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30 de julho, chegamos a um outro mundo

30 de julho, chegamos a um outro mundo

No dia 30 de julho de 1968, Pedro Casaldáliga e Manuel Luzón chegaram a São Félix do Araguaia após mais de uma semana de viagem de caminhão. Seu objetivo era fundar uma missão claretiana na Amazônia, mas acabou sendo a “missão” de suas vidas. Casaldáliga nunca mais voltou à Catalunha e a terra vermelha do Araguaia se tornou sua terra. Este é o seu testemunho.

 

Fragmento do livro “Yo creo en la justicia y la esperanza”, de 1975, que você encontra gratuitamente em espanhol em nosso site, clicando em AQUI

 

No dia 26 de janeiro de 1968, Manuel e eu trocamos os 11 graus abaixo de zero em Madri pelos 38 graus acima de zero no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro. Foi um salto para o vazio do outro mundo. Consegui, enfim, o que eu sonhava, pedia e procurava, com insistência, durante todos os dias da minha vida vocacional: “as Missões”, um clima heroico para viver heroicamente – disse-me então, ingênuo e teimoso e, talvez, fiel.

A Missão tinha 150.000 quilômetros quadrados, de rios e sertões e floresta, no noroeste de Mato Grosso, dentro da chamada Amazônia “legal”, entre os rios Araguaia e Xingu, incluindo também a Illa do Bananal que é o maior rio ilha do mundo. Sem outra “base” eclesiástica que não a nossa casa, 4 por 8, às margens do Araguaia, maravilhosa e turva. Sem sabermos por onde começar, sem sequer saber quem habitava a região, onde distâncias de todo tipo justificavam todas as indecisões.

A única estrada que existia ainda se abria, vermelha e poeirenta, na selva e nos campos abertos que havíamos acabado de atravessar, e a “onça”, materialmente concreta, tinha todo o direito de nos abrir caminho, na frente do caminhão. Não havia médico na área. Não havia correio, luz elétrica, telefone ou telégrafo. Havia 3 jipes velhos em todo o povoado de São Félix e eram os únicos carros no local. A professora mais qualificada era uma negra generosa, com apenas um ano e meio de ensino fundamental, muitas vezes bêbada, que já havia lecionado ali, protegida de onças e índios por homens armados postados na porta da escola de palha.

Una de les primeres imatges de l'arribada de Pere Casaldàliga i Manuel Luzón a l'Araguaia, al juliol de 1968

Uma das primeiras imagens da chegada de Pedro Casaldáliga e Manuel Luzón ao Araguaia, em agosto de 1968

 

A gente viu de perto a presença múltipla e avassaladora de doenças e mortes na região. Verminose, desidratação, malária, hepatite, tétano umbilical, todos os tipos de doenças de pele… Desnutrição, doença crônica.

Em 15 de agosto, eu escrevi no meu diário:

«Talvez aqui precisamos mais do que nunca do diálogo interior em meio a esses silêncios»… «Chegamos à Missão em 30 de julho e já pensei e senti e temi muitas coisas. Dos homens, da natureza, de Deus…»

Nos primeiros meses, Manuel e eu atuamos como enfermeiros, percorrendo cegamente as listas de “contra-indicações”. E pudemos ver de perto a presença múltipla e avassaladora de doenças e mortes na região. Verminose, desidratação, malária, hepatite, tétano umbilical, todos os tipos de doenças de pele… Desnutrição, doença crônica. Na primeira semana de nossa estada em São Félix, quatro crianças morreram e caixas de papelão, como sapatos, foram deixadas na porta de casa a caminho daquele cemitério do rio onde mais tarde teríamos que enterrar tantas crianças – cada família tem três, quatro, filhos falecidos – e tantos anciãos – mortos ou matadas -, muitas vezes sem caixão e até sem nome.

«Eles escutam a gente – escrevi no meu diário – às vezes sorriem, quase sempre ficam em silêncio. Quanta distância têm as minhas palavras de sua alma simples e elementar, endurecida pelo sofrimento e pelo abandono?»

…são pessoas sempre carregadas, que são levadas pela maré da pobreza, da solidão, do crime, próprio ou alheio… (do crime coletivo da injustiça social!)… Gente simples, gente que carrega a cruz. .. Estes são – apesar de tudo o que se pode dizer contra – os pobres do Evangelho”.

Pere Casaldàliga amb els indis Xavante tot just havent arribat a l'Amazònia

Pedro Casaldáliga e Manuel Luzón, com os índios Xavante recém-chegados à Amazônia, agosto de 1968.

 

Foi necessária uma revisão total dos critérios e programas. Por onde começar? O que o povo precisa? O que poderíamos fazer? Como era ser uma Igreja ali? Tínhamos uma igreja feita de barro e uralita, à mercê dos ventos. E muita superstição. E o antigo costume das “desobrigas” ou visitas de cumprimento da Páscoa que os Padres faziam nos campos abertos do Norte e Centro-Oeste, de onde vinham os habitantes da região. Nós mesmos devemos continuar com esses socorros durante o primeiro ano e meio da Missão; para conhecer a terra e a cidade que nos tinha chegado em herança sacerdotal. Ainda não acreditando na eficácia apostólica desses “elogios” em que cento e tantos animais, centenas de pessoas, casamentos em fuga, batizados, confissões, sequestros de meninas, embriaguez, fachadas, tiros…

Nascer, morrer e matar….esses eram os direitos básicos, os verbos conjugados com surpreendente naturalidade.

Foi nessas “desobrigas” que começamos a sentir o problema da terra. Ninguém tinha sua própria terra. Ninguém tinha um futuro garantido. Todo mundo era “posseiro”, emigrante de outras áreas do país já ocupadas pelo latifúndio. Vinham todos do Nordeste, do Norte, com seus 8 ou 10 filhos, procurando as terras “gerais” sem dono, e um dia atravessaram o Araguaia como quem atravessa o Mar Vermelho em busca da Terra Prometida.

Mato Grosso era, ainda é, uma terra sem lei. Alguém o havia classificado como o “estado curral” do país. Não havia infraestrutura administrativa, nem organização trabalhista, nem fiscalização. O direito era a lei do mais forte ou do mais selvagem. O dinheiro e o 38 comandavam a região. Nascer, morrer, matar,…esses eram os direitos básicos, os verbos conjugados com surpreendente naturalidade.

A sede da prefeitura de São Félix fica, ainda hoje, a 700 quilômetros daqui, em Barra do Garças. Às vezes parece que não existimos… O analfabetismo prevaleceu. E a educação dos filhos, como saída para um futuro sonhado diferente do triste destino dos pais, interessava mais ao povo do que o próprio direito à terra e à alimentação. Desde o primeiro momento de nossa chegada, fomos inundados de demandas: íamos ensinar, construir uma escola, organizar um internato, poderíamos até ficar com filhos de estranhos, adotá-los e educá-los… A presença de padres ou irmãs que não abordassem este problema era impensável.

Pedro Casaldáliga, 1975

 

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A educação como Instrumento de Luta e Transformação Social

A educação como Instrumento de Luta e Transformação Social

O mundo vive hoje efeitos devastadores da pandemia causada pela COVID19; Sistema de saúde superlotado de pessoas contaminadas pelo vírus ou buscando tratamento para as sequelas por ele causadas. Prenúncio de uma guerra devastadora, protagonizada pela Rússia e Ucrânia e seus aliados; Cortes nas verbas da saúde, educação e cultura; Terceirização da educação e homogeneização do ensino; Crescimento dos índices de evasão e abandono escolar; Aumento do veneno em nossos pratos, com autorização dos “representantes do povo”; extermínio deliberado de negros pobres e mulheres.

O cenário caótico, de incertezas e de desmonte das conquistas populares, fruto das ações deliberadas do neoliberalismo globalizado, materializado em um complexo de crises (crise política, ambiental, econômica, do sistema de saúde, de educação…), aumenta a marginalização e as incertezas, especialmente, das classes populares.

Frente as incertezas, a sociedade busca alternativas para a mitigação dos seus dilemas. A educação ainda é apontada como uma das estratégias de enfretamento das crises humanitárias, sobretudo, das desigualdades e das injustiças sociais.

«Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo.»

Paulo Freire

Nessa perspectiva, nos reportamos ao pensamento do filósofo Theodor Adorno, ao defender, em 1969, a educação para a emancipação, como única forma de evitar a repetição da barbárie que levou a Auschwitz na Alemanha, na época de Hitler. “Qualquer debate acerca de metas educacionais carece de significado e importância frente a essa meta: que Auschwitz não se repita” (ADORNO, 1995, p. 119)

Em perspectiva semelhante, Paulo Freire, educador brasileiro, propõe a educação como possibilidade emancipatória. Concebe a educação como um ato eminentemente político, que deve ser tomado como a prática da liberdade; Freire idealizou um projeto de educação referenciado na realidade concreta da classe trabalhadora, com o propósito de promover, a partir da leitura crítica do mundo e da palavra, a formação da consciência, ao ponto de homens e mulheres da classe trabalhadora se tornarem sujeitos de suas ações e de sua história. Sobre o papel da educação, dizia Freire (1996, p. 61), “ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo”.

Partindo dos mesmos pressupostos do autor, Pedro Casaldáliga, ao chegar à região do Araguaia, nordeste de Mato Grosso, em 1968, onde predominava o analfabetismo, ausência de políticas públicas de saúde, educação, trabalho e uma intensa concentração de terras, cujas consequências eram/são a exploração da classe trabalhadora e frequentes conflitos pela Reforma Agrária, viu na educação um instrumento de luta e uma possibilidade de libertação da população pobre e marginalizada dos programas sociais.

Para tanto, a educação, na época, foi pensada na perspectiva da educação que “se pauta no diálogo da Pedagogia Crítica, com objetivos políticos de emancipação, de luta por justiça e igualdade social”. (CALDART, 2004, p. 18).

Pegadas da Educação no Araguaia – Educação como Instrumento de Luta e Transformação Social

Uma leitura atenta das pegadas das lutas de resistência em defesa da terra para os trabalhadores da agricultura familiar, em defesa das causas indígenas, da saúde, da educação, travadas no Araguaia, sertão mato-grossense, pode nos trazer elementos importantes para a reinvenção das lutas de agora.

Com a chegada de Pedro Casaladáliga, a região viu nascer um novo jeito de ser Igreja e de fazer Educação. A Igreja, sob a liderança de Casaladáliga, além das questões essencialmente religiosas, assumiu também questões sociais, com o firme propósito de construir mecanismos de emancipação dos pobres e marginalizados – índios, peões e trabalhadores da agricultura familiar da Região de abrangência da Prelazia de São Félix do Araguaia – MT.

A Glocalização da Educação na Região do Araguaia – pela Janela de Casaldáliga

Durante atuou como bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, Casaldáliga sempre apoiou os grandes projetos educacionais na região e se fez presente em todas as Mostras Regionais de Educação do Araguaia. Na ocasião da 5ª Mostra ele fez um pronunciamento muito lúcido e impactante que evidenciou a sua concepção e as configurações da educação forjada no Araguaia. Abordou a educação na perspectiva da Glocalização[1] (termo muito utilizado por ele).

Segundo Casaldáliga, a natureza, a relevância e os efeitos de sentido, produzidos na e a partir da educação no Araguaia, são suficientes para imputar-lhe um caráter de “glocalização”.

Continuou ele: Modestamente, mas também com satisfação histórica, podemos recordar que na nossa região, neste recanto que vai entre o Araguaia e o Xingu, do Pará ao travessão, por conta de certas administrações populares e com a ajuda da prelazia, a glocalização e a educação para a glocalização tem sido uma constante: Na aplicação do método Paulo Freire, em plena ditadura militar ( o que nos custou a repressão conhecida); no famoso ginásio do Araguaia GEA; na atividade constante de pesquisa, arquivo, publicações… Nas iniciativas culturais do Araguaia Pão e Circo, no teatro dos grupos de jovens, em atividades dos grupos de comadres, no estímulo a capoeira e outras manifestações de cultura popular; na própria opção pastoral da prelazia, como pastoral libertadora e em rede de comunidades. Na atividade indigenista, nas atividades da Associação de Educação e Assistência Social Nossa Senhora da Assunção-ANSA; nas bem-sucedidas experiências na formação de professores, em cursos ad hoc, como Inajá, Arara Azul, GerAção, Proformação, Parceladas e esta Mostra Regional de Educação… Na constante abertura às lutas do Brasil e da América Latina em geral, sobretudo da querida Centro América; na vivência da solidariedade, da intersetorialidade, melhor dizendo. Solidariedade que vem, solidariedade que vai. São Félix do Araguaia é uma humilde, mas real referência de Glocalização: Estamos entre o Araguaia e o Xingu, estamos na América Latina, estamos no mundo! (CASALDÁLIGA, 2004, palestra na V Mostra Regional de Educação do Araguaia).

De acordo com Casaldáliga, (op. cit), a educação no Araguaia, “uma real referência de Glocalização”, se faz presente na América Latina e no mundo.

Uma leitura crítica das Pegadas da Educação na região da Prelazia de São Félix do Araguaia, no período que vai de 1970 a 1990, poderá aferir  o potencial e as possiblidades criadas, a partir dos projetos de educação de princípios libertadores – que promove a visibilidade social da classe trabalhadora, que pauta questões da terra, da saúde, do meio ambiente, das diversidades e dos direitos humanos, conforme defenderam Adorno, Paulo Freire e Pedro Casaldáliga. Experiências como essas podem nos dar a chave de leitura para o esperançar, pois, conforme o poeta Thiago de Mello, “É tempo sobretudo de deixar de ser apenas a solitária vanguarda de nós mesmos. /Se trata de ir ao encontro. / (Dura no peito, arde a límpida verdade dos nossos erros. /Se trata de abrir o rumo. /Os que virão, serão povo, e saber serão, lutando”.

[1] Glocalização – referência de que a ação deve ser local e global (nota do editor).

 

Lourdes Jorge e Luiz Paiva
São Félix do Araguaia, MT

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O cristianismo está apenas começando

O cristianismo está apenas começando

Esta frase do padre cristão ortodoxo russo e teólogo Alexander Men (1935-1990), o último padre a ser assassinado pelo KGB soviético, pode confundir aqueles que se lembram de 2000 anos de cristianismo, com seus muitos mártires, santos, catedrais, supremos teólogos e missões evangelizadoras.

Alexander Men não se limita a lamentar os pecados e as feridas de uma Igreja santa e pecadora, nem diz que o cristianismo ainda não existe, mas intui que o cristianismo ainda não desenvolveu todo seu imenso potencial evangélico, teológico e pastoral. Em vez de olhar com nostalgia para um passado cristão que já não existe, devemos ir adiante para evangelizar o mundo secularizado, agnóstico e pós-moderno de hoje.

Vamos tentar desenvolver e concretizar a intuição de Alexander Men:

  • Os leigos, que constituem a grande maioria do Povo de Deus, que receberam o batismo e a unção do Espírito, têm sido marginalizados e passivos em uma Igreja clerical.
  • As mulheres não ocupam, na Igreja patriarcal e machista de hoje, o lugar que o Senhor lhes destinou e que o Evangelho proclama.
  • O Espírito Santo tem sido relegado e esquecido na prática, com o resultado de que o cristianismo, especialmente o latino, é reduzido a doutrinas, leis e ritos, sem uma experiência espiritual ou verdadeira alegria.
  • A identidade cristã não levou suficientemente em conta a presença salvadora do Espírito do Senhor em todas as religiões e culturas, também na ciência moderna e na antropologia.
  • O magistério da Igreja, a teologia e o cuidado pastoral não levaram a sério o fato de que os mistérios do Reino foram revelados aos pequenos e simples e que os pobres são um lugar de revelação.
  • O cristianismo tem sido tardio e tímido na abertura para a ecologia, que oferece imensas perspectivas teológicas, espirituais e práticas.
  • Uma leitura muito literal e fundamentalista da Escritura, do Gênesis ao Apocalipse, gera no povo cristão uma visão da origem e do fim da vida cósmica e pessoal que é incompatível com o pensamento científico e humanista moderno e com o mundo da juventude.

A lista de questões pendentes pode ser muito mais longa e concreta: economia, discriminação social, sexual e étnica, refugiados, armamento, guerra e não-violência, abertura a um ministério ordenado não celibatário, participação da comunidade eclesial na eleição e formação de seus pastores, etc.

Uma sinodalidade eclesial bem compreendida e vivida pode iniciar processos e discernimentos que ajudam o cristianismo “que está apenas começando” a crescer e dar frutos no mundo de hoje. Então o cristianismo, ainda em sua infância, crescerá e dará muitos frutos, como os ramos estreitamente unidos a Jesus, a verdadeira videira (João 15). Alexander Men estava certo.

 

Victor Codina.

[Publicado em catalão no blog de Cristianisme i Justícia. Traduzido por Raul Vico

 

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La causa indígena. Un nuevo modelo de hacer pastoral y política

La causa indígena. Un nuevo modelo de hacer pastoral y política

En el decurso de los años 70, en Brasil y en toda América Latina, comenzó a surgir toda una nueva articulación de prácticas pastorales y políticas, basadas en criterios tales como inserción en la base, conocimiento, contacto, respeto y convivencia con el pueblo en toda su diversidad social y cultural. Frente al terror que cubría casi todo el continente latinoamericano, pequeñas comunidades, casi clandestinas, realizaban este nuevo trabajo, con prácticas concretas desde una visión utópica, releyendo el Evangelio y reinventando la práctica política, o como se decía entonces: “con un oído en el pueblo y el otro en el evangelio”.

En esos grupos participaban cristianos de muchas denominaciones y tradiciones religiosas, pero también militantes de las causas populares que no profesaban fe religiosa, pero que practicaban el respeto a la diversidad y deseaban la práctica colectiva, con un mismo horizonte utópico.

En este contexto surgen las nuevas pastorales de la Iglesia católica, como la Comisión Pastoral de la Tierra (CPT) y el Consejo Indigenista Misionero (CIMI) entre otras. Don Pedro participó en la fundación de ambas entidades, vinculadas a la Conferencia Nacional de los Obispos del Brasil (CNBB) y, a través de ellas, se implica permanente en la situación de los campesinos y de los pueblos indígenas en todo el país, al tiempo que contribuye decisivamente en la definición de sus líneas de trabajo, de apoyo, de solidaridad, de formación y de esfuerzo organizativo para que campesinos y pueblos indígenas puedan afrontar los serios desafíos de aquel momento y luchar por sus derechos.

Pedro Casaldáliga en el Congreso Nacional de la Comisión Pastoral de la Tierra, en 1983

Pedro Casaldáliga en el Congreso Nacional de la Comisión Pastoral de la Tierra, en 1983

Desde un inicio, Don Pedro se convirtió en uno de los principales portavoces de aquel amplio movimiento pastoral y social que se constituía silenciosamente en todo Brasil. Lo ejerció con su radicalidad en la crítica, en el compromiso, en el humanismo que valoraba las instituciones, tanto del Estado como de la Iglesia, en función del servicio a la vida plena de los pueblos, particularmente de los más pobres y, entre éstos, de los pueblos indígenas.

En una entrevista que en 1978 le hizo Teófilo Cabestrero, Don Pedro explícito sus tesis fundamentales sobre la centralidad de los pueblos indígenas en su visión del trabajo pastoral y de compromiso de los cristianos latinoamericanos en aquel momento histórico. Sus formulaciones, dichas de manera simple y profunda, revelaban el rumbo por donde caminaba, en las últimas décadas, la pastoral indigenista, lo mismo que revelaban la nueva visión del papel transformador de los pueblos indígenas en la América Latina.

“Los pueblos indígenas están siendo, en algunas iglesias, una prioridad. Te aseguro que, en mi sensibilidad pastoral, lo son. Porque es la prioridad más evangélica. Por dos motivos. Primero porque son los más pobres, como personas y como pueblo. No digo que sean los menos felices. Como personas y como pueblo tienen sobre sí la sentencia de muerte más inmediata, la muerte más lógica a partir del sistema. Estorban. Sus tierras, su floresta, su casa, su hábitat maravilloso, este lago Tapirapé que estás viendo, son estímulo, pasto, de la codicia de los grandes, de los poderosos, del latifundio, de las famosas carreteras, de la integración nacional, del tristísimo desarrollo (¡maldito sea el desarrollo en estas circunstancias mortíferas!, ¿no?) y del turismo. A causa de esta condena a muerte son los indios la causa más evangélica. Su supervivencia es frecuentemente cuestión de meses; dos, tres meses; una carretera que irrumpe, que pasa, que ataca el organismo indígena que ya se queda sin defensas. O un simple sarampión puede llevarse una aldea entera. Y, en segundo lugar, son también los seres más evangélicos, porque siendo los más pobres, los menores, los más desamparados, son también los más libres de espíritu, los más comunitarios y los que viven más armónicamente con la naturaleza, con la tierra, con el agua, con la luz, con la fauna y con la flora. Serían ellos, en la expresión antiquísima que Ad Gentes actualizó, y que a mí me impresiona mucho, serían ellos ‘las simientes del Verbo’, o, mejor, traduciendo con mayor precisión, ‘el Verbo encarnado’ en estos pueblos. Se percibe realmente lo que aquí está encarnado.

En la medida en que la Iglesia de Brasil y toda la Iglesia del continente sepan y quieran hacer las debidas renuncias y asuman evangélicamente la causa de los indios, ellas serán realmente un revulsivo para toda la Iglesia y para toda la sociedad, y, por eso mismo, una poderosísima fuerza del evangelio. Pero, claro, para asumir más la causa indígena es menester despojarse de todo etnocentrismo pastoral, de todo colonialismo. Despojamiento que ha de ser lúcido, incluso científicamente, y, tal vez, heroico. Si eso implica dejar muchas cosas, pensar de otra manera, renunciar bastante a la propia religión inclusive… No es ya renunciar simplemente a costumbres, a modos de comer y vestir, o de ver y sentir; ni se trata siquiera de renunciar sólo a las filosofías. Es renunciar incluso a la propia religión. No digo a la fe, está claro. Tú me entiendes perfectamente”.

La Misa de la Tierra Sin Males

Las matrices de clase, de valores cristianos y de cultura catalanas de Casaldáliga, todas milenarias, son para él un referente espiritual en aquel momento histórico vivido por los pueblos de América Latina, con su múltiple necesidad de superar el terror de Estado, el desaliento de la miseria social y las prácticas políticas tradicionales, incluso de la izquierda institucional y de las izquierdas más radicales!’

Pedro Casaldáliga escribiendo la Misa de la Tierra Sin Males

Pedro Casaldáliga escribió la Misa de la Tierra sin Males junto a Hamilton Pereira y marcó un antes y un después en la Iglesia brasileña

“El año de 1978 fue considerado en Brasil el “Año de los Mártires de la Causa Indígena”, cuando se celebraban los 350 años de los tres mártires rio-grandenses, Roque González, Afoso Rodríguez y João Castilhos. Ese año el CIMI propuso que no se celebrara sólo la muerte de los tres misioneros jesuitas; se debía celebrar también la muerte de millares de indios, sacrificados por los Imperios cristianos de España y Portugal. Unos y otros, mártires de la causa indígena. La cruz, en medio de todos ellos. Aquéllos, muriendo por amor a Cristo. Éstos, masacrados “en nombre” de Cristo y del Emperador.

… Mártires indefensos por el Reino de Dios hecho Imperio, por el Evangelio hecho decreto de conquista. Víctimas de las masacres que quedaron con nombre glorioso en la mal contada Historia, en la mal vivida Iglesia…”

Proclama Indígena de Don Pedro Casaldáliga.

En esas ruinas históricas y en ese Año de los Mártires de la Causa Indígena nació la idea de la Misa de la Tierra Sin Males.

La Misa habla del pasado, pero también de la actualidad de la opresión a los pueblos indígenas; hace una autocrítica de la práctica misionera, cómplice de ese proceso colonizador, que se puede aplicar también al presente; hace un retrato de la opresión indígena que se aplica también a la realidad actual de los pueblos latinoamericano.

Dato significativo: Don Pedro escribió esa Misa con Pedro Tierra, seudónimo del militante político, ex preso político y ex miembro de una organización de lucha armada de Brasil, Hamilton Pereira da Silva, y con Martín Coplas, argentino de origen indígena, quéchua y aymara.

La Misa de la Tierra Sin Males se celebró por primera vez en la catedral de la Seo, de São Paulo, el día 22 de abril de 1979. Esta misa posibilitó muchas dimensiones, a partir de su dimensión histórica fundamental, de denuncia del proceso colonizador como genocida y etnocida respecto a los pueblos que aquí vivían antes de la llegada de los españoles y de los portugueses: habla del pasado, pero también de la actualidad de la opresión a los pueblos indígenas; hace una autocrítica de la práctica misionera, cómplice de ese proceso colonizador, que se puede aplicar también al presente; hace un retrato de la opresión indígena que se aplica también a la realidad actual de los pueblos latinoamericano. O sea, la Misa de la Tierra Sin Males se refería al pasado, pero también al pasado que seguía presente en la realidad del Brasil y de América Latina.

La elaboración de la celebración de la Misa de la Tierra Sin Males significó ampliar la visión solidaria y evangélica de Don Pedro Casaldáliga en el tiempo y en el espacio: partiendo de los pueblos del Araguaia, sus ojos buscaron mirar y comprometerse, con la palabra, con la denuncia, con la reflexión, con la promesa de la Utopía recuperada, con todos los pueblos indígenas latino-americanos y, por extensión, con todos los pueblos de América Latina en su ansia de libertad.

Inmerso y militante destacado de esa nueva corriente de personas, entidades, grupos, movimientos populares, pastorales, iglesias, pueblos y organizaciones indígenas, con la Misa de la Tierra Sin Males, Don Pedro y sus colaboradores construyen una nueva referencia crítica y autocrítica para el ideario de cristianos y militantes sociales, a partir de la saga de los pueblos indígenas en nuestro continente.

Paulo Maldos. Ex-secretario especial del gabinete de la Presidencia de Lula da Silva

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E Casaldáliga chegou no Araguaia

E Casaldáliga chegou no Araguaia

E então, em janeiro de 1968, Manuel Luzón e eu viemos. Fizemos o curso de quatro meses no CfI (Centro de Treinamento Intercultural). Se Manuel e eu tivéssemos vindo diretamente de Madri para o Mato Grosso, teríamos nos perdido. Nos quatro meses, apesar de estarmos em uma ditadura militar, tivemos muito bons professores e muito boas conversas. Eles nos ajudarem a lermos os jornais nas entrelinhas: que os camponeses estavam sendo massacrados, que os indígenas estavam sendo excluídos…, e que havia muitos brasis; porque se você fica apenas em São Paulo ou em Porto Alegre, talvez na casa de alguns religiosos que têm a comunidade no centro da cidade, no bairro mais “chique”, é difícil entender a situação….

Viemos preparados. Além disso, vieram vários jovens voluntários brasileiros (que sofreram muito conosco) e nos obrigaram a continuar falando português e nos transmitiram a cultura (literatura, música, forma de falar em determinada região…). Acho que foi valioso, porque esta experiência também ajudou a criar o sinal missionário religioso que temos aqui.

Pere Casaldàliga amb els indis Xavante tot just havent arribat a l'Amazònia

Casaldáliga e Luzón com o povo Xavante, um mês após a sua chegada ao Araguaia

Não havia infra-estrutura, saúde, comunicação, educação, não havia praticamente nenhum órgão governamental que pudesse atendê-los. Tivemos até que fazer, e ainda fazemos agora, às vezes, o apostolado da substituição.

Tivemos que viver nesta região, que é a entrada para a Amazônia, chamada Amazônia legal, e tivemos que viver no início da ditadura militar. Cheguei aqui em 1968. Foi o início do latifúndio; foi uma espécie de teste do latifúndio com os incentivos fiscais dados pelo governo: os industriais do sul tomaram uma porção de terra nessas regiões e receberam os chamados incentivos fiscais, foram isentos de muitos impostos, foram autorizados a comprar máquinas no exterior sem impostos. E isso significava tomar uma decisão: com o latifúndio, com a ditadura, ou contra eles, em favor das vítimas do latifúndio, que eram os indígenas, os peões (trabalhadores do próprio latifúndio) e os “posseiros”, aqueles camponeses sem terra que, espontaneamente naquela época, sem organização, sabiam que no Mato Grosso, na Amazônia, havia muita terra sem ninguém nela, e eles vieram. Eles foram verdadeiros “desbravadores”, como dizemos aqui, porque foram eles que sofreram as distâncias, a total falta de infra-estrutura. Quando lançamos aquela primeira Carta Pastoral no dia da minha ordenação, a intitulamos: “Uma Igreja na Amazônia em conflito com grandes latifúndios e marginalização social”. Não havia infra-estrutura, saúde, comunicação, educação, não havia praticamente nenhum órgão governamental que pudesse atendê-los. Tivemos até que fazer o apostolado da substituição, e mesmo agora ainda o fazemos algumas vezes.

E na Igreja estávamos vivendo as consequências do Vaticano II e Medellín, que foi praticamente o nosso Vaticano II. Havia muito Espírito Santo envolvido e lúcido, pessoas abertas, o clima estava bom, apesar de toda a violência.

Viveu-se certo clima de profecia, de inculturação, de superação de barreiras. Mesmo aqui no Brasil, para muitos, falar de comunismo, de marxismo, não era tão assustador, porque até o próprio marxismo aqui na América Latina era vivido de uma forma muito mais popular, muito menos soviético. Mariátegui, marxista peruano, fala da alma matinal, havia muita poesia marxista latino-americana e a causa indígena começou a se destacar, a exigir reconhecimento, o mundo negro também. Esses assuntos emergentes que temos dito em nossas pastorais.

Pedro Casaldáliga – 2007

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