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por Administrador/a | 10 nov, 2021 | As causas de Pedro Casaldáliga
Estas são algumas das atitudes profundas, urgentes e necessárias que emergem de outra visão sistémica, totalmente ecológica, que pode ajudar a salvar a vida e o Planeta. Os congressos ou os ténues compromissos entre países esquecem que é necessária uma mudança de paradigma, uma mudança no esquema de pensamento,…uma mudança profunda no sistema.
1. SUPERAR O AMBIENTALISMO
Em geral, muitas pessoas, empresas, ONGs e até governos estão preocupadas/os com o meio ambiente e a ecologia. São as que costumamos chamar de ambientalistas, comprometidas/os com a preservação do meio ambiente, da natureza, do planeta… Chamamos de “ambientalismo” essa atitude que, felizmente, está crescendo nos últimos anos. Porém, agora é urgente ir além do ambientalismo e passar a uma atitude de “ecologia integral”. Qual é a diferença entre as duas?
Ambientalismo, atitude ecológica incompleta
Os ambientalistas atuam como bombeiros, apagando incêndios: hoje reivindicam que um parque seja declarado “de proteção”, amanhã protestam contra a construção de uma represa, no outro dia contra uma mina e assim por diante. É ótimo que façam isso! Se trata de uma ação essencial, porém não é suficiente e não resolve os problemas; simplesmente cura os sintomas, embrulha os ferimentos, permitindo que o problema principal, a causa mais profunda, continue.
Os Povos Indígenas são um exemplo da mudança de paradigma. Da vida humana que se confunde com a vida do Planeta.
Esse ambientalismo superficial identifica os problemas ecológicos naquilo que impede o funcionamento da “sociedade moderna desenvolvida” (esgotamento ou contaminação dos recursos naturais, desastres, etc). Não questiona o mito do desenvolvimento ilimitado, do crescimento econômico constante…
Mentalmente, o ambientalismo continua dentro do sistema, provém da mesma mentalidade que tem causado os problemas ecológicos. Propõe uma política de soluções que não acabam com o dano, mas simplesmente tratam de aliviar as consequências e, com isso, o prolongam.
A atitude ecológica radical
Outra atitude é ecologia radical, pois vai até a raiz do problema. As várias correntes ecológicas que adotam essa visão “radical” identificam a verdadeira causa do problema no leque de ideias e representações que tem possibilitado a depredação da natureza e levado o mundo ocidental à autodestruição. Esta é a raiz do problema, porque vai até a raiz do sistema que o causou..
Por isso, os ecologistas propõem lutar por uma mudança nas ideias profundas que sustentam nossa civilização e configura a forma de relação com a natureza, relação que levou ao desastre atual e a uma possível catástrofe.
A atitude ecológica radical implica uma crítica aos fundamentos culturais do Ocidente. Questiona fundamentalmente:
a) A primazia absoluta que damos aos critérios econômico-materiais para medir a felicidade e o progresso; a crença na possibilidade de um crescimento constante e ilimitado na economia, em luxos e na população humana, como se não houvesse limites ou não os estivéssemos ultrapassando;
b) A crença de que a tecnologia e o crescimento solucionarão todos os problemas;
c) O absurdo de uma economia que quantifica tudo, exceto os gastos ecológicos e, sobretudo, a ignorância quanto à complexidade da vida, a sacralidade da matéria e a força espiritual do Universo.
Se não erradicarmos a forma de pensar que é a causa da nossa destruição do planeta, as atitudes ambientalistas serão de pouca utilidade, apagando os incêndios causados por esta mentalidade.
A forma tradicional de pensar e o paradigma antiquado, que tem raízes filosóficas e até religiosas, posicionaram-nos historicamente em guerra contra a natureza, contra a biodiversidade, contra os bosques, os rios, a atmosfera, os oceanos.
Somente mudando a forma velha de pensar nos reconciliaremos com o planeta. Se não erradicamos a forma de pensar, razão pela qual estamos destruindo o planeta, as atitudes ambientalistas serão inúteis, apagando incêndios causados por uma mentalidade, deixando que siga em pé a mentalidade velha, causando desastres ecológicos todos os dias.
Incêndio na região do Araguaia provocado para queimar a floresta e “abrir” novas áreas para o gado.
Visão holística
Uma visão nova, não antropocêntrica, mas holística: o ponto de vista agora é a partir do todo (natureza), e não a partir da parte (o ser humano).
E acreditamos na primazia do todo sobre a parte. O ser humano precisa da Natureza para sobreviver. A Natureza se vira sozinha sem o ser humano.
O humanismo clássico postulava que o ser humano era o único portador de valores e significado e que todo o resto era matéria bruta a seu dispor. É uma visão enormemente equivocada, que nos colocou contra a natureza e que precisa ser erradicada.
Somente se abordarmos uma “reconversão ecológica” de nosso estilo de vida, de nossa mentalidade, incluída a espiritualidade, estaremos no rumo do “retorno à Casa Comum”, à Natureza da qual nos exilamos indevidamente em algum mo- mento do passado.
Não se trata somente de “cuidar” do planeta porque é de nosso interesse, ou porque a vida está ameaçada, ou por razões econômicas, nem mesmo para evitar a catástrofe que se aproxima. Todas as razões são válidas, porém elas ainda pertencem ao sistema que causou o problema, e não consertarão a raiz dele.
Somente se abordarmos uma “reconversão ecológica” de nosso estilo de vida, de nossa mentalidade, incluída a espiritualidade, estaremos no rumo do “retorno à Casa Comum”, à Natureza da qual nos exilamos indevidamente em algum mo- mento do passado.
Captar as razões mais profundas, os motivos que vão à raiz e descobrir a ecologia como caminho integral de sabedoria para a própria realização pessoal, social e espiritual significam chegar a descobrir a “ecologia integral”, para viver a comunhão e a harmonia com tudo o que existe e tudo o que somos em plenitude, sabendo-o e saboreando-o, de forma integralmente ecológica, sem recair em atitudes breves, simplesmente ambientalistas, no meio do caminho.
2. ADOTAR UMA NOVA COSMOLOGIA
O mundo que hoje conhecemos é totalmente diferente do mundo em que pensávamos que estávamos. Se somos “seres no mundo”, a ciência transformou-nos, porque nos torna conscientes de que estamos num outro mundo. E este outro mundo não é apenas diferente nas suas dimensões (infinitamente maior no espaço, no tempo), mas também na sua história, e acima de tudo na sua natureza e complexidade. É “outro mundo”. E é por isso, nós, que fazemos parte desta nova visão do mundo, acabamos por ser algo diferente do que pensávamos que éramos..
A partir desta nova visão que a ciência torna possível hoje – pela primeira vez na história da humanidade – é agora necessário “reconverter tudo”., reelaborar e reformular aquilo em que até agora acre- ditávamos – nossa ideia do mundo, do cosmos, da matéria, da vida, de nós mesmos, do espiritual. Tudo é diferente a partir da nova visão.
Temos que nos reinventar, recriar, é hora de reconverter a partir de uma nova visão da ecologia integral.
3. TER UMA NOVA VISÃO DO MUNDO
Até a algumas décadas, e até hoje, aonde ainda não chegou a influência da nova ciência, as pessoas e a sociedade são portadoras da visão tradicional do mundo, que o concebia como um aglomerado de objetos (não comunidade de seres vivos, nem mesmo como um quase organismo vivo).
Durante os últimos séculos, foi inteiramente dominante a divisão cartesiana da realidade em coisas materiais, extensas (físicas, inanimadas, materiais, organizadas mecanicamente) e entidades espirituais, pensantes, com consciência, incorpóreas.
Todo o mundo extenso estaria composto de matéria, essa realidade física compacta, inanimada, passiva, sem vida, estéril por si mesma. Os animais não deixariam de ser máquinas bem organizadas, porém desprovidas de entidade mental ou espiritual.
Tudo seria objeto, todo um mundo de objetos, no que estaríamos decepcionantemente sozinhos, sem ninguém com quem partilhar fora de nós mesmos.
Existe apenas uma árvore genealógica neste Planeta, que agrupa e inclui todos os seres vivos (incluindo os humanos).
Otra visión de la vida
A visão tradicional que temos dos demais seres vivos é de seres inferiores, classificados em espécies e famílias separadas, “criadas” de um modo fixo e estável desde o princípio, independentes, sem parentesco. Hoje, as ciências ecológicas dão uma visão totalmente diferente.
Sem que saibamos ainda se a vida brotou em nosso planeta ou chegou aqui trazida por meteoritos, o que parece certo é que toda a vida do planeta está emparentada. Somente uma, porque é a mesma,, mas evoluída com uma criatividade inimaginável.
A ciência faz ver hoje que não existem famílias vegetais e animais soltas, independentes, que partilham somente aparências externas. Na verdade, todos os seres vivos são membros de uma mesma e única família. Há somente uma árvore genealógica no planeta, que agrupa e inclui todos os seres vivos (humanos, inclusive).
La biosfera
Não é um aglomerado de seres vivos amontoados na superfície do planeta. Mas uma rede de sistemas, e sistemas de sistemas, interdependentes, retroalimentados, que dependem de interações de variáveis sutis que mantêm estáveis os equilíbrios do que depende o bem-estar comum.
Vista aérea del pueblo de São Félix do Araguaia, donde Casaldáliga vivió más de 40 años.
Estamos em um mundo novo
Um olhar para o mundo a partir de uma perspectiva integralmente ecológica dá a visão radicalmente diferente. Tudo é diferente da visão cartesiano-newtoniana pela qual nos considerávamos a bordo de uma rocha esférica enorme, errante pelo espaço, cheia de objetos e coisas (máquinas viventes, como plantas e animais) das que podíamos dispor sem nenhum olhar maldoso, porque afinal eram recursos materiais à nossa disposição. Ao pensar o mundo como cheio de meros objetos, convertíamo-nos em sujeitos desencantados, separados da raiz da Comunidade da Vida.
A visão ecológica integral nos transporta do velho mundo desencantado de objetos-recursos, a uma Terra Viva, vibrante de energia auto-organizadora e autoconscientizada. Não estamos sozinhos, rodeados de meros objetos, de puras coisas sem alma. Com a nova visão, estamos voltando ao nosso verdadeiro lar: uma Terra cheia de Vida e de Misteriosidade, à qual sentimos que pertencemos e, a partir da qual pertencemos ao Universo inteiro.
A visão integralmente ecológica, pelo contrário, oferece um olhar inteiramente diferente: um mundo sem objeto; sou “matéria inerte”, cheia de vazio fecundo e vibrações subatômicas, de energia auto-organizativa, vida inteiramente emparentada, organizada em redes de sistemas encaixados uns dentro dos outros, em um conjunto global vivo. Gaia, nosso lar, a placenta na qual fomos gerados e vivemos.
A visão ecológica integral nos transporta do velho mundo desencantado de objetos-recursos, a uma Terra Viva, vibrante de energia auto-organizadora e autoconscientizada. Não estamos sozinhos, rodeados de meros objetos, de puras coisas sem alma. Com a nova visão, estamos voltando ao nosso verdadeiro lar: uma Terra cheia de Vida e de Misteriosidade, à qual sentimos que pertencemos e, a partir da qual pertencemos ao Universo inteiro.
4. UMA NOVA VISÃO DE NÓS MESMOS
Em uma perspectiva integral, a ecologia afeta a forma de nos entendermos. Há milhares de anos nos vimos como “outra coisa”, algo diferente de tudo o que existe no mundo, seres infinitamente superiores, e por isso com direito ao domínio absoluto sobre tudo o que existe na Terra.
Para compreender e expressar isso, criamos crenças e mitos religiosos com fins de “justificação”: teríamos sido criados por Deus separada- mente, no sexto dia da criação, “à sua imagem e semelhança”; apenas nós. Viemos de cima (de Deus), não de baixo (da Terra); de fora deste mun- do (somos espirituais e imortais), não de dentro. Porém, as modernas ciências cosmológicas veem as coisas de outro modo:
Somos Terra
- Não viemos de fora, mas de dentro: ou seja, viemos da terra. Nosso corpo é feito de átomos, de elementos que não são eternos, com data de fabricação, elaborados pelas estrelas, na explosão das supernovas, que permitiram a aparição – pela primeira vez – do cálcio para nossos ossos, do ferro para nosso sangue, do fósforo para nosso cérebro. Todos os átomos têm bilhões de anos, desde que explodiu a supernova (Tiamat), que deu origem ao sol. Tudo o que aconteceu ao longo de bilhões de anos de evolução da Terra, e que nos fez possíveis, é a própria “história sagrada”, não apenas os 4 mil anos de relatos sagrados das religiões.
- Não viemos de cima, não caímos como um pacote pronto e preparado, mas somos uma espécie emergente, formada por evolução a partir de outras que nos antecederam. Somos primatas, da família dos grandes símios, e somos a espécie que permaneceu das várias do gênero homo que percorreram o itinerário evolutivo de ampliação do encéfalo e cérebro, com o qual atingimos um nível de consciência e autoconsciência único no conjunto da Comunidade da Vida.
- Nossa reflexão, nossa espiritualidade, e talvez a atual secularidade e pós-religiosidade são a evolução da Terra e da Vida além da evolução biológica e genética, além da evolução cultural. É a Terra e a vida que lhe dão alento, que vivem e se expressam em nós e nos transcende.
Questionarmos tudo isso e requestionarmos a velha forma de nos percebermos separados do mundo, superiores a ele, alheios a tudo o que é cósmico e ecológico significa que estamos voltando à nossa casa, ao nosso lar ecológico, de onde nunca deveríamos ter partido. É voltar a pôr os pés na Terra, no solo da Vida.
O Sr. João Carlos coleta sementes de espécies nativas do Cerrado no assentamento Dom Pedro, em São Félix do Araguaia. Ele vive na terra e para a Terra.
Nos ver de forma diferente
A partir do modo integralmente ecológico de observar o mundo, vemo-nos de um modo diferente:
- Não fomos criados em um momento dado, mas somos o resultado da evolução de espécies anteriores. Somos uma espécie emergente.
- Não somos seres celestiais, mas terrestres, telúricos: somos Terra, a própria Terra que culminou conosco sua Aventura evolutiva e a faz mais consciente. Somos Terra, somos como sua própria alma, ela é como nosso corpo. Em nós ela chegou a sentir, refletir e ter responsabilidade.
- Não somos o centro do cosmos, nem da Terra e nem do Universo. O antropocentrismo (ver tudo
a partir da perspectiva dos interesses humanos) foi uma miragem e um erro o qual a Terra, a Comunida-
de da Vida e nós próprios estamos pagando caro.
- Somos a evolução da Terra e da Vida além da evolução biológica e genética. Pertencemos ao Cosmos, ao Universo, à Terra, à Comunidade da Vida. Somos parte do mistério. Acreditamos que estamos separados ou desligados do Cosmos ou somos dele independentes; ser diferentes foi um erro nefasto ainda muito resistente.
5. SENTIR UMA NOVA ESPIRITUALIDADE
A Ecologia Integral é uma forma de observar (paradigma) que incorpora o marco da natureza: considerados parte da natureza, do mundo, da realidade cósmica. Também aquilo que é espiritual e religioso? Sim. Tudo.
Tradicionalmente nem sempre foi assim. Considerava-se que o espiritual era totalmente diferente do mundo material. O espiritual era o não material, o não corpóreo, o não terrestre. Acreditávamos que o espiritual pertencia a outro mundo, o mundo celestial, chamado de sobrenatural. O dualismo era considerado dado, separação radical entre os dois âmbitos.
Mas seria a espiritualidade assim, ou isso foi uma forma de compreendê-la que hoje poderia ser substituída por algo melhor, mais à altura do que sabemos e vemos, que nossos ancestrais não sabiam nem viam: hoje, no tempo da ciência e da ecologia integral, é possível redescobrir a espiritualidade.
Eco-Espiritualidade: experiência espiritual transformadora
A ecoespiritualidade não é um saber intelectual, um conjunto de ideias, mas um saber-sabor cordial, processado com a inteligência ecossensível, com o coração. É uma experiência de admiração extasiada da beleza assombrosa do cosmo percebida como verdadeira epifania do mistério. Experiência contemplativa, transformadora, unitária, regozijante e, ao mesmo tempo, de êxtase, que nos extrai de nós mesmos e nos transporta a um mundo inefável.
A ecoespiritualidade representa, sem dúvida, o retorno à casa, ao nosso oikos, nosso lar, nossa placenta espiritual.
A ecoespiritualidade não é um saber intelectual, um conjunto de ideias, mas um saber-sabor cordial, processado com a inteligência ecossensível, com o coração. É uma experiência de admiração extasiada da beleza assombrosa do cosmo percebida como verdadeira epifania do mistério. Experiência contemplativa, transformadora, unitária, regozijante e, ao mesmo tempo, de êxtase, que nos extrai de nós mesmos e nos transporta a um mundo inefável. Ela produz um sentido de comunhão no dual (não estamos separados do Mistério, que nos arrebata e extasia), e com ele um sentido de pertencimento à Natureza, à Terra, à Vida, ao Universo, ao Todo Misterioso.
Não é preciso nos afastarmos do mundo (ao contrário!) e nem nos submetermos a um processo de iniciação complicado: tudo isso está ao alcance de qualquer um que o realize.
Eco-Espiritualidade e praxis
Ver e sentir de outra forma leva, inevitavelmente, a agir de forma diferente. Olhos que veem, coração que sente e mãos que atuam. Nos sentir pertencentes à Terra nos leva a defendê-la como se fosse o próprio corpo, como a nossa Casa Comum.
Recuperar uma espiritualidade ecocentrada, livre da alienação milenar que fez nos sentirmos mais como filhos do céu do que da Terra, a única esperança para salvar a Vida e o Planeta, porque deixaremos de destruir a Terra apenas quando sentirmos seu caráter sagrado, e nos sintamos integralmente parte de seu Corpo divino.
6. NOS TRANSFORMAR ECOLOGICAMENTE
A cada dia, os meios de comunicação apelam ao “crescimento econômico”, como o único que importa. Crescer na renda econômica, no dinheiro, à custa do que quer que seja. É um discurso hegemônico em nossa sociedade.
Como no conto de Andersen: já tem bastante gente que intui o que é falso, que é precisamente o contrário do que estamos necessitando – não tanto crescer, quanto simplesmente desenvolver-nos, quer dizer, organizar-nos melhor, distribuir mais equitativamente, e deixar de destruir nosso próprio habitat, cuidar de nosso nicho ecológico, romper com hábitos e luxos supérfluos e daninhos. E, sobretudo, mudar o padrão energético atual, que é à base de energias fósseis que envenenam constantemente o ar que respiramos,
Sejamos realistas e digamos a verdade: já estamos na 6a grande extinção, no caminho certo que conduz à grande catástrofe. Outra coisa é que, teoricamente, se poderia parar… Mas a realidade é que levamos uma grande inércia, que nos faz dificílimo parar, e para agravar, não estamos convencidos da necessidade de fazê-lo, nem estamos dispostos a assumir os grandes sacrifícios que teríamos de fazer para conseguir ir freando e, finalmente, determos na estrada até a catástrofe.
Só se mudarmos muito, muitíssimo, e só se o fizéssemos muito rapidamente, poderíamos evitar essa catástrofe, que agora mesmo é o mais provável.
Só se conseguirmos fazer uma reconversão sócio- politico-produtiva descomunal de nossa sociedade,
e uma transformação radical de nosso estilo de vida, de nosso padrão energético e de nosso sistema de produção, poderíamos detê-los.
Só se mudarmos mui- to, muitíssimo, e só se o fizéssemos muito rapidamente, poderíamos evitar essa catástrofe, que agora mesmo é o mais provável. Se não o conseguirmos, ou – o que é pior – se simplesmente não fazemos nada- ainda que seja sem deixar de “falar” no assunto – a catástrofe está garantida. Continuar tendo medo em dizê-lo é um erro. Tenho que dizê-lo.
Os Povos Indígenas “sentem a sacralidade da terra”. Portanto, valorizar e lutar pela preservação da sua cultura e visão do mundo é também um compromisso com a Vida.
7. PRATICARMOS A ECOLOGIA INTEGRAL
Construirmos um novo sistema econômico integralmente funcional à conservação e ao crescimento da vida, e ao Bem Viver da humanidade em harmonia com nossa irmã e Mãe Terra. Eis a grande transformação que urge ser colocada em prática.
Com toda a visão ecológica crítica a que hoje chegamos, é obvio que temos que mudar. Se sabemos que o mundo não é como havíamos imaginado; se nos sentimos de outra maneira; se percebemos que nossa conduta errada nos submeteu a um caminho de autodestruição, é urgente ser coerentes com a nova visão integralmente ecológica.
Abandonar o atual modelo civilizacional, voltado inteiramente ao pós-“crescimento econômico”, contrário ao planeta e ao custo da vida – que já esgotamos e continuamos destruindo, na nova extinção massiva que inauguramos –, e construirmos um novo sistema econômico integralmente funcional à conservação e ao crescimento da vida, e ao Bem Viver da humanidade em harmonia com nossa irmã e Mãe Terra. Eis a grande transformação que urge ser colocada em prática.
Com os novos fundamentos teóricos (a nova Visão que a Ciência permitiu) e com a força interior que nos dá a nova sensibilidade espiritual relaciona- da à natureza, podemos/devemos colocar em marcha novas práticas integradas com a visão integralmente ecológica. Temos que assumi-las com plena convi- cção, em nossa própria vida em primeiro lugar, e tratar de difundi-las militantemente.
Uma mudança radical do sistema energético
Obviamente nos é essencial a energia para viver, e na Terra, e principalmente nos raios do sol, existe mais do que suficiente, abundantemente. O problema é que sem saber disso, construímos nossa civilização sob a energia do carbono, cujo dióxido (CO2) somente muito mais tarde soubemos que envenena a atmosfera e produz o efeito estufa. Já está em curso há tempos, e hoje sabemos que avança perigosa e, sem dúvida nenhuma, esses últimos anos tem sido os mais quentes de que se tem conhecimento.
Não temos tempo de ficar discutindo, é urgente acabar totalmente com a emissão de mais CO2. É preciso reduzir drasticamente o uso dos combustíveis fósseis (petróleo, gasolina, gás, carvão) em favor de energias limpas e renováveis.
Uma mudança de estilo de vida
Muitas pessoas, em diversos lugares, fazem coisas pequenas, em todos os aspectos da vida, que marcarão uma mudança profunda na vida do planeta. Com isso, darão início a uma civilização nova, civilização da austeridade compartilhada e do Bem Viver e em harmonia com a Mãe Terra:
• Viver com austeridade, sem luxos, sem níveis de vida ofensivos para a imensa maioria da população mundial, que vive na pobreza.
• Erradicar o consumismo. Não comprar o que não é indispensável. Não querer sempre “o último modelo”. Zero de gastos inúteis. Não à dieta obsessivamente carnívora. Não às comodidades não essenciais e invertê-las em favor da ecologia.
• Os “5 Rs”: reutilizar, reduzir, recuperar, reciclar, regular.
Trata-se de uma “transformação ecológica” e de uma “revolução cultural”: tudo é diferente, a única saída. O velho estilo de vida se torna “ecocida”: se não nos convertermos, nos suicidamos.
Uma opção pelo decrescimento
Se trata de um assunto polêmico, que tem muitos inimigos, pois esbarra em um dos “dogmas” mais sensíveis do sistema econômico capitalista: o do “crescimento contínuo, ilimitado”
O “decrescimento” é uma correção do estilo de vida hoje urgente para retornar parte do caminho percorrido na autodestruição do planeta. Se trata de um assunto polêmico, que tem muitos inimigos, pois esbarra em um dos “dogmas” mais sensíveis do sistema econômico capitalista: o do “crescimento contínuo, ilimitado”. Mas em um planeta finito, em que já ocupamos muito do que ele precisa para repor nosso consumo, defender um crescimento ilimitado torna-se insustentável.
Continuar reivindicando o crescimento ilimitado para dar a toda população mundial o nível de vida atual dos países desenvolvidos implicaria poder dispor de vários planetas; porém somente temos este. Pretender continuar crescendo desse modo é optar por auto asfixiar-nos.
Precisamos necessariamente:
– depreciar o mito da modernidade do crescimento ilimitado;
– tratar de viver bem com menos;
– não ao crescimento, mas sim ao desenvolvimento em outro nível;
– não à “vida boa”, mas ao Bem Viver/Conviver.
Uma opção pelo decrescimento
Para uma boa prática, duas mudanças são prévias:
• Mudança de pensamento: olhos que não veem, coração que não sente… A pessoa que ainda tem a velha imagem, que ainda está pensando que é um ser celestial que vive no meio de um mundo de meros objetos e animais inferiores, vai depreciá-lo, sem ter consciência das maravilhas que o rodeia no meio da Comunidade da Vida, e sem conhecer os mistérios insondáveis do Cosmos de que somos parte.
Impõe-se a disposição de estudar, ler sobre cosmologia, interessar-se pelo seguimento dos avanços da ciência (em livros e nas páginas especiais dedicadas à ciência nos principais jornais); ter sempre um livro de cabeceira sobre ecologia ou ciência em geral e compartilhar o tema com pessoas e amigos interessados.
• Mudança de espiritualidade: a espiritualidade tradicional olhava apenas o céu dos espíritos, não o mundo natural da Terra, e apenas nos remetia a textos sagrados espirituais. Parecia que uma pessoa era mais espiritual quanto mais se distanciava da Terra. Hoje estamos mudando; já intuímos que o espírito é inerente à matéria, que o mundo não é inimigo da alma e que podemos/devemos nos voltar à Terra como nosso lar espiritual.
Este texto é uma síntese da publicação na Agenda Latinoamericana Mundial 2017
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por Administrador/a | 3 nov, 2021 | As causas de Pedro Casaldáliga
A Fundação Pedro Casaldáliga apresenta a nova edição da Agenda Latino-Americana Mundial em Barcelona. O evento terá lugar na próxima quinta-feira 18 de Novembro às 19h na Casa América Catalunha e poderá ser acompanhado pessoalmente e online:
A apresentação será em catalão e conduzida por Gabriela Serra, activista e membro do Conselho Editorial da Agenda da América Latina em catalão.
Esta nova edição, a 31ª, está dedicada aos movimentos populares e à reflexão sobre a sua função, o seu estado atual e o seu futuro na transformação da sociedade. É por isso que a Agenda Latino-Americana Mundial 2022 se intitula «Organização Popular. Esperança e ação transformadora».
Adquira a edição brasileira da Agenda Latino-Americana 2022
Como tem sido o costume desde que Pedro Casaldáliga e José Maria Vigil lançaram a Agenda em 1992, personalidades proeminentes, intelectuais e activistas oferecem as suas reflexões e análises sobre o tema principal e, nesta edição, a Agenda conta com a participação entre outros de Leonardo Boff, Ivone Gevara, Frei Betto, Juan José Tamayo, Josep Maria Terricabras, Arcadi Oliveres (EPD), Salvador Martí, Jordi Corominas…
Reflexões Qualificadas para uma Mudança Urgente
Como explica a Comissão para a Agenda da América Latina na Catalunha, “a transformação em busca de uma nova sociedade global é, sem dúvida, um dos maiores desafios que a humanidade enfrentou na sua história, se não o maior. O ponto ecológico de não retorno coloca-nos no limiar do abismo em direcção à extinção. Temos que enfrentar o maior desafio como espécie, o desafia de não auto-extingirmos.
Se pensarmos na enorme evolução social, tecnológica, de pensamento, de desenvolvimento, etc., e a contrastarmos com a pegada ecológica desta evolução nos mares, florestas, desertos, atmosfera, fauna, todo o planeta,…o custo da evolução tem sido terrivelmente elevado.
Se também o contrastarmos com o estado actual das nossas sociedades – sociedades egocêntricas, sociedades organizadas por e para o consumismo excessivo, sociedades que desprezam a sua humanidade, sociedades que se esforçam por desumanizar aquilo humano – então o contraste é mesmo até irónico e terrível, uma loucura.
Há muita esperança sendo construída no mundo todo e também, é claro, em nossa Pátria Grande. Muitas dessas vozes pela esperança e a transformação estão representadas nesta nossa Agenda de 2022.
Tendo alertado para esta crise a partir de tantos espaços de luta, por diferentes vozes, ao longo das décadas, é inegável que nem tudo está perdido. De fato, há muita esperança sendo construída no mundo todo e também, é claro, em nossa Pátria Grande. Muitas dessas vozes pela esperança e a transformação estão representadas nesta nossa Agenda de 2022.
O vírus revelou, ainda mais, estas realidades de “evolução humana”, que este ano são apresentadas nos variados e sempre proféticos pensamentos dos nossos escritores, filhos do seu tempo, colocando um foco especial no papel das vozes em conjunto, nos esforços de fraternidade e na importância de unir estes esforços.
As organizações sociais tornam-se o eixo onde giram as ideias de ver, julgar e acima de tudo agir.
É através do trabalho em grupo, em comunidade, que se enxerga a esperança.
Certamente, a pandemia que começou em 2019 está longe de ter terminado e tem exacerbado as injustiças e desigualdades. No entanto, é através do trabalho em grupo, em comunidade, que se pode vislumbrar a maior esperança; com o trabalho de base renovado por ideais e tecnologias, as consciências do povo estão sendo desafiadas pela pandemia e conseqüentemente e com esperança, a história terá que parar e então girar em torno da humanização e do processo de comunhão com a Mãe Terra .
Quebra de paradigmas, trabalho de base, humanização da humanidade são algumas das chaves que os movimentos populares já começaram a colocar em prática.
Há sinais de esperança, embora em algumas realidades pareça que não. Ainda existem esforços titânicos para evitar a hecatombe global e é para lá que nossos esforços devem ser direcionados. A adaptação já começou, é claro que com um esforço enorme de todos, porque a humanidade é assim, mudar e se adaptar é difícil: quebrar paradigmas, trabalhar na base, humanizar a humanidade, são algumas das chaves que os movimentos populares já tem começado a implementar.
Em algumas áreas muito devagar, como nos espaços religiosos ou espirituais, onde as mudanças são realmente mais difíceis (embora as mudanças nos paradigmas da Igreja Católica com o Papa Francisco sejam evidentes). Porém, há grupos que tem muita clareza sobre isso, aqueles que estão construindo novos espaços de diversidade sexual, grupos de apoio e defesa dos migrantes ou aqueles que lutam pela defesa da Pachamama, nossa Mãe Terra. E é a todos esses esforços conjuntos que o mundo latino-americano abre seus espaços neste 2022, sempre em conseqüência de seu tempo e de sua gente.
A Agenda Latino-Americana 2022 apresenta os esforços de muitos grupos, de pensadoras e pensadores, sonhadores e sonhadoras, colunistas, editores e editoras que lutam incansavelmente por essas esperanças que impulsionam as grandes causas, desde o mais local, enfrentando os maiores desafios da espécie humana sem trégua e sem hesitação.”
Fundação Pedro Casaldáliga
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por Administrador/a | 19 out, 2021 | A vida de Pedro Casaldáliga
O Pedro nunca quis ser bispo. Nunca gostou da ideia de fazer parte da ierarquia da igreja. Por isso, a primeira reação dele ao receber a comunicação de sua nomeação episcopal foi dizer “não”. Porque aceitou?
Fazia apenas 3 anos que tinha chegado ao povoado de São Félix do Araguaia, onde aos poucos, estava construindo uma comunidade eclesial fixa. Uma “missão” na Amazônia, ao nordeste do Mato Grosso, na divisa com o Pará e o Tocantins.
Casaldáliga chegou no Araguaia em julho de 1968, acompanhado de Manuel Luzón, os dois da Congregação dos Claretianos. Após uma breve passagem por São Paulo, chegaram na Amazônia depois de uma semana de caminhão.
A tarefa principal de estruturar uma igreja estável na região deparou-se rápidamente com a realidade: uma região de migrantes, vindos de muitas partes do Brasil atraídos pelas “políticas de colonização da Amazônia”.
Aquesta és la primera fotografia que tenim de l’arribada de Casaldàliga i del seu company claretià Manuel Luzón a la regió de l’Araguaia el 1968.
Situada a mais de 1.200Km da capital do Estado, Cuiabá, a escassa presença do Estado condenava seus habitantes a ausência de qualquer serviço de saúde ou educacional. A estrutura fundiária, caracterizada pelas fazendas que chegaram a ter o tamanho de estados determinava uma sociedade rasgada no meio: de um lado, os grandes latifundiários, seus capatazes e seus “capangas”. Do outro, como explicava o próprio Pedro Casaldáliga:
«Camponeses nordestinos, vindos diretamente do Maranhão, do Pará, do Ceará, do Piauí…, ou passando por Goiás. Desbravadores da região, “posseiros”. Povo simples e duro, retirante como por destino numa forçada e desorientada migração anterior, com a rede de dormir nas costas, os muitos filhos, algum cavalo magro, e os quatro “trens” de cozinha carregados numa sacola».
Pedro Casaldáliga
La parella Luiz Gouveia i Eunice Dias de Paula van ser uns dels primers a arribar el 1973. Van viure amb els indígenes de Tapirapé i encara avui hi viuen. Han fet de professors bilingües al poblat indígena, ajudant en la formació dels professors indígenes i, per això, són en molta part responsables del fet que la llengua Tapirapé encara existeixi.
Chegamos a um mundo sem volta. A Missão possuía 150.000 quilômetros quadrados de rios e sertões e florestas, ao noroeste do Mato Grosso, dentro da Amazônia denominada “legal”, entre os rios Araguaia e Xingu, incluindo também a Ilha do Bananal, a maior ilha fluvial do mundo.
Sem outra “base” eclesiástica que a nossa casa, de 4×8, às margens do Araguaia, maravilhoso e turbo, sem saber por onde começar, sem saber quem habitava a região, onde as distâncias de todas as espécies justificavam todas as indecisões.
A única estrada que existia ainda estava se abrindo, vermelha e empoeirada, na selva e nos campos abertos que acabamos de atravessar, e a “onça” materialmente concreta tinha todo o direito de cortar a estrada em frente ao caminhão.
Havia apenas um médico na área, não havia correio, eletricidade, telefone, telégrafo, havia 3 jipes antigos por todo São Felix e eram os únicos carros no local.
Pedro Casaldáliga
Pedro faz o compromisso radical
Em pouco tempo, a problemática da terra, a pobreza e a violência contra peões e posseiros impactaram Casaldáliga e a sua equipe. Nos primeiros anos, enterraram centenares de trabalhadores rurais “muitas vezes sem nome” que tentavam sobreviver naquela terra. Foi lá que decidiram se comprometer radicalmente com o povo.
Mato Grosso foi, ainda é, um terra sem lei. Alguém o classificou como o «Estado curral» do país. Não encontramos nenhuma infraestrutura administrativa, nenhuma organização trabalhista, nenhuma inspeção. O Direito era a lei do mais forte. O dinheiro e o 38. Nascer, morrer, matar, eram os direitos básicos. Verbos conjugados com incrível facilidade.
Pedro Casaldáliga, 1971
A construção de uma igreja organizada e estruturada, começou primeiro com o atendimento das necessidades mais básicas: a saúde e a educação foram a prioridade. Como celebrar missa e administrar os sacramentos sem se comprometer ao mesmo tempo com as necessidades das famílias?
Aos poucos, conseguiram construir uma pequena escola (que, depois, daria luz a um projeto pedagógico que se tornaria referência da educação popular na Amazônia); organizaram um posto de saúde básica; fizeram de enfermeiros e…, nessa ação, se comprometeram a favor dos «posseiros» e se posicionaram contra o latifundio.
Uma igreja que rezava, que celebrava missa e administrava os sacramentos como qualquer outra, mas que se comprometia radicalmente na defesa dos mais pobres: posseiros, peões, ribeirinhos e Povos Indígenas. Nunca houve imposições nem intenção de evangelizar, no sentido antigo, arcaico, colonialista, da palavra.
Uma consagração bem diferente
Em julho de 1971, Casaldáliga recebeu a carta do Vaticano nomeando-o bispo. A resposta dele, de renuncia taxativa ao cargo, estava escrita e iria ser entregue ao Nuncio. Porém, reunidos a equipe pastoral junto ao Bispo Dom Tomás Balduíno, decidiram que Casaldáliga tinha que aceitar.
Era a única chance de dar voz aos sem voz; de fazer com que a situação nas fazendas fosse conhecida; de chamar a atenção internacional sobre uma problemática que o Brasil escondia. Ser uma “autoridade” da Igreja era a única opção para poder denunciar e não ter tantas represalias. A aceitação era obrigada.
Assim sendo, em decisão conjunta, o dia 23 de outubro, depois de uma tentativa de assassinato que falhou por pouco, Pedro Casaldáliga seria ordenado Bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia.
«Ao ar livre, à beira do rio Araguaia», Pedro foi ordenado por Dom Fernando Gomes dos Santos, Arcebispo de Goiânia, Dom Tomás Balduino, bispo da Diocese de Goiás e Dom Juvenal Roriz, bispo de Rubiataba, GO.
Imatge d’un dels moments de l’ordenació episcopal de Casaldàliga. La celebració va ser a l’aire lliure i va assistir-hi tota la gent de São Félix do Araguaia.
Naquela noite de 23 de outubro de 1971, a abóbada celeste, as águas do Araguaia e todos nós que lá estávamos fomos testemunhas de que algo novo acontecia. Um bispo recusava as marcas do poder para mergulhar totalmente na vida do povo.
Antônio Canuto
Agente de Pastoral da Prelazia de São Félix do Araguaia
No cartão-lembrança de sua ordenação, Pedro declarava o bispo que seria:
«Tua mitra será um chapéu de palha sertanejo; o sol e o luar; a chuva e o sereno,
o olhar dos pobres com quem caminhas, e o olhar glorioso de Cristo, o Senhor.
Teu báculo será a verdade do Evangelho e a confiança do teu povo em ti.
O teu anel será a fidelidade à Nova Aliança do Deus Libertador e a fidelidade ao povo desta terra.
Não terás outro escudo que força da Esperança e a Liberdade dos filhos de Deus;
nem usarás outras luvas que o serviço do Amor.»
Targeta original de record que es lliurà als presents a l’Ordenació Episcopal de Casaldàliga, al riu Araguaia, el 23 d’octubre de 1971
A primeira denuncia mundial sobre a situação da Amazônia
no mesmo dia de sua sagração episcopal que publicou o documento que é um “um dos mais importantes da história da luta pela terra no Brasil”.
Mais de 80 páginas com dados estatísticos, referências e análises em que se colocava a gravidade da situação da Amazônia. O documento também apontava nomes de empresas e de responsáveis e relatava casos concretos. O documento de Casaldáliga fez que, pela primeira vez, o Brasil soubesse que havia trabalho escravo, exploração e assassinatos por conflitos de terra.
L’impacte del document de Casaldàliga, ara bisbe, va ressonar a tot Brasil
Na noite do dia em que assinei o documento – era noite de «luar» – saí para ver a grande lua, respirar o ar mais frio e me oferecer ao Senhor. Senti então que, com o documento, eu também poderia ter assinado a minha própria pena de morte; pelo menos, acabava de assinar um desafio.
De fato, alguns dias depois começou a chegar o aviso de um dos maiores proprietários de terras e garimpeiros do Brasil, tantas vezes depois repetido por muitos outros proprietários de terras, vozes eclesiásticas, «amigos»: não era para eu entrar nessas questões porque eles poderiam me acusar de subversivo; de fato, a polícia federal estava nos controlando; o vice-delegado de São Félix era um agente; o fazendeiros iriam me processar; etc.
Pedro Casaldáliga
Não havia volta atrás: a Prelazia de São Félix do Araguaia e o seu recém consagrado Bispo, optava pelos pobres e se colocava contra o latifúndio. Em cada gesto, em cada palavra e em cada documento.
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