por Administrador/a | 22 jun, 2021 | A vida de Pedro Casaldáliga
A Prefeitura de Barcelona, a Associação Araguaia e a Fundação Pedro Casaldáliga celebram uma homenagem conjunta a Pedro Casaldáliga na cidade de Barcelona. O evento será realizado na próxima segunda-feira, dia 28 de junho.
Apresentado pelos jornalistas Mònica Terribas e Antoni Bassas, contará com a participação dos atores Eduard Fernàndez, Clara Segura e Núria Valls, além da artista catalã-brasileira Priscila Barbosa.
A palavra direta, clara e sempre lúcida de Casaldáliga será a protagonista principal, acompanhada ao piano pelo músico Carles Cases e acochegada por dezenas de testemunhas que trabalharam com ele e que o conheceram profundamente, do mundo todo.
Casaldáliga foi uma das referências mais importantes na luta pela terra e a favor dos Povos Indígenas da Amazônia. Desde sua morte em 8 de agosto e devido à pandemia, as entidades convocadoras não puderam se despedir deste claretiano internacional como gostariam. Portanto, uma vez que as restrições o permitem, e coincidindo com a véspera de São Pedro, este ato de memória será realizado aberto ao público.
Devido à situação atual, haverá ainda limitações de capacidade, mas o evento completo poderá ser acompanhado ao vivo no site da Fundação Pedro Casaldáliga (www.fperecasaldaliga.org), em sua conta no Facebook e no canal YouTube da Prefeitura Municipal de Barcelona.
Em 26 de março de 2021, o plenário da Prefeitura Municipal de Barcelona aprovou por unanimidade a entrega da Medalha de Ouro pelo Mérito Cívico, postumamente, a Pedro Casaldáliga “em reconhecimento à sua luta permanente contra os abusos de poder e a exploração, e pelo seu firme compromisso com a justiça social, a igualdade e a dignidade dos Povos Indígenas”.
Fundação Pedro Casaldáliga
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por Administrador/a | 7 jun, 2021 | A vida de Pedro Casaldáliga
Com maior ou menor lucidez, com uma lógica vital mais ou menos consistente, faz tempo que descobrimos a sociedade como um sistema, dentro da estrutura que nos envolve e nos condiciona, sob a inevitável solicitação da conjuntura diária.
A Igreja, boa conhecedora da eternidade e menos conhecedora da história, durante séculos, muitas vezes, considerou apenas às pessoas ou os indivíduos; ou, ainda mais dicotomicamente, às vezes só considerava as almas…
Sem nunca deixar de enfrentar aquela globalidade estrutural na qual a história humana é forjada e dentro da qual o Reino acontece, devemos agora redescobrir, de forma comprometida, a pessoa, membro da sociedade e protagonista da história e do Reino.
O homem e a mulher são seres estruturados e estruturantes. A história, o sistema e o Reino o fazem, mas, por sua vez, ele faz o sistema, a história e o Reino.
Em nossa América Latina, por exemplo, hoje acordando convulsivamente para a segunda libertação total, dois grandes homens marxistas proclamaram, com suas palavras e com suas vidas – e com sua morte-, a utopia do novo homem, o sonho incontrolável do “homem da manhã” : Ché e Mariátegui. E na revista “Amanecer” de março e abril deste ano de morte e Graça de 1982 acabo de ler um trecho do premiado livro do comandante sandinista, Omar Cabezas, sobre “o olhar do novo homem” e “o novo homem que está na montanha…”. [Casaldáliga se refere à obra disponível AQUI.]
A reflexão e a experiência de uma espiritualidade de libertação na América Latina (no Terceiro Mundo, no mundo em geral, creio sinceramente), deve ter como consideração e exigência básica a utopia necessária do novo homem.
Há dias estou tentando esboçar, para mim mesmo, os traços fundamentais do novo homem. E essa tentativa é o que ofereço agora, como uma contribuição gaguejante ao livro da DEI sobre “Espiritualidade e Libertação na América Latina”.
Nossos teólogos, nossos sociólogos, nossos psicólogos e nossos pastores dirão sua palavra principal, cientificamente. E nossos santos e nossos mártires tornarão realidade – eles já o estão fazendo com uma grande efusão – a face latino-americana do novo homem.
As características do novo homem seriam, em minha opinião:
1. A LUCIDEZ CRÍTICA
Uma atitude de crítica “total” aos supostos valores, mídia, consumo, estruturas, tratados, leis, códigos, conformismo, rotina…
Uma atitude de alerta, impossível de subornar.
A paixão pela verdade.
2. A GRATIDÃO ADMIRADA, DESLUMBRADA
A gratuidade contemplativa, aberta à transcendência e acolhedora do Espírito. A gratuidade da fé, o viver da Graça. Viver em um estado de oração.
A capacidade de ficar maravilhado, de descobrir, de agradecer.
Amanhecer todos os dias.
A humildade e a ternura da infância evangélica.
O maior perdão, sem mesquinhez e sem servidão.
3. A LIBERDADE DESINTERESSADA
Ser pobre para ser livre diante do poder e das seduções.
A livre austeridade daqueles que estão sempre em peregrinação.
Uma morigerada vida de combate.
A liberdade total daqueles que estão dispostos a morrer pelo Reino.
4. A CRIATIVIDADE EM FESTA
A criatividade intuitiva, desinibida, bem humorada, lúdica, artística.
Viver em estado de alegria, de poesia, de ecologia.
A afirmação de autoctonia.
Sem repetições, sem esquemas, sem dependências.
5. A CONFLITIVIDADE ASSUMIDA COMO MILITÂNÇA
A paixão pela justiça, em espírito de luta, pela paz verdadeira.
A teimosia incansável.
A denúncia profética.
A política, como missão e como serviço.
Estar sempre definido, ideologicamente e experiencialmente, do lado dos mais pobres.
A revolução diária.
6. A FRATERNIDADE IGUALITÁRIA
A igualdade fraterna.
O ecumenismo, por cima da raça e da idade e do sexo e do credo.
Conjugar a mais generosa comunhão com a salvaguarda da própria identidade étnica, cultural e pessoal.
A socialização, sem privilégios.
A verdadeira superação econômica e social das classes que existem, para o surgimento de uma única classe humana.
7. O TESTEMUNHO COERENTE
Ser o que se é. Falar o que se acredita. Acreditar no que se prega. Viver o que se proclama. Até as últimas conseqüências e nas minúcias diárias.
A disposição habitual para o testemunho do Martírio.
8. A ESPERANÇA UTÓPICA
Histórica e escatológica. Desde o hoje para o amanhã. A esperança credível das testemunhas e construtores da ressurreição e do Reino.
É sobre utopia, a utopia do Evangelho. O homem novo não vive apenas de pão; ele vive de pão e de utopia.
Apenas os homens novos podem fazer o mundo novo. Penso que estes traços correspondem aos traços do Homem Novo Jesus. Foi assim que Ele viveu utopicamente; foi assim que Ele ensinou em Belém, na Montanha e na Páscoa; foi assim que Seu Espírito, derramado em nós, nos configurou com cuidado.
Publicado no livro “Experiência de Deus e Paixão pelo Povo. Escritos Pastorais”, em 1983.
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por Administrador/a | 2 abr, 2021 | A vida de Pedro Casaldáliga
MARÇO DE 1985
Semana Santa. De noite, imensa, a lua cheia entre as exuberantes árvores de Luciara. E pancadas de chuva e um silêncio assustador. Bancos de peixes sobem o Araguaia e a pesca é feita, nestes dias, como uma brincadeira fácil. Vamos celebrar a Ceia do Senhor.
“Meu presbitério”, disperso, cada padre no meio de suas comunidades, todos longe. Eu, bispo apesar de tudo, com eles, com todo este povo de Deus no sertão. Cristão como todos; querendo ser Bispo de todos eles. Esta é minha herança nesta pátria que o Espírito tem me designado.
Aqui, em Luciara, hoje consagrei os santos óleos. Digamos que onde está o bispo, lá está a sua catedral.
Um moço, já homem, me pergunta em nome de seus companheiros se “faz mal” jogar baralho hoje, em casa, só para matar o tempo, nessa abstinência total de bares, bilhar e música. Com os peixes da abstinência – aqui tão próximos – também se comem hoje, ritualmente, batata-doce e abóbora, banhadas em leite de coco.
A meninada – com as velas e os mosquitos, as poças de lama e a penumbra das ruas – e outros menos jovens também, tumultuam o Via Cruscis da rua.
A Vigília Pascal será às margens do Araguaia. Uma alta fogueira sob a lua íntegra. A água do rio numa bacia karajá e o círio e as velas, a luz de Cristo e sua Eucaristia, a nova Páscoa, a nossa Páscoa. Levei a comunhão para onze doentes, vários deles já no limiar da paz. E amanhã será “aquele dia que o Senhor fez” para sempre.
A solidão e a simplicidade tornam a fé acessível. E a dor do mundo torna a Páscoa apaixonadamente desejável.
Nesta parede nua de nossa casa de missão – as velhas palhas e os morcegos – o Cristo de Dalí, visto do Pai, se lança, oferecido, sobre o mundo. E o mundo é um caos de nuvens, talvez de mar, relato da primeira criação; mas a luz do Crucificado já irrompe nele – lembrança do Dia. Outra luz, talvez a fé, vem do mundo e estende generosamente o braço esquerdo de Cristo em uma sombra sem fim, como o perdão, como a caridade.
Nas margens do Araguaia, abençoamos o novo fogo da Páscoa e a água batismal. A lua nos preside como uma imensa clarabóia. E na procissão de velas e cantos e no pote karajá caminhamos até a igreja para celebrar a Eucaristia da Vigília Maior.
Eu carreguei o círio pascal, para aprender a ser um servo diácono, talvez. De repente, uma ventada apagou o círio e quase todas as velas da procissão. Mas ao meu lado, como um símbolo evangélico, uma menina cotinuou com a sua vela acesa, e devolveu a luz ao bispo e a toda a comunidade.
Pedro Casaldáliga, 1985
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por Administrador/a | 24 mar, 2021 | A vida de Pedro Casaldáliga
Eu deveria estar aí… e estou: de alma inteira. Esta pequena Igreja de São Félix do Araguaia tem você muito presente, irmão. Você está visível no meu quarto, na capela do quintal, em nossa catedral, em muitas comunidades, no Santuário dos Mártires da Caminhada Latinoamericana. Até quando cai uma manga sobre o telhado eu me lembro do sobressalto que você sentia quando caiam as mangas sobre seu retiro do Hospitalito.
No mês de março de 1983 eu escrevia em meu diário:
«Não consigo entender de jeito nenhum, ou até o entendo demais: A fotografia do mártir Monsenhor Romero com João Paulo II, nos cartazes mais do que normais para a visita do Papa, tem sido proibida pela comissão mista Governo-Igreja de El Salvador. A imagem do mártir dói. Ao Governo, perseguidor assassino; e é natural que lhe doa; que doa à certa Igreja… também é natural, tristemente natural.
De todos modos, nós, aqui, neste recanto do Mato Grosso, e muitos cristãos e não cristãos da América e do Mundo, vamos celebrar outra vez, neste mês de março, o martírio de São Romero, bom pastor da América Latina.
A tua imagem nos conforta, nos compromete e nos une; como uma versão entranhável do Bom Pastor Jesus.
Você ressuscitou em seu povo, que não vai permitir mais que o império e as oligarquias continuem a submetê-lo, nem vai se deixar levar pelos revolucionários arrependidos o pelos eclesiásticos espiritualizados.
E agora estamos aí, milhões, de muitas maneiras, celebrando o jubileu do seu testemunho definitivo, aquela homilia de sangue que ninguém fará calar. Você tem poder de convocação, um poder macroecumênico de santo dos católicos e dos evangélicos e até dos ateus. Estamos aí celebrando, reparando, assumindo. Você é muito comprometedor, na linha de Jesus de Nazaré: esse Jesus histórico que tantas vezes se dilui para nós em dogmatizações helenísticas e em espiritualismos sentimentais, o Jesus Pobre solidário com os pobres, o Crucificado com os crucificados da História.
Você tinha razão, e isso queremos celebrar também, com júbilo pascal. Você ressuscitou em seu povo, que não vai permitir mais que o império e as oligarquias continuem a submetê-lo, nem vai se deixar levar pelos revolucionários arrependidos o pelos eclesiásticos espiritualizados. E você ressuscita nesse Povo de milhões de sonhadores e sonhadoras que acreditamos que outro Mundo é possível e que é possível outra Igreja.
Porque do jeito que hoje estão, Romero irmão, nem o Mundo vai e nem vai a Igreja. Continuam as guerras, agora até preventivas; continuam a fome, o desemprego, a violência –do Estado ou da multidão enlouquecida–; continuam as falsas democracias, o falso progresso, os falsos deuses que dominam com o dinheiro e a comunicação, com armas e a política.
Passamos da Segurança Nacional à segurança do capital transnacional, e das ditaduras militares à macro ditadura do império neoliberal.
E continua havendo muita Igreja muda. Passamos da Segurança Nacional à segurança do capital transnacional, e das ditaduras militares à macro ditadura do império neoliberal.
São também os 25 anos da Conferência de Puebla. Aqueles rostos, Romero, que são o próprio rosto de Jesus ‘destazado’, têm se multiplicado em número e em deformação. Aquelas revoluções utópicas –belas e atordoadas como uma adolescência da História– têm sido traídas por uns, desprezadas olimpicamente por outros e continuam sendo saudosas –de outro modo, mais ‘al suave’, com jeito, em maior profundidade pessoal e comunitária– por muitas e muitos dos que estamos aí, com você, pastor do ‘acompanhamento’, companheiro de pranto e de sangue dos pobres da Terra. Como estamos necessitando hoje que você ensine aos pobres a ‘se encorpar’, a fazerem se corpo, em solidariedade, em organização, em teimosa esperança!
Com você, dizia o mestre mártir Ellacuría, “Deus passou por El Salvador”, por todo o nosso Mundo. E o teólogo de fronteira José María Vigil fez de você três rotundas afirmações que são, mais do que verdades para crer, desafios de urgência para assumir:
• «Romero: símbolo máximo da opção pelos pobres e da teologia da libertação.
• Romero: símbolo máximo do conflito da opção pelos pobres com o Estado.
• Romero: símbolo máximo do conflito da opção pelos pobres com a Igreja institucional».
Não é que você deixasse de ser ‘institucional’ e comportado. Sempre me admirou em você a aliança da disciplina com a liberdade, da piedade tradicional com a Teologia da Libertação, da profecia mais ousada com o perdão mais generoso.
Você era um santo se fazendo, em constante processo de conversão. De você tem se repetido com edificação que era você um bispo convertido. Com Deus e com o Povo, sem dicotomias.
Você nos avisa de que «aquele que se compromete com os pobres terá que percorrer o mesmo destino que os pobres: ser desaparecidos, ser torturados, ser capturados, aparecer cadáveres»
Sua homilia do 23 de março de 1980, véspera da oblação total, você a intitulou precisamente assim: «A Igreja a serviço da libertação pessoal, comunitária, transcendente».
Recordamos você tanto porque necessitamos de você, Romero, irmão exemplar.
Você nos anima, você continua a nos pregar a homilia da libertação integral. Você continua gritando «cesse a repressão», a todas as forças repressivas na Sociedade, nas Igrejas, nas Religiões. Você nos avisa de que «aquele que se compromete com os pobres terá que percorrer o mesmo destino que os pobres: ser desaparecidos, ser torturados, ser capturados, aparecer cadáveres», e nos lembra que, comprometendo-nos com as causas dos pobres, não fazemos mais do que «pregar o testemunho subversivo das Bem-aventuranças, que tudo reviram».
Sua memória não é simplesmente saudade nem uma veneração sacralizada que fica no ar do incenso. Queremos que seja, vamos fazer que seja, compromisso militante, pastoral de libertação.
Você confiava –e não vamos defraudar você– que «em quanto houver injustiça haveria cristãos que a denunciassem e que se poriam da parte das vítimas» dessa injustiça.
Seu sangue, irmão, como você pedia é verdadeiramente «semente de liberdade».
Sua memória não é simplesmente saudade nem uma veneração sacralizada que fica no ar do incenso. Queremos que seja, vamos fazer que seja, compromisso militante, pastoral de libertação.
Nosso teólogo, o teólogo dos mártires, Jon Sobrino, resume assim a tarefa evangelizadora e política que, por fidelidade à memória de você, nos demanda hoje o Reino: Enfrentar a realidade com a verdade; analisar a realidade e suas causas; trabalhar pela mudança estrutural; levar a bom termo uma evangelização madura, libertadora, crítica e autocrítica; construir a Igreja como Povo de Deus; dar esperança a esse Povo que tanto sofre…
Esta semana do seu jubileu, em San Salvador, acabará sendo um sínodo popular, um encontro de aspirações e compromissos dentro desse processo conciliar que estamos vivendo, uma grande vigília pascal em torno a você e a tantas testemunhas fieis, conhecidas ou anônimas, mas todas luminosas no Livro da Vida, seguidores e seguidoras até o fim da suprema Testemunha Fiel.
Seguiremos falando, irmão Romero. Todo dia. Você acompanhando-nos da Paz total, pelo caminho árduo e libertador do Evangelho. Tantas vezes nos sentimos como os discípulos de Emaús, defraudados, sem rumo, porque ‘pensávamos que…’
«Estamos outra vez em pé de testemunho», eu dizia a você naquele meu poema. E estamos mesmo. Somos do grande Fórum Social Mundial, com o Evangelho e pelo Reino, indo para outro Mundo possível, para outra Igreja –de Igrejas unidas e libertadoras–, para outra Pátria Grande, Nossa América do Caribe e do Sul e da entranhável América Central; com um Norte outro, irmão também por fim, dês-imperializado.
Estão-nos anunciando a V Conferência Episcopal Latinoamericana, possivelmente para o 2007 e esperamos que seja na América Latina. Você ajude a prepará-la, irmão. Façam celestiais horas extras todos os santos e santas da Nossa América para que essa Conferência seja um Medellín, e atualizado.
Seguiremos falando, irmão Romero. Todo dia. Você acompanhando-nos da Paz total, pelo caminho árduo e libertador do Evangelho. Tantas vezes nos sentimos como os discípulos de Emaús, defraudados, sem rumo, porque ‘pensávamos que…’
A tua carta, Romero, que guardamos em nosso arquivo, timbrada como «relíquia», reza assim:
«… Querido irmão no episcopado:
Com profundo afeto agradeço lhe sua fraternal mensagem pela pena da destruição da nossa emissora.
Sua calorosa adesão alenta consideravelmente a fidelidade à nossa missão de continuarmos sendo expressão das esperanças e angústias dos pobres, alegres por corrermos como Jesus os mesmos riscos, por nos identificarmos com as causas justas dos despossuidos.
Á luz da fé, sinta-me estreitamente unido no afeto, na oração e no triunfo da Ressurreição.
Oscar A. Romero, Arcebispo».
Sua última palavra escrita, e assinada com sangue, não podia ser mais cristã.
Querido São Romero da América, irmão, pastor, testemunha: Você vivia e dava a vida porque acreditava de verdade no «triunfo da Ressurreição». Ajude-nos a crermos de verdade nesse triunfo, para vivermos e darmos a vida como você, com os pobres da Terra, seguindo o Crucificado Ressuscitado Jesus.
Pedro Casaldáliga, 24 março de 2005
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por Administrador/a | 17 mar, 2021 | As causas de Pedro Casaldáliga
Com quase 12 milhões de casos confirmados e mais de 282 mil mortes, o Brasil já é o segundo país do mundo mais afetado pelo Coronavírus. Na Amazônia, são mais de 2,2 milhões de infecções. Quais são as razões desta rápida evolução da COVID-19 no Brasil?
O Brasil é o terceiro país do mundo com mais mortes por Coronavírus, atrás apenas dos Estados Unidos. Embora, obviamente, a incidência do vírus se manifeste principalmente nas cidades mais populosas, o elevado número de casos diagnosticados na Amazônia, com áreas muito isoladas e altas temperaturas, é surpreendente.
Nos últimos 10 dias, mais de 15.000 pessoas morreram no Brasil devido à COVID19.
O mais preocupante, porém, não são apenas os dados absolutos, mas o enorme número de casos que estão sendo registrados diariamente e o fato que as Unidades de Terapia Intensiva estão, em muitos casos, com mais de 90% de ocupação. No Araguaia, o sistema de saúde entrou em colapso e é necessário esperar por uma das 10 vagas da Unidade de Terapia Intensiva que existem no município de Água Boa, responsável de cuidar de uma área do tamanho de toda a Grécia, com 23 municípios.
O que explica essa evolução acima da média mundial?
1. A atitude de seu presidente
Desde o início da pandemia, e imitando outros líderes de extrema direita, o predisente Bolsonaro lançou uma campanha para minimizar a gravidade da COVID-19 e negar as deficiências de sua política de saúde.
Desde que assumiu a presidência do Brasil em 2019, Bolsonaro tem se caracterizado por suas declarações xenófobas e homofóbicas, contra os Povos Indígenas e até a favor da ditadura militar e da tortura.
Ao contrário de quaisquer medidas de isolamento ou confinamento, Bolsonaro está mantendo um discurso baseado no fato de que o Coronavirus é uma “gripezinha” e se posicionando contra governadores e prefeitos que tentaram aplicar algumas medidas de proteção.
Desde que assumiu a presidência do Brasil em 2019, Bolsonaro tem se caracterizado por suas declarações xenófobas e homofóbicas, contra os Povos Indígenas e até a favor da ditadura militar e da tortura. Em seu governo existem mais de 3.000 militares em diversos cargos de responsabilidade, que estão substituíndo técnicos, cientistas e acadêmicos, dizimando a capacidade pública de ação, a coerência e o bom senso.
A relação é clara: toda vez que o Bolsonaro aparece na televisão, no rádio ou nos jornais minimizando a gravidade da COVID19, mais pessoas vão às ruas ignorando as medidas de contenção que prefeitos e governadores estão tentando implementar e que uma boa parte da Sociedade Civil reclama.
2. Um dos países mais desiguais do mundo
A Darlete mora no Assentamento “Dom Pedro”, uma extensa comunidade rural onde vivem 400 famílias, criada graças à luta de Casaldáliga contra um grande latifundiário na década de 1990. Mãe de 7 filhos, sua renda depende exclusivamente do que ele consegue vender na feira quinzenal organizada em São Félix do Araguaia: algumas frutas, verduras e legumes que leva até o mercado em uma viagem de 6 horas na carroceria de um caminhão.
A única ajuda que a família de Darlete recebe são menos de 200 reais por mês do Bolsa Família.
A família de Darlete mora no Assentamento Dom Pedro. Recebem menos de R$200,00 por mês.
Na comunidade onde a Darlete mora, para ir ao médico, ao banco ou aos correios, é preciso viajar 3 horas por uma estrada de terra que virá lama na época das chuvas. Assim como ela, as outras 400 famílias que moram no Assentamento Dom Pedro também não têm água encanada ou rede de esgoto. A maioria dessas famílias dedica-se à agricultura ou à pecuária de subsistência.
No assentamento onde mora Darlete, o médico aparece uma vez por mês e monta um consultório improvisado, muitas vezes ao ar livre, para cuidar de pacientes da comunidade. Para qualquer intervenção, mesmo que seja ambulatorial, deve-se ir a São Félix do Araguaia, onde há um hospital básico. Se precisar ser internada em Unidade de Terapia Intensiva, a Darlete terá que fazer 10 horas de ônibus.
A situação não é muito melhor nas grandes cidades: no Brasil, 6% da população – mais de 12 milhões de pessoas – vive em “favelas”, comunidades que crescem no entorno ou dentro das grandes cidades do país. Nestas grandes comunidades, por vezes de centenas de milhares de pessoas, a densidade populacional é muito elevada e a renda média não chega aos 100 euros por mês. Também, muitas vezes, não há água encanada, esgoto ou coleta de lixo.
Por isso, tanto no campo quanto nas cidades, no Brasil, ficar em casa é sinônimo de passar fome. Para muitas famílias, sair, ir nas feiras e continuar a fazer o seu trabalho diário é a única opção de sobrevivência.
3. Um sistema de saúde precário
Grande parte do sistema de saúde do Brasil é privado. Além disso, embora seja verdade que nos últimos anos alguns aspectos do setor público de saúde melhoraram, ainda é um sistema muito precário e não atinge grande parte da população. Na prática, no Brasil, a maioria da população não tem aceso a atendimento médico de qualidade.
No Araguaia, apenas um hospital, com um único respirador e sem Unidade de Terapia Intensiva, é responsável por atender uma área equivalente a toda a Catalunha.
No Araguaia, uma das regiões mais distantes e isoladas, um único hospital, com um único respirador, é responsável por cuidar de uma área equivalente a toda a Catalunha e muitas das comunidades onde vivem centenas de famílias é preciso percorrer 3 ou 4 horas de estradas para ir até o médico mais próximo. Os assentamentos onde trabalhamos: Dom Pedro, Mãe Maria, Vida Nova I e Vida Nova II e a Terra Indígena Xavante têm o hospital mais próximo -com equipamento básico- a 4 horas por estrada de terra.
Mas, além disso, as Unidades de Terapia Intensiva estão quase 100% ocupadas em todo o Brasil e no Estado de Mato Grosso, muitas vezes, 100% da ocupação já foi ultrapassada. Há fila para ser atendido de Coronavirus.
Nesse contexto, é evidente o descontrole da doença, e é plausível pensar que existam muitos mais casos do que os números oficiais nos indicam.
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