As cerimônias oficiais de despedida de Pedro Casaldáliga ocorrerão em Balsareny, Barcelona, Batatais, Ribeirão Cascalheira e São Félix do Araguaia.
Este era o papel da mulher na diocese de Casaldàliga
Uma Igreja comunitária, sem hierarquias, com plena igualdade e sem etiquetas. Esta é a Igreja que o bispo claretiano, Pedro Casaldáliga promoveu em sua diocese, São Félix do Araguaia. Após sua morte em agosto, muitas vozes têm lembrado seu estilo eclesial e sua disposição. O jornal Alvorada, da Prelazia, publicou cinco breves testemunhas de mulheres que compartilharam a fé e a missão evangélica com o bispo Pedro.
“Pedro nos convidou a criar um modelo circular e inclusivo de Igreja, inserido na vida do povo, em suas lutas e resistências, diante das ameaças e violências do latifúndio e da ausência e omissão do Estado”. É o testemunho de Jeane Bellini, membro da equipe Casaldáliga entre 1983 e 2005.
Bellini explica que desde o início ele propôs “formar equipes mistas de homens e mulheres, leigos, religiosos e sacerdotes, sem hierarquias”. As equipes viviam com o povo e enfrentarvam juntos os desafios. “Aprendemos muito, foi um caminho marcado por momentos fortes de vitórias, mas também por muitas derrotas”, conta.
Uma Igreja – povo de Deus – sem hierarquias
A experiência com o povo juntava-se à experiência religiosa: “Nos inundamos da espiritualidade de Pedro, que permeava tudo o que ele fazia. Celebrávamos tudo: a vida, a morte, a luta, a derrota e a vitória”, diz Bellini.
Ela sublinha o privilégio de, ao longo de 22 anos, “fazer parte da construção de um modelo de Igreja – Povo de Deus, sem hierarquias”. Nunca usaram as etiquetas de leigo, leiga, padre, irmã ou bispo. “Nós nos reconhecíamos pelo nome, não pela categoria. Cada membro da Igreja, da equipe pastoral, assumiu e compartilhou essa missão”.
Essa é também a experiência de Selme de Lima Pontim, que viveu por mais de 20 anos na Prelazia de Casaldáliga: “Durante minha estada em São Félix, eu rezei missa muitas vezes, até mesmo na catedral. Eles nunca me proibiram, ao contrário, sempre me encorajaram a fazê-lo e a me preparar.
De Lima fez um curso no Centro de Estudos Bíblicos, CEBI por correspondência e cursou Teologia do Pluralismo Religioso pela Internet. Ele se lembra de “sentir sempre a alegria de Pedro” assim que ela estava avançando em sua formação. Na missa, ele não só lia o Evangelho, mas também dava algumas homilias, explica.
“Nunca houve nenhuma reunião separada entre padres e freiras para tomar decisões”.
A mãe de Dailir Rodrigues da Silva também era uma mulher ativa na comunidade de Casaldáliga. E Dailir nasceu e viveu na Prelazia de São Félix do Araguaia. Durante seis anos, ela foi agente pastoral. Fez parte dos Conselhos de várias comunidades locais e regionais e também da assembléia geral da Prelazia. “Eram lugares onde todos tinham o mesmo direito: uma voz e um voto”, disse Rodrigues.
A cultura democrática permeava o dia-a-dia das comunidades, sem distinção entre homens e mulheres, leigos ou padres: “Nunca houve um encontro separado entre padres e freiras para tomar decisões sobre a vida da comunidade ou da Prelazia. E lembra: “Tanto o Pedro como os outros tinham o mesmo direito de falar e decidir. Tudo era debatido, refletido ou votado”.
No fundo havia uma responsabilidade conjunta: “Nem o Evangelho nem a partilha da Palavra era responsabilidade exclusiva dos padres, mas uma responsabilidade de toda a comunidade”. E também “as casas das equipes pastorais eram casas da comunidade, não a casa do padre” onde “mulheres e homens eram recebidos e tratados com o mesmo carinho e respeito”.
“Por que as mulheres não podem celebrar missa?”
Tânia Oliveira viveu 20 anos com Casaldáliga. Três desses anos na casa de Pedro. No primeiro ano, com ele e a Irmã Irene. “Sempre me senti respeitada e valorizada como missionária leigo”, diz ela.
Uma vez sua filha, ainda bem nova, de seis ou sete anos de idade, perguntou ao bispo: “Pedro, por que as mulheres não podem celebrar a missa?” Pedro, respondeu, com um largo sorriso: “Gabriella, eu esperava ver isso acontecer”. Acho que não viverei o suficiente para vê-lo, talvez sua mãe o faça, mas tenho esperança de que você sim vai ver isso acontecer”. E acrescentou: “Não há nada que impeça as mulheres de fazer o mesmo que nós padres fazemos e, na verdade, acho que vocês podem fazê-lo muito melhor!”.
Casaldáliga tinha um caráter renovador. Maria Aparecida Rezende, que nasceu e ainda mora no Araguaia, conta que quando tinha 14 ou 15 anos, após sua primeira comunhão, ela começou a ser catequista. “Em uma ocasião, tivemos um encontro de jovens para preparar a missa. Era um dia de festa e tínhamos que organizar a igreja e preparar a missa com Pedro e o Padre Clélio”.
Houve uma discussão porque “os meninos queriam preparar a missa porque eram homens e não queriam limpar a igreja e os bancos”. Em certo momento, Pedro disse ao grupo: “Hoje teremos uma missa feminina. Os rapazes vão limpar a igreja”.
Rezende se lembra com surpresa: “Os meninos fariam ‘trabalho de mulher’?”….Conta que quando contou sobre o acontecido em sua casa, seus irmãos disseram que o pessoal da Prelazia era muito estranho. Mas, a Maria Aparecida tem clareza: “Pedro nos ensinou que fazer comida, lavar pratos e preparar a casa também era um trabalho de homens. O povo do interior, da roça, acharam muito estranho, mas aos poucos se acostumaram”.
Fotografia de Selme Lima Pontim
Read more
Recent Comments