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Entrevista às irmãs de Pedro Casaldáliga
Entrevista às irmãs de Pedro Casaldáliga
Carme e Maria Casaldáliga viram seu irmão Pedro partir para a Amazônia aos 40 anos. Nunca mais voltou para casa. Da Plaça Ricard Viñas nº 10, na cidade de Balsareny, onde a família mora, as irmãs de Pedro Casaldáliga nos contam como têm vivido os mais de 50 anos de vida dedicados à defesa dos mais pobres de seu irmão.
20 de outubro de 2020
A vida de Pedro Casaldáliga
[Entrevista realizada em julho de 2020, poucos dias antes do bispo Pedro falecer]
Pedro Casaldáliga, com 11 anos, ou mesmo antes, tinha clareza que queria ser padre. Como a família acolheu essa decisão de um menino de 11 anos?
Carme: Ele sempre dizia que queria ser padeiro, mas tinha um padre que frequentava o Cortès del Pi (uma casa rural onde moravam primos do Pedro) e contava muitas histórias e também coisas da Guerra Civil e isso fez ele decidir ser padre. Ao entrar no seminário de Vic, logo pediu para ser missionário claretiano. Escreveu uma carta aos nossos pais contando.
Carta do seminário para sua mãe, Montserrat Pla. Imagem: Família Casaldáliga. Seleção: Cercle Cultural de Balsareny.
Como era o Pedro durante sua infância? Parece que já sendo adolescente tinha muita firmeza em suas ideias.
Carme: Ele era brincalhão como as outras crianças daqui, mas ele não gostava de brigas de jeito nenhum. Aqui em casa vinham muitas crianças brincar no telhado porque era grande. Lembro-me dos irmãos do Cal Paquela (Bonet), dos Vilelles … E se havia brigas, ele sempre tentava fazer as pazes.
Excursão de Pedro Casaldáliga (no círculo) e seus amigos de infância. Imagem: Família Casaldáliga. Seleção: Cercle Cultural de Balsareny.
O seu tio Luís, que também era padre, foi assassinado durante a Guerra Civil Espanhola enquanto tentava se esconder. Diz-se que esse fato, somado ao vínculo que o Pedro mantinha com seu tio Luís, o influenciou no modo como enfrentou a vida. Foi isso mesmo?
Carme: Sim, com certeza. O fato do nosso tio Luís ter sido assassinado na guerra, aqui perto, foi decisivo para o Pedro.
Maria: Em casa, nossos pais e a família não queriam falar muito nesse assunto; mas o tio Luís era muito jovem (33 anos) e foi um grande impacto para toda a família.
Quando Pedro Casaldáliga partiu para o Brasil como missionário em 1968, como se despediu de sua família e vocês dele?
Carme e Maria: Ele se despediu de todos e foi visitar parentes de outros lugares. O Luís de Cal Pastisseret o acompanhou. A Mercè de Cal Pastisseret nos contou que estando em Candáliga [a casa rural da família], do alto da escada, ele disse: «Deixe-me olhar com atenção, pois nunca mais verei este lugar.»
Todos pensaram que ele voltaria em pouco tempo, mas ele nunca mais voltou. Só nos encontramos novamente em Roma vinte anos mais tarde.
A Antonia de Ca l’Arnaus e o tio Jaumet de Cal Peret sempre disseram que ele seria bispo. A Antonia usava sempre um anel e dizia que quando ele fosse bispo, aquele anel seria para ele. Eram muito amigos com a Antonia. Foi uma despedida muito familiar. Todos pensaram que ele voltaria logo, mas ele nunca mais voltou. Nos encontramos novamente em Roma vinte anos mais tarde.
Pedro Casaldáliga depois de celebrar a sua primeira missa -como padre- em Balsareny. Imagem: Família Casaldáliga. Seleção: Cercle Cultural de Balsareny.
Uma vez lá, no interior do Mato Grosso, em São Félix do Araguaia, ele realmente foi ciente da complicada situação daquela região. Como ele contava para vocês da situação de lá? Como vocês viveram esses primeiros anos dele no Mato Grosso?
Carme : recebíamos uma carta a cada dois meses ou às vezes demorava mais. Algumas não chegaram. Imediatamente vimos que a situação era muito difícil, pois ele nos contava nas cartas. A gente partilhava as cartas com os demais membros da família e também com os vizinhos. Aquelas cartas eram esperadas por todos!
Maria : Sobretudo quando encontrou tantas crianças mortas: isso ele nos contou logo. Só chegar lá, já deram para ele crianças mortas para sepultar.
A cada cinco anos eles poderiam vir; mas ele não o fez, porque se ele viesse não o deixariam entrar novamente.
Carme : Ele disse: «Tenho que ter muito cuidado agora, porque eles também querem me matar.» Mesmo assim, ele não falava abertamente nas cartas, pois sabia que as mesmas eram lidas pela ditadura. Também chegava informação dos padres que estavam com ele, Pedrito, José Maria, Manuel e de outras pessoas que viviam com ele e vinham nos visitar. Os vizinhos da praça onde moramos, ao verem uma pessoa desconhecida, falavam: «mais uma visita do Padre Pedro», e indicavam para eles a nossa casa. Às vezes eles iam para o Brasil de barco e aproveitavam para levar muitas coisas que precisavam. A cada cinco anos eles poderiam vir; mas o Pedro não veio, porque se ele deixava o Brasil, não o deixariam entrar novamente.
O Pedro sempre dizia que «o bom humor é amigo da esperança». Em muitas entrevistas ele expressa com alegria e cordialidade a sua mensagem de esperança em defesa da justiça, da liberdade, da paz e do amor. Esse jeito brincalão faz parte do DNA Casaldáliga? Ou é uma virtude que se manifestava e se acentuava no Pedro?
Carme : É o seu estilo. Ele sempre estava animado e alegre. O restante de nós não somos tão de brincar. Ele levava a alegria muito dentro.
Maria : Tem outras coisas que sim levava da família: o nosso pai também gostava muito de cinema e se interessava pela cultura. Ele lia o jornal todos os dias. Varias vezes foi ao cinema em Manresa e até ia caminhando para a Biblioteca de Sallent, pois aqui não tinha.
Sabíamos que havia repressão e que havia perigo, mas a notícia da morte de João Bosco nos assustou ainda mais.
O assassinato do mártir João Bosco em 1976, quando foi confundido com o bispo Casaldáliga, além de ter causado indignação e tristeza; fez vocês perceber de uma maneira diferente as ameaças que o Pedro teve que enfrentar?
Maria : Nos primeiros anos já vimos que as cartas eram lidas e por isso ele não colocava o nome de Casaldàliga, pois teriam ficado com elas. Já vimos que havia repressão e que havia perigo, mas quando ficamos sabendo da morte de João Bosco sentimos muito mais medo. Pensávamos muito nisso, mas infelizmente, não podíamos fazer muito…
A vovó sofreu muito com o fato de seu filho não ter voltado e ela estar tão longe. Quando ela já estava muito desorientada, muitas vezes a ouvíamos gritar da sala: “Pedro, Pedro …!
Se passaram 20 anos desde que seu irmão Pedro foi embora de Balsareny e se encontraram por primeira vez em todo esse tempo em Roma. Como foi esse encontro?
Carme: Foi muito emocionante. A gente sempre o levava no pensamento, mas ter a oportunidade de se encontrar novamente com ele… faltaram dias. Além disso, como somos muitos na família, todos queríam estar com ele e falar com ele. Partilhamos muitas lembranças e conversamos muito. Em um restaurante onde almoçamos, nos contou que nunca mais tinha comido berinjela…
Sobrinhas: Fazia muitos anos que não o víamos e algumas de nós nem o conhecíamos: era a primeira vez que o víamos. Foi um reencontro e logo se fez muito próximo, como se tivéssemos nos encontrado recentemente, pelo jeito que ele era e também porque se falava muito dele em casa: a nossa avó falava dele todos os dias.
Pedro Casaldáliga com a mãe, no Natal de 1966. Imagem: Família Casaldáliga. Seleção: Cercle Cultural de Balsareny.
Carme: A mãe pedia para as meninas fazer uma prece: «Santo Antônio do porquinho, ajudai meu pai; Santo Antônio Maria Claret ajudai meu tio». Nós sabíamos que ele queria estar lá no Mato Grosso; sabíamos que era isso que ele gostava e sempre o apoiamos.
Maria: Quando minha mãe estava muito doente e muito confusa, lembro que um dia, vendo uma foto que tínhamos do Pedro, ela começou a dizer: «Esse Pedro, esse Pedro … , que nunca vem nos visitar!»
Sobrinhas: a vovó sofreu muito com o fato de seu filho não ter voltado e ela estar tão longe. Quando ela já estava muito velinha, muitas vezes a ouvíamos chamar ele do quarto: «Pedro, Pedro, …!».
Entrevista feita por Jordi Vilanova e publicada na revista El Sarment em julho de 2020
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