Gostaria de evocar aqui a memória de Pedro Casaldáliga, tentando esboçar um pouco de sua figura multifacetada, concentrando-se em três características de sua personalidade: seu ser poeta, seu ser profeta e seu ser pastor. Combinando os três -que se iluminam e se alimentam mutuamente- e por meio de uma “fórmula” introdutória, eu diria: Na vida de Pedro, a palavra poética torna-se um anúncio e uma denúncia profética, expressada com total claridade, como sendo a obrigação de quem tem o dever de pastorear um povo cuja dignidade foi espezinhada.
1. Pedro-poeta
Em primeiro lugar, o Pedro-poeta a partir do qual ele se definiu muitas vezes:
“A poesia tem significado e significa muito para mim. Às vezes penso que se eu sou alguma coisa é isso, um poeta. E que mesmo como religioso e como sacerdote e como bispo, sou um poeta. Eu sinto, digo ou faço muitas coisas porque sou poeta. Você sabe que para mim poesia é a palavra emocionada, a realidade intuída e expressada em uma palavra de emoção.”
(T. Cabestrero, Diálogos en Mato Grosso con Pedro Casaldáliga, Salamanca, Sígueme 1978, 175).
Poesia, acrescento, para cantar a beleza sem tentar dissecá-la, e poesia para gritar tanta dor sem banalizá-la.
Pedro-poeta encontrou em seus versos-sem-verso a sua saída e o nosso consolo. Ele descobriu os logos poéticos como uma arma pacífica para se defender e explicar: “Depois do sangue, a palavra é o maior “poder”. Através dela se diz a si mesmo e diz o Universo, o Próximo, o Povo, a Morte, a Vida, Deus, calorosamente” (T. Cabestrero, El sueño de Galilea. Confesiones eclesiales de Pedro Casaldáliga, Madri, Claretianas 1992, 131).
A través de uma palavra poética que nasce dos lábios bem abertos e os punhos bem apertados, Casaldáliga nomeou, resgatou e recriou tudo (natureza, homem, histórias,…) a partir da sua profunda experiência do Mistério -com letra maiúscula- que o transformou em um verdadeiro místico “de olhos abertos” (J.B. Metz), ou seja: aquele que suspeita e descobre Deus onde Ele não parece estar: no cinzento sem sentido e no sofrimento inocente.
Lendo sua poesia, descubro que existe, por um lado, uma necessidade inevitável de nomear o Mistério (em linguagem não dogmática) e, por outro lado, um modesto respeito pelo Último para evitar manipulá-lo e não tentar esgotá-lo ou defini-lo. Para iluminar o primeiro, como testemunha de um Mistério que o envolve, o transborda e o impulsiona a se comunicar, basta lembrar:
“Yo hago versos y creo en Dios.
Mis versos
andan llenos de Dios, como pulmones
llenos del aire vivo”.
Primeiro ele se declara poeta… e depois crente!
A realidade é que Pedro está cheio de Deus. Seus pulmões, suas entranhas, seus desejos estão cheios de Deus e por isso ele precisa compartilhar esta Boa Nova. Falando de si mesmo, ele reconhece:
“Se eu não falasse de Deus e de Jesus seu Filho, sentir-me-ia como um traidor, mudo, morto. Distâncias apostólicas salvas, “o que seria de mim se eu não evangelizar”, o que seria de mim se eu fizesse poesia que não fosse evangélica, que não evangelizasse!”
(T. Cabestrero, El sueño…, 133).
O Mistério deve ser dito porque é uma parte essencial da vida; ele deve ser preservado, gritado e mantido em silêncio:
EL MISTERIO
Os quedaréis sin la vida
si le quitáis el misterio.
Hay que salvar el aroma
de la madera cortada.
La mano de Dios confina
con las murallas del mundo,
con la esperanza del hombre.
Jugarse el tipo, de gracia,
como los niños que juegan.
Servir bajo el día a día.
Crecer contra la evidencia.
Decir siempre una palabra
última de lucha, para
caer luego de rodillas
en silencio.
Silêncio e palavra; palavra e silêncio:
“Derramando palabras,
de mis silencios vengo
y a mis silencios voy.
Y en Tus silencios labras
el grito que sostengo
y el silencio que soy”.
E neste derramar de palavras que procuram nomear o Inamável, o poeta está consciente do risco constante de manipulação em que corremos quando falamos do Totalmente Outro:
“Como podemos deixar você ser apenas você mesmo, / sem reduzi-lo, sem manipulá-lo?”.
Manipulação que muitas vezes anda de mãos dadas com o fato de confundir Deus com nossas experiências e representações, sempre nossas e portanto sempre falíveis, sempre gaguejando, como ele escreve em uma de suas “Antifonas”:
“Direi de ti / minha última palavra / (Sempre penúltima / e sempre minha)”.
Quanto temos para aprender aqueles que temos a possibilidade de falar de Deus: bispos, padres, teólogos, catequistas, pregadores… Serão sempre nossas palavras interpretando o Inefável, pois conhecemos verdadeiramente Deus… mas o conhecemos como conhecemos todas as outras realidades: à maneira humana.
Para concluir esta primeira abordagem, gostaria de citar algumas palavras do próprio Casaldáliga, nas quais ele define sua vocação poética:
“A poesia é a resposta sensibilizada a tudo e a todos, em um encontro que pulsa a alma e compromete as opções. A minha prática poética é “no caminho”: vivendo, tocado por um momento forte, movido por um encontro, por uma leitura, evocando, sonhando com o amanhã, rezando”
(T. Cabestrero, O sonho…, 131).
Uma poesia, eu diria, nascida de um coração peregrino e amoroso, e de pés cansados e descalços, como sugere no poema “Pensa também com os pés”:
PIENSA TAMBIÉN CON LOS PIES
Piensa también
con los pies
sobre el camino
cansado
por tantos pies caminantes.
Piensa también, sobre todo,
con el corazón
abierto
a todos los corazones
que laten igual que el tuyo,
como hermanos,
peregrinos,
heridos también de vida,
heridos quizá de muerte.
Para Casaldáliga, a poesia e a profecia andam de mãos dadas:
“Para mim, todo poeta é um profeta (…). Veja que todo poeta escuta seu povo e o traduz em um grito, um clamor. Que todo poeta dá a seu povo, no momento histórico se for um poeta mais épico, ou a cada membro de seu povo no momento sentimental se for um poeta mais lírico, aquela palavra, aquela pista, aquele clima que os faz vibrar, que os faz viver.”
(T. Cabestrero, Diálogos…, 175-176).
Em primeiro lugar, ouvir e, em segundo lugar, verbalizar, emprestar palavras principalmente para os sem-voz. Poesia que brota da história concreta, de pés enlameados e de um coração comovido. A palavra comprometida nasce de seus lábios:
“Por causa de minha vocação pessoal e ideologia legítima, não acredito na poesia neutra. A pessoa é movida pela raiva diante da injustiça, da miséria e da arrogância. Comovemo-nos com compaixão diante dos pobres, diante do sofrimento humano.”
(T. Cabestrero, El sueño…, 133-134).
É esta santa raiva que leva um homem “no bom sentido da palavra, bom” (A. Machado), a lançar maldições como flechas disparadas contra as injustiças da história, reminiscente dos famosos “infortúnios” – “ai de vocês…” – do outro profeta, o profeta de Nazaré (cf. Mt 23,13 ss.):
TIERRA NUESTRA, LIBERTAD
(…)
¡Malditas sean
las cercas vuestras,
las que os cercan
por dentro,
gordos,
solos,
como cerdos cebados;
cerrando
con su alambre y sus títulos,
fuera de vuestro amor
a los hermanos!
(¡Fuera de sus derechos,
sus hijos
y sus llantos
y sus muertos,
sus brazos y su arroz!)
¡Cerrándoos
fuera de los hermanos
y de Dios!
¡Malditas sean
todas las cercas!
¡Malditas todas las
propiedades privadas
que nos privan
de vivir y de amar!
(…)
Mas toda essa denúncia, que em mais de uma ocasião desmascarou o pecado e o mal no mundo (e na igreja), é sustentada e iluminada por um horizonte firme de esperança:
“A morte continua sendo para mim a coisa mais séria da vida. Isso “me faz Páscoa”. Às vezes eu quase desesperei e perguntei a Deus por que tantas mortes estúpidas, aparentemente sem sentido, mortes por fome, por causa da distância, por não ter um mínimo de infra-estrutura, de cuidados médicos, etc., por tanta injustiça, “mortes morridas”, como dizem aqui, mortes que enlouqueceram. Por outro lado, é claro, a morte é “a Páscoa do Senhor”. Eu tenho fé, tenho esperança… aqui minha esperança afiou, afiou como uma lâmina enquanto eu cortei a carne da morte atual. Eu só posso esperar. Não há outra possibilidade.”
(T. Cabestrero, Diálogos…, 100)
Gostaria de iluminar esta característica de um profeta esperançoso com um dos muitos sonetos que ele escreveu sobre o assunto:
ENTONCES LO VEREMOS COMO ES
Porque lo espero a El, y porque espero
que, al encontrarlo, todos nos veamos
restablecidos por el sol primero
y el corazón seguro de que amamos;
porque no acepto esa mirada fría
y creo en el rescoldo que ella esconde;
porque tu soledad también es mía;
y todo yo soy una herida, donde
alguna sangre mana; y donde espera
un muerto, yo reclamo primavera,
muerto con él ya antes de mi muerte;
porque aprendí a esperar a contramano
de tanta decepción: te juro, hermano,
que espero tanto verLo como verte.
E deixe-me sublinhar apenas três características: o céu, a felicidade última, o destino último do homem, não será apenas ver e abraçar Deus, mas também todos aqueles que nos precederam (de uma forma particular, as vítimas de várias injustiças): “Espero tanto vê-Lo quanto vê-los”.
Em segundo lugar, este compromisso com o abraço ressuscitado é validado na capacidade anterior de morrer com aqueles que morreram antes de seu tempo:
“donde espera
un muerto, yo reclamo primavera,
muerto con él ya antes de mi muerte”,
E, finalmente, o convite que o poeta nos faz para “esperar na contramão / de tanta decepção”, que nos convida a pensar agora, cada um de nós, quais foram e são as decepções -pessoais e institucionais- com as quais e apesar das quais continuamos a acreditar, esperar e amar.…
3. Pedro-Pastor
E a última perspectiva que quero compartilhar neste rápido esboço de um retrato é a de Pedro-pastor, lembrando que ele só aceitou ser consagrado bispo quando se sentiu “fraternalmente pressionado” e convencido por seu próprio povo a aderir a esse ministério de serviço. Nascido poeta, ele foi “feito” bispo, como ele comenta com ironia sutil:
“Para informação dos amigos e sem qualquer discussão possível, é bom registrar a opinião de ninguém menos que o Papa João Paulo II, que também é poeta: “É mais fácil fazer um bom poeta do que fazer um bom bispo”. E ele o disse de mim quando, em sua primeira viagem ao Brasil, eu lhe dediquei aquele poema “João Paulo, Pedro só”. Já se sabe que o poeta nasce, mas, até o momento, os bispos se fazem.”
(T. Cabestrero, El sueño…, 132)
Desde o início, o simbolismo marcou todo o programa de seu ministério pastoral: ele nunca usou um bastão “tradicional”, anel ou mitra, mas um remo, um anel de palmeira (tucum) e um chapéu de palha. Todos esses elementos se referem àquela terra indígena oprimida e incomodam, pois, ainda hoje, são tantos sinais mantidos e que têm muito a ver com o Império Romano de outrora e pouco a ver com uma igreja samaritana. As palavras que ele escreveu no cartão de convite para comemorar sua consagração episcopal são comoventes – e, imagino, desafiadoras para mais de um bispo (23-10-1971):
“Tua mitra será um chapéu de palha sertanejo; o sol e o luar; a chuva e o sereno; o olhar dos pobres com quem caminhas e o olhar gloriosos de Cristo, o Senhor. Teu báculo será a verdade do Evangelho e a confiança do teu povo em ti. Teu anel será a fidelidade à Nova Aliança do Deus Libertador e ao povo desta terra. Não terás outro escudo senão a força da Esperança e a Liberdade dos filhos de Deus, nem usarás outra luva que o serviço do Amor”.
Ele nunca aceitou ser chamado por aqueles títulos que abundam e são tão populares em certos setores eclesiásticos, mas têm tão pouco a ver com o Evangelho: monsenhor, excelência, ilustre, santidade, eminência, etc… Ele pediu para ser chamado “Pedro” ou “Pedrinho”. O fato é que ele nunca deixou de sonhar com outra igreja que – além de ser uma, santa, católica e apostólica – tenha a nudez como sua característica definidora:
Yo, pecador y obispo, me confieso
de soñar con la Iglesia
vestida solamente de Evangelio y sandalias.
Este verso me lembra uma imagem do ano passado, em uma das celebrações fúnebres, onde Pedro descansava com os pés descalços, apenas cobertos com o livro da Palavra. Um símbolo de sua procura pelo Reino na igreja. Uma igreja despojada de superficialidades, de ritos insignificantes e palavras vazias, a fim de concentrar-se no essencial da pobreza:
POBREZA EVANGÉLICA
No tener nada.
No llevar nada.
No poder nada.
No pedir nada.
Y, de pasada,
no matar nada;
no callar nada.
Solamente el Evangelio,
como una faca afilada.
Y el llanto y la risa en la mirada.
Y la mano extendida y apretada.
Y la vida, a caballo, dada. Y
este sol y estos ríos
y esta tierra comprada,
por testigos de la Revolución ya estallada.
¡Y mais nada!
“Sonhar com uma igreja diferente também implica apressar a utopia, incentivando e implementando reformas concretas”. Em um relatório de 1986 – 30 anos antes de o Papa Francisco fazer dele um item prioritário na agenda eclesial -, listando algumas das sombras da Igreja, Pedro denunciou: “A lentidão pseudo-eterna de nossas reformas em cúrias e códigos. Especialista na eternidade, a Igreja frequentemente deixa o Tempo passar…”. (P. Casaldáliga, Al acecho del Reino, Madrid, Nueva Utopía 1989, 179).
E, eu acrescentaria, deixar o tempo passar não é apenas uma questão cronológica, mas uma questão kairológica: “O mal não será / perder o trem da História, / mas perder o Deus vivo / que viaja naquele trem”. E sem certas reformas que não são apenas urgentes, mas impossíveis de adiar mais, será a igreja que verá este trem passar.
Pedro do Araguaia, porque primeiro ele fez com seu exemplo em São Félix, depois teve a coragem de questionar Pedro de Roma, naquele poema duro dedicado a João Paulo II:
“Deja la curia, Pedro,
desmantela el sinedrio y la muralla,
ordena que se cambien todas las filacterias impecables
por palabras de vida, temblorosas”.
Pedro lutou por uma igreja pobre, dos pobres e para os pobres… para que não houvesse mais pobres! Porque ele estava convencido de que o que Deus quer é a igualdade de todos os seus filhos para que eles possam viver em verdadeira e livre fraternidade, como escreveu em um poema irônico intitulado “Igualdade”:
“Si Cristo es
la riqueza
de los pobres,
¿por qué no es
la pobreza
de los ricos,
para ser
la igualdad
de todos?”
E uma observação final para sublinhar a harmonia com a tão falada “igreja em saída”. No poema já citado, dedicado a um predecessor (“Deixe a cúria, Pedro”), ele o exorta -e, nele, a todos os crentes- a se deslocarem em direção às periferias, onde o Povo (sobre)vive, abandonado. Eu cito apenas alguns versos:
Vamos al Huerto de las bananeras,
revestidos de noche, a todo riesgo,
que allí el Maestro suda la sangre de los Pobres.
La túnica inconsútil es esta humilde carne destrozada,
el llanto de los niños sin respuesta,
la memoria bordada de los muertos anónimos.
Legión de mercenarios acosan la frontera de la aurora naciente
y el César los bendice desde su prepotencia.
En la pulcra jofaina Pilatos se abluciona, legalista y cobarde.
El Pueblo es sólo un «resto»,
un resto de Esperanza.
No Lo dejemos sólo entre guardias y príncipes.
Es hora de sudar con Su agonía,
es hora de beber el cáliz de los Pobres
y erguir la Cruz, desnuda de certezas,
y quebrantar la losa—ley y sello— del sepulcro romano,
y amanecer
de Pascua.
Para concluir este rápido e incompleto esboço de sua cativante figura, gostaria de lembrar um pequeno poema que, talvez, possa resumir seu triplo ministério como poeta, profeta e pastor ou, melhor ainda, qual era toda sua vocação: buscar o verdadeiro e sempre inatingível Rosto de Deus para modelar e mudar sua própria vida e, então, oferecê-la como uma “condição de possibilidade” para humanizar um pouco mais a Igreja e o Mundo, desde sua proposta programática de “Humanizar a humanidade praticando a proximidade”:
Para cambiar de vida
hay que cambiar de Dios.
Hay que cambiar de Dios
para cambiar la Iglesia.
Para cambiar el Mundo
hay que cambiar de Dios
Autor: Michael Moore. Tradução: Raul Vico, Fundação Pedro Casaldáliga.
O Povo Iny-Karajá vive há milhares de anos às margens do Rio Araguaia. Porém, como muitos outros povos indígenas no Brasil, enfrentam o desafio de uma vida digna em suas comunidades. O sistema de saúde na maioria das aldeias é precário e, nesta ocasião, temos conseguido um pequeno apoio para preservar os históricos médicos dos pacientes.
Habitantes seculares das margens do rio Araguaia nos estados de Goiás, Tocantins e Mato Grosso, os Karajá têm uma longa convivência com a Sociedade Nacional, o que, no entanto, não os impediu de manter costumes tradicionais do grupo como: a língua nativa, as bonecas de cerâmica, as pescarias familiares, os rituais como a Festa de Aruanã e da Casa Grande (Hetohoky), os enfeites plumários, a cestaria e artesanato em madeira e as pinturas corporais, como os característicos dois círculos na face. Ao mesmo tempo, buscam a convivência temporária nas cidades para adquirir meios de reivindicar seus direitos territoriais, o acesso à saúde, educação bilingüe, entre outros.
Localização e habitantes
Os Karajá são habitantes imemoriais da bacia do rio Araguaia, na ilha do Bananal e cercanias, compreendendo um território que abrange as fronteiras entre os estados de Tocantins, Pará, Mato Grosso e Goiás.
Maior ilha fluvial do planeta, com cerca de vinte mil quilômetros quadrados de extensão, a ilha do Bananal é formada pela bifurcação do rio Araguaia em um braço menor, o rio Javaés, que, depois, cerca de 340 km adiante, volta a se encontrar com o Araguaia, já na divisa entre os estados do Pará e Tocantins.
Os indígenas constituem uma pequena parte dos moradores. Os Xavante: caçadores, fortes, bravos ainda faz poucos anos quando semeavam o terror por estas paragens. Receosos. Bastante nobres. Os Carajá : pescadores, comunicativos, fáceis de amizade, festeiros, artesãos do barro, das penas dos pássaros e da palha das palmas; moles e adoentados, particularmente agredidos pelos contatos prematuros e desonestos com a chamada Civilização, por meio do funcionalismo, do turismo e do comércio: com a bebida, o fumo, a prostituição e as doenças importadas. Os Tapirapé: lavradores, mansos e sensíveis; mui comunitários e de uma delicada hospitalidade.
Pedro Casaldáliga. Carta Pastoral de 1971.
Considerada um dos santuários ecológicos mais importantes do país, por encontrar-se na faixa de transição entre a floresta amazônica e o cerrado, abriga fauna e flora de grande diversidade.
A ilha do Bananal é a ilha fluvial maior do mundo e abrange as fronteiras entre os estados de Tocantins, Pará, Mato Grosso e Goiás
As aldeias de Santa Isabel do Morro (Hãwalò) e Fontoura (Btõiry), localizadas na margem ocidental da ilha do Bananal, banhada pelo rio Araguaia, na divisa com o estado de Mato Grosso, são as de assentamentos mais antigos e as maiores comunidades karajá, atualmente com cerca de 680 e 650 habitantes respectivamente.
Outras aldeias tradicionais são as de Krehãwa (São Domingos), Itxala, Macaúba, Buridina (Aruanã), Mirindiba e Maranduba. De assentamento mais recente, e menores, temos as aldeias de Wataù, Hãwalora, Ibutuna, Nova Tytema, JK, Teribrè, Awixe e Wrebia.
Para conhecer mais sobre o Povo Iny-Karajá e os outros povos indígenas do Brasil, pode visitar o site Povos Indígenas do Brasil, AQUÍ.
Uma pequena contribuição
Atendendo a uma solicitação de profissionais da saúde que trabalham no posto de saúde da aldeia Santa Isabel, a Fundação tem facilitado a aquisição de 2.000 pastas plásticas onde poderão ser guardadas as fichas pessoais e o histórico médico de cada um dos pacientes da aldeia.
Situação em que se encontra a documentação clínica da comunidade de Santa Isabel.
Obviamente se trata de uma mínima contribuição com o humilde intuito de proteger, pelo menos, as histórias médicas dos moradores. No entanto, as necessidades são logicamente muito maiores e demandam da ajuda de todos e todas e, sobretudo, do compromisso do Poder Público Federal com os Povos Indígenas.
Vejam a situação em que se encontra o Posto de Saúde do Povo Karajá de Santa Isabel:
“Celebramos a vida vivida de Pedro Casaldáliga” é a nova iniciativa da Fundação Pedro Casaldáliga para recordar o bispo claretiano. A entidade pretende comemorar anualmente o nascimento de Casaldáliga, em 16 de fevereiro, oferecendo um momento para “pararmos, ouvirmos a sua mensagem e nos deixar desafiar pelo seu compromisso”. Nesta quarta-feira, 94º aniversário do bispo claretiano, a fundação quis “lembrar que ele ainda está muito vivo e muito presente entre nós”.
A homenagem toma a forma de um vídeo que começa com a leitura do poema “Encara avui respiro en català” (Ainda hoje respiro em catalão) do bispo claretiano. Em seguida, os apresentadores Llorenç e Nuria Gómez fazem uma viagem pela vida e pelos pensamentos de Pedro Casaldáliga desde a casa de Cal Lleter (a Casa do Leiteiro) em Balsareny, sua casa natal. “Fazemos isto com o coração cheio de gratidão e de “saudades” por sua vida vivida e doada no meio de Povo”, explicam.
Homenagem ao Bispo Pedro Casaldáliga desde a cidade de Balsareny no 94º aniversário de seu nascimento.
A casa onde Casaldáliga nasceu, vídeos históricos e fotografias se fundem na tela enquanto se lembra da luta do bispo claretiano pela justiça, pela paz e em favor da liberdade. “Queríamos agradecer a Pedro por sua vida vivida. Que suas grandes causas encham nossos corações e nossas vidas de utopia e que seu testemunho e sua luta iluminem nossa caminhada com toda a força e ternura que ele nos deu”, conclui a homenagem.
Estas são algumas das atitudes profundas, urgentes e necessárias que emergem de outra visão sistémica, totalmente ecológica, que pode ajudar a salvar a vida e o Planeta. Os congressos ou os ténues compromissos entre países esquecem que é necessária uma mudança de paradigma, uma mudança no esquema de pensamento,…uma mudança profunda no sistema.
1. SUPERAR O AMBIENTALISMO
Em geral, muitas pessoas, empresas, ONGs e até governos estão preocupadas/os com o meio ambiente e a ecologia. São as que costumamos chamar de ambientalistas, comprometidas/os com a preservação do meio ambiente, da natureza, do planeta… Chamamos de “ambientalismo” essa atitude que, felizmente, está crescendo nos últimos anos. Porém, agora é urgente ir além do ambientalismo e passar a uma atitude de “ecologia integral”. Qual é a diferença entre as duas?
Ambientalismo, atitude ecológica incompleta
Os ambientalistas atuam como bombeiros, apagando incêndios: hoje reivindicam que um parque seja declarado “de proteção”, amanhã protestam contra a construção de uma represa, no outro dia contra uma mina e assim por diante. É ótimo que façam isso! Se trata de uma ação essencial, porém não é suficiente e não resolve os problemas; simplesmente cura os sintomas, embrulha os ferimentos, permitindo que o problema principal, a causa mais profunda, continue.
Os Povos Indígenas são um exemplo da mudança de paradigma. Da vida humana que se confunde com a vida do Planeta.
Esse ambientalismo superficial identifica os problemas ecológicos naquilo que impede o funcionamento da “sociedade moderna desenvolvida” (esgotamento ou contaminação dos recursos naturais, desastres, etc). Não questiona o mito do desenvolvimento ilimitado, do crescimento econômico constante…
Mentalmente, o ambientalismo continua dentro do sistema, provém da mesma mentalidade que tem causado os problemas ecológicos. Propõe uma política de soluções que não acabam com o dano, mas simplesmente tratam de aliviar as consequências e, com isso, o prolongam.
A atitude ecológica radical
Outra atitude é ecologia radical, pois vai até a raiz do problema. As várias correntes ecológicas que adotam essa visão “radical” identificam a verdadeira causa do problema no leque de ideias e representações que tem possibilitado a depredação da natureza e levado o mundo ocidental à autodestruição. Esta é a raiz do problema, porque vai até a raiz do sistema que o causou..
Por isso, os ecologistas propõem lutar por uma mudança nas ideias profundas que sustentam nossa civilização e configura a forma de relação com a natureza, relação que levou ao desastre atual e a uma possível catástrofe.
A atitude ecológica radical implica uma crítica aos fundamentos culturais do Ocidente. Questiona fundamentalmente:
a) A primazia absoluta que damos aos critérios econômico-materiais para medir a felicidade e o progresso; a crença na possibilidade de um crescimento constante e ilimitado na economia, em luxos e na população humana, como se não houvesse limites ou não os estivéssemos ultrapassando;
b) A crença de que a tecnologia e o crescimento solucionarão todos os problemas;
c) O absurdo de uma economia que quantifica tudo, exceto os gastos ecológicos e, sobretudo, a ignorância quanto à complexidade da vida, a sacralidade da matéria e a força espiritual do Universo.
Se não erradicarmos a forma de pensar que é a causa da nossa destruição do planeta, as atitudes ambientalistas serão de pouca utilidade, apagando os incêndios causados por esta mentalidade.
A forma tradicional de pensar e o paradigma antiquado, que tem raízes filosóficas e até religiosas, posicionaram-nos historicamente em guerra contra a natureza, contra a biodiversidade, contra os bosques, os rios, a atmosfera, os oceanos.
Somente mudando a forma velha de pensar nos reconciliaremos com o planeta. Se não erradicamos a forma de pensar, razão pela qual estamos destruindo o planeta, as atitudes ambientalistas serão inúteis, apagando incêndios causados por uma mentalidade, deixando que siga em pé a mentalidade velha, causando desastres ecológicos todos os dias.
Incêndio na região do Araguaia provocado para queimar a floresta e “abrir” novas áreas para o gado.
Visão holística
Uma visão nova, não antropocêntrica, mas holística: o ponto de vista agora é a partir do todo (natureza), e não a partir da parte (o ser humano).
E acreditamos na primazia do todo sobre a parte. O ser humano precisa da Natureza para sobreviver. A Natureza se vira sozinha sem o ser humano.
O humanismo clássico postulava que o ser humano era o único portador de valores e significado e que todo o resto era matéria bruta a seu dispor. É uma visão enormemente equivocada, que nos colocou contra a natureza e que precisa ser erradicada.
Somente se abordarmos uma “reconversão ecológica” de nosso estilo de vida, de nossa mentalidade, incluída a espiritualidade, estaremos no rumo do “retorno à Casa Comum”, à Natureza da qual nos exilamos indevidamente em algum mo- mento do passado.
Não se trata somente de “cuidar” do planeta porque é de nosso interesse, ou porque a vida está ameaçada, ou por razões econômicas, nem mesmo para evitar a catástrofe que se aproxima. Todas as razões são válidas, porém elas ainda pertencem ao sistema que causou o problema, e não consertarão a raiz dele.
Somente se abordarmos uma “reconversão ecológica” de nosso estilo de vida, de nossa mentalidade, incluída a espiritualidade, estaremos no rumo do “retorno à Casa Comum”, à Natureza da qual nos exilamos indevidamente em algum mo- mento do passado.
Captar as razões mais profundas, os motivos que vão à raiz e descobrir a ecologia como caminho integral de sabedoria para a própria realização pessoal, social e espiritual significam chegar a descobrir a “ecologia integral”, para viver a comunhão e a harmonia com tudo o que existe e tudo o que somos em plenitude, sabendo-o e saboreando-o, de forma integralmente ecológica, sem recair em atitudes breves, simplesmente ambientalistas, no meio do caminho.
2. ADOTAR UMA NOVA COSMOLOGIA
O mundo que hoje conhecemos é totalmente diferente do mundo em que pensávamos que estávamos. Se somos “seres no mundo”, a ciência transformou-nos, porque nos torna conscientes de que estamos num outro mundo. E este outro mundo não é apenas diferente nas suas dimensões (infinitamente maior no espaço, no tempo), mas também na sua história, e acima de tudo na sua natureza e complexidade. É “outro mundo”. E é por isso, nós, que fazemos parte desta nova visão do mundo, acabamos por ser algo diferente do que pensávamos que éramos..
A partir desta nova visão que a ciência torna possível hoje – pela primeira vez na história da humanidade – é agora necessário “reconverter tudo”., reelaborar e reformular aquilo em que até agora acre- ditávamos – nossa ideia do mundo, do cosmos, da matéria, da vida, de nós mesmos, do espiritual. Tudo é diferente a partir da nova visão.
Temos que nos reinventar, recriar, é hora de reconverter a partir de uma nova visão da ecologia integral.
3. TER UMA NOVA VISÃO DO MUNDO
Até a algumas décadas, e até hoje, aonde ainda não chegou a influência da nova ciência, as pessoas e a sociedade são portadoras da visão tradicional do mundo, que o concebia como um aglomerado de objetos (não comunidade de seres vivos, nem mesmo como um quase organismo vivo).
Durante os últimos séculos, foi inteiramente dominante a divisão cartesiana da realidade em coisas materiais, extensas (físicas, inanimadas, materiais, organizadas mecanicamente) e entidades espirituais, pensantes, com consciência, incorpóreas.
Todo o mundo extenso estaria composto de matéria, essa realidade física compacta, inanimada, passiva, sem vida, estéril por si mesma. Os animais não deixariam de ser máquinas bem organizadas, porém desprovidas de entidade mental ou espiritual.
Tudo seria objeto, todo um mundo de objetos, no que estaríamos decepcionantemente sozinhos, sem ninguém com quem partilhar fora de nós mesmos.
Existe apenas uma árvore genealógica neste Planeta, que agrupa e inclui todos os seres vivos (incluindo os humanos).
Otra visión de la vida
A visão tradicional que temos dos demais seres vivos é de seres inferiores, classificados em espécies e famílias separadas, “criadas” de um modo fixo e estável desde o princípio, independentes, sem parentesco. Hoje, as ciências ecológicas dão uma visão totalmente diferente.
Sem que saibamos ainda se a vida brotou em nosso planeta ou chegou aqui trazida por meteoritos, o que parece certo é que toda a vida do planeta está emparentada. Somente uma, porque é a mesma,, mas evoluída com uma criatividade inimaginável.
A ciência faz ver hoje que não existem famílias vegetais e animais soltas, independentes, que partilham somente aparências externas. Na verdade, todos os seres vivos são membros de uma mesma e única família. Há somente uma árvore genealógica no planeta, que agrupa e inclui todos os seres vivos (humanos, inclusive).
La biosfera
Não é um aglomerado de seres vivos amontoados na superfície do planeta. Mas uma rede de sistemas, e sistemas de sistemas, interdependentes, retroalimentados, que dependem de interações de variáveis sutis que mantêm estáveis os equilíbrios do que depende o bem-estar comum.
Vista aérea del pueblo de São Félix do Araguaia, donde Casaldáliga vivió más de 40 años.
Estamos em um mundo novo
Um olhar para o mundo a partir de uma perspectiva integralmente ecológica dá a visão radicalmente diferente. Tudo é diferente da visão cartesiano-newtoniana pela qual nos considerávamos a bordo de uma rocha esférica enorme, errante pelo espaço, cheia de objetos e coisas (máquinas viventes, como plantas e animais) das que podíamos dispor sem nenhum olhar maldoso, porque afinal eram recursos materiais à nossa disposição. Ao pensar o mundo como cheio de meros objetos, convertíamo-nos em sujeitos desencantados, separados da raiz da Comunidade da Vida.
A visão ecológica integral nos transporta do velho mundo desencantado de objetos-recursos, a uma Terra Viva, vibrante de energia auto-organizadora e autoconscientizada. Não estamos sozinhos, rodeados de meros objetos, de puras coisas sem alma. Com a nova visão, estamos voltando ao nosso verdadeiro lar: uma Terra cheia de Vida e de Misteriosidade, à qual sentimos que pertencemos e, a partir da qual pertencemos ao Universo inteiro.
A visão integralmente ecológica, pelo contrário, oferece um olhar inteiramente diferente: um mundo sem objeto; sou “matéria inerte”, cheia de vazio fecundo e vibrações subatômicas, de energia auto-organizativa, vida inteiramente emparentada, organizada em redes de sistemas encaixados uns dentro dos outros, em um conjunto global vivo. Gaia, nosso lar, a placenta na qual fomos gerados e vivemos.
A visão ecológica integral nos transporta do velho mundo desencantado de objetos-recursos, a uma Terra Viva, vibrante de energia auto-organizadora e autoconscientizada. Não estamos sozinhos, rodeados de meros objetos, de puras coisas sem alma. Com a nova visão, estamos voltando ao nosso verdadeiro lar: uma Terra cheia de Vida e de Misteriosidade, à qual sentimos que pertencemos e, a partir da qual pertencemos ao Universo inteiro.
4. UMA NOVA VISÃO DE NÓS MESMOS
Em uma perspectiva integral, a ecologia afeta a forma de nos entendermos. Há milhares de anos nos vimos como “outra coisa”, algo diferente de tudo o que existe no mundo, seres infinitamente superiores, e por isso com direito ao domínio absoluto sobre tudo o que existe na Terra.
Para compreender e expressar isso, criamos crenças e mitos religiosos com fins de “justificação”: teríamos sido criados por Deus separada- mente, no sexto dia da criação, “à sua imagem e semelhança”; apenas nós. Viemos de cima (de Deus), não de baixo (da Terra); de fora deste mun- do (somos espirituais e imortais), não de dentro. Porém, as modernas ciências cosmológicas veem as coisas de outro modo:
Somos Terra
Não viemos de fora, mas de dentro: ou seja, viemos da terra. Nosso corpo é feito de átomos, de elementos que não são eternos, com data de fabricação, elaborados pelas estrelas, na explosão das supernovas, que permitiram a aparição – pela primeira vez – do cálcio para nossos ossos, do ferro para nosso sangue, do fósforo para nosso cérebro. Todos os átomos têm bilhões de anos, desde que explodiu a supernova (Tiamat), que deu origem ao sol. Tudo o que aconteceu ao longo de bilhões de anos de evolução da Terra, e que nos fez possíveis, é a própria “história sagrada”, não apenas os 4 mil anos de relatos sagrados das religiões.
Não viemos de cima, não caímos como um pacote pronto e preparado, mas somos uma espécie emergente, formada por evolução a partir de outras que nos antecederam. Somos primatas, da família dos grandes símios, e somos a espécie que permaneceu das várias do gênero homo que percorreram o itinerário evolutivo de ampliação do encéfalo e cérebro, com o qual atingimos um nível de consciência e autoconsciência único no conjunto da Comunidade da Vida.
Nossa reflexão, nossa espiritualidade, e talvez a atual secularidade e pós-religiosidade são a evolução da Terra e da Vida além da evolução biológica e genética, além da evolução cultural. É a Terra e a vida que lhe dão alento, que vivem e se expressam em nós e nos transcende.
Questionarmos tudo isso e requestionarmos a velha forma de nos percebermos separados do mundo, superiores a ele, alheios a tudo o que é cósmico e ecológico significa que estamos voltando à nossa casa, ao nosso lar ecológico, de onde nunca deveríamos ter partido. É voltar a pôr os pés na Terra, no solo da Vida.
O Sr. João Carlos coleta sementes de espécies nativas do Cerrado no assentamento Dom Pedro, em São Félix do Araguaia. Ele vive na terra e para a Terra.
Nos ver de forma diferente
A partir do modo integralmente ecológico de observar o mundo, vemo-nos de um modo diferente:
Não fomos criados em um momento dado, mas somos o resultado da evolução de espécies anteriores. Somos uma espécie emergente.
Não somos seres celestiais, mas terrestres, telúricos: somos Terra, a própria Terra que culminou conosco sua Aventura evolutiva e a faz mais consciente. Somos Terra, somos como sua própria alma, ela é como nosso corpo. Em nós ela chegou a sentir, refletir e ter responsabilidade.
Não somos o centro do cosmos, nem da Terra e nem do Universo. O antropocentrismo (ver tudo
a partir da perspectiva dos interesses humanos) foi uma miragem e um erro o qual a Terra, a Comunida-
de da Vida e nós próprios estamos pagando caro.
Somos a evolução da Terra e da Vida além da evolução biológica e genética. Pertencemos ao Cosmos, ao Universo, à Terra, à Comunidade da Vida. Somos parte do mistério. Acreditamos que estamos separados ou desligados do Cosmos ou somos dele independentes; ser diferentes foi um erro nefasto ainda muito resistente.
5. SENTIR UMA NOVA ESPIRITUALIDADE
A Ecologia Integral é uma forma de observar (paradigma) que incorpora o marco da natureza: considerados parte da natureza, do mundo, da realidade cósmica. Também aquilo que é espiritual e religioso? Sim. Tudo.
Tradicionalmente nem sempre foi assim. Considerava-se que o espiritual era totalmente diferente do mundo material. O espiritual era o não material, o não corpóreo, o não terrestre. Acreditávamos que o espiritual pertencia a outro mundo, o mundo celestial, chamado de sobrenatural. O dualismo era considerado dado, separação radical entre os dois âmbitos.
Mas seria a espiritualidade assim, ou isso foi uma forma de compreendê-la que hoje poderia ser substituída por algo melhor, mais à altura do que sabemos e vemos, que nossos ancestrais não sabiam nem viam: hoje, no tempo da ciência e da ecologia integral, é possível redescobrir a espiritualidade.
A ecoespiritualidade não é um saber intelectual, um conjunto de ideias, mas um saber-sabor cordial, processado com a inteligência ecossensível, com o coração. É uma experiência de admiração extasiada da beleza assombrosa do cosmo percebida como verdadeira epifania do mistério. Experiência contemplativa, transformadora, unitária, regozijante e, ao mesmo tempo, de êxtase, que nos extrai de nós mesmos e nos transporta a um mundo inefável.
A ecoespiritualidade representa, sem dúvida, o retorno à casa, ao nosso oikos, nosso lar, nossa placenta espiritual.
A ecoespiritualidade não é um saber intelectual, um conjunto de ideias, mas um saber-sabor cordial, processado com a inteligência ecossensível, com o coração. É uma experiência de admiração extasiada da beleza assombrosa do cosmo percebida como verdadeira epifania do mistério. Experiência contemplativa, transformadora, unitária, regozijante e, ao mesmo tempo, de êxtase, que nos extrai de nós mesmos e nos transporta a um mundo inefável. Ela produz um sentido de comunhão no dual (não estamos separados do Mistério, que nos arrebata e extasia), e com ele um sentido de pertencimento à Natureza, à Terra, à Vida, ao Universo, ao Todo Misterioso.
Não é preciso nos afastarmos do mundo (ao contrário!) e nem nos submetermos a um processo de iniciação complicado: tudo isso está ao alcance de qualquer um que o realize.
Eco-Espiritualidade e praxis
Ver e sentir de outra forma leva, inevitavelmente, a agir de forma diferente. Olhos que veem, coração que sente e mãos que atuam. Nos sentir pertencentes à Terra nos leva a defendê-la como se fosse o próprio corpo, como a nossa Casa Comum.
Recuperar uma espiritualidade ecocentrada, livre da alienação milenar que fez nos sentirmos mais como filhos do céu do que da Terra, a única esperança para salvar a Vida e o Planeta, porque deixaremos de destruir a Terra apenas quando sentirmos seu caráter sagrado, e nos sintamos integralmente parte de seu Corpo divino.
6. NOS TRANSFORMAR ECOLOGICAMENTE
A cada dia, os meios de comunicação apelam ao “crescimento econômico”, como o único que importa. Crescer na renda econômica, no dinheiro, à custa do que quer que seja. É um discurso hegemônico em nossa sociedade.
Como no conto de Andersen: já tem bastante gente que intui o que é falso, que é precisamente o contrário do que estamos necessitando – não tanto crescer, quanto simplesmente desenvolver-nos, quer dizer, organizar-nos melhor, distribuir mais equitativamente, e deixar de destruir nosso próprio habitat, cuidar de nosso nicho ecológico, romper com hábitos e luxos supérfluos e daninhos. E, sobretudo, mudar o padrão energético atual, que é à base de energias fósseis que envenenam constantemente o ar que respiramos,
Sejamos realistas e digamos a verdade: já estamos na 6a grande extinção, no caminho certo que conduz à grande catástrofe. Outra coisa é que, teoricamente, se poderia parar… Mas a realidade é que levamos uma grande inércia, que nos faz dificílimo parar, e para agravar, não estamos convencidos da necessidade de fazê-lo, nem estamos dispostos a assumir os grandes sacrifícios que teríamos de fazer para conseguir ir freando e, finalmente, determos na estrada até a catástrofe.
Só se mudarmos muito, muitíssimo, e só se o fizéssemos muito rapidamente, poderíamos evitar essa catástrofe, que agora mesmo é o mais provável.
Só se conseguirmos fazer uma reconversão sócio- politico-produtiva descomunal de nossa sociedade,
e uma transformação radical de nosso estilo de vida, de nosso padrão energético e de nosso sistema de produção, poderíamos detê-los.
Só se mudarmos mui- to, muitíssimo, e só se o fizéssemos muito rapidamente, poderíamos evitar essa catástrofe, que agora mesmo é o mais provável. Se não o conseguirmos, ou – o que é pior – se simplesmente não fazemos nada- ainda que seja sem deixar de “falar” no assunto – a catástrofe está garantida. Continuar tendo medo em dizê-lo é um erro. Tenho que dizê-lo.
Os Povos Indígenas “sentem a sacralidade da terra”. Portanto, valorizar e lutar pela preservação da sua cultura e visão do mundo é também um compromisso com a Vida.
7. PRATICARMOS A ECOLOGIA INTEGRAL
Construirmos um novo sistema econômico integralmente funcional à conservação e ao crescimento da vida, e ao Bem Viver da humanidade em harmonia com nossa irmã e Mãe Terra. Eis a grande transformação que urge ser colocada em prática.
Com toda a visão ecológica crítica a que hoje chegamos, é obvio que temos que mudar. Se sabemos que o mundo não é como havíamos imaginado; se nos sentimos de outra maneira; se percebemos que nossa conduta errada nos submeteu a um caminho de autodestruição, é urgente ser coerentes com a nova visão integralmente ecológica.
Abandonar o atual modelo civilizacional, voltado inteiramente ao pós-“crescimento econômico”, contrário ao planeta e ao custo da vida – que já esgotamos e continuamos destruindo, na nova extinção massiva que inauguramos –, e construirmos um novo sistema econômico integralmente funcional à conservação e ao crescimento da vida, e ao Bem Viver da humanidade em harmonia com nossa irmã e Mãe Terra. Eis a grande transformação que urge ser colocada em prática.
Com os novos fundamentos teóricos (a nova Visão que a Ciência permitiu) e com a força interior que nos dá a nova sensibilidade espiritual relaciona- da à natureza, podemos/devemos colocar em marcha novas práticas integradas com a visão integralmente ecológica. Temos que assumi-las com plena convi- cção, em nossa própria vida em primeiro lugar, e tratar de difundi-las militantemente.
Uma mudança radical do sistema energético
Obviamente nos é essencial a energia para viver, e na Terra, e principalmente nos raios do sol, existe mais do que suficiente, abundantemente. O problema é que sem saber disso, construímos nossa civilização sob a energia do carbono, cujo dióxido (CO2) somente muito mais tarde soubemos que envenena a atmosfera e produz o efeito estufa. Já está em curso há tempos, e hoje sabemos que avança perigosa e, sem dúvida nenhuma, esses últimos anos tem sido os mais quentes de que se tem conhecimento.
Não temos tempo de ficar discutindo, é urgente acabar totalmente com a emissão de mais CO2. É preciso reduzir drasticamente o uso dos combustíveis fósseis (petróleo, gasolina, gás, carvão) em favor de energias limpas e renováveis.
Uma mudança de estilo de vida
Muitas pessoas, em diversos lugares, fazem coisas pequenas, em todos os aspectos da vida, que marcarão uma mudança profunda na vida do planeta. Com isso, darão início a uma civilização nova, civilização da austeridade compartilhada e do Bem Viver e em harmonia com a Mãe Terra:
• Viver com austeridade, sem luxos, sem níveis de vida ofensivos para a imensa maioria da população mundial, que vive na pobreza.
• Erradicar o consumismo. Não comprar o que não é indispensável. Não querer sempre “o último modelo”. Zero de gastos inúteis. Não à dieta obsessivamente carnívora. Não às comodidades não essenciais e invertê-las em favor da ecologia.
• Os “5 Rs”: reutilizar, reduzir, recuperar, reciclar, regular.
Trata-se de uma “transformação ecológica” e de uma “revolução cultural”: tudo é diferente, a única saída. O velho estilo de vida se torna “ecocida”: se não nos convertermos, nos suicidamos.
Uma opção pelo decrescimento
Se trata de um assunto polêmico, que tem muitos inimigos, pois esbarra em um dos “dogmas” mais sensíveis do sistema econômico capitalista: o do “crescimento contínuo, ilimitado”
O “decrescimento” é uma correção do estilo de vida hoje urgente para retornar parte do caminho percorrido na autodestruição do planeta. Se trata de um assunto polêmico, que tem muitos inimigos, pois esbarra em um dos “dogmas” mais sensíveis do sistema econômico capitalista: o do “crescimento contínuo, ilimitado”. Mas em um planeta finito, em que já ocupamos muito do que ele precisa para repor nosso consumo, defender um crescimento ilimitado torna-se insustentável.
Continuar reivindicando o crescimento ilimitado para dar a toda população mundial o nível de vida atual dos países desenvolvidos implicaria poder dispor de vários planetas; porém somente temos este. Pretender continuar crescendo desse modo é optar por auto asfixiar-nos.
Precisamos necessariamente:
– depreciar o mito da modernidade do crescimento ilimitado;
– tratar de viver bem com menos;
– não ao crescimento, mas sim ao desenvolvimento em outro nível;
– não à “vida boa”, mas ao Bem Viver/Conviver.
Uma opção pelo decrescimento
Para uma boa prática, duas mudanças são prévias:
• Mudança de pensamento: olhos que não veem, coração que não sente… A pessoa que ainda tem a velha imagem, que ainda está pensando que é um ser celestial que vive no meio de um mundo de meros objetos e animais inferiores, vai depreciá-lo, sem ter consciência das maravilhas que o rodeia no meio da Comunidade da Vida, e sem conhecer os mistérios insondáveis do Cosmos de que somos parte.
Impõe-se a disposição de estudar, ler sobre cosmologia, interessar-se pelo seguimento dos avanços da ciência (em livros e nas páginas especiais dedicadas à ciência nos principais jornais); ter sempre um livro de cabeceira sobre ecologia ou ciência em geral e compartilhar o tema com pessoas e amigos interessados.
• Mudança de espiritualidade: a espiritualidade tradicional olhava apenas o céu dos espíritos, não o mundo natural da Terra, e apenas nos remetia a textos sagrados espirituais. Parecia que uma pessoa era mais espiritual quanto mais se distanciava da Terra. Hoje estamos mudando; já intuímos que o espírito é inerente à matéria, que o mundo não é inimigo da alma e que podemos/devemos nos voltar à Terra como nosso lar espiritual.
Este texto é uma síntese da publicação na Agenda Latinoamericana Mundial 2017
A Fundação Pedro Casaldáliga apresenta a nova edição da Agenda Latino-Americana Mundial em Barcelona. O evento terá lugar na próxima quinta-feira 18 de Novembro às 19h na Casa América Catalunha e poderá ser acompanhado pessoalmente e online:
Também pode acompanhar a sessão através destes links em YouTube e Facebook Live da Casa América Catalunha.
A apresentação será em catalão e conduzida por Gabriela Serra, activista e membro do Conselho Editorial da Agenda da América Latina em catalão.
Esta nova edição, a 31ª, está dedicada aos movimentos populares e à reflexão sobre a sua função, o seu estado atual e o seu futuro na transformação da sociedade. É por isso que a Agenda Latino-Americana Mundial 2022 se intitula «Organização Popular. Esperança e ação transformadora».
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Como tem sido o costume desde que Pedro Casaldáliga e José Maria Vigil lançaram a Agenda em 1992, personalidades proeminentes, intelectuais e activistas oferecem as suas reflexões e análises sobre o tema principal e, nesta edição, a Agenda conta com a participação entre outros de Leonardo Boff, Ivone Gevara, Frei Betto, Juan José Tamayo, Josep Maria Terricabras, Arcadi Oliveres (EPD), Salvador Martí, Jordi Corominas…
Reflexões Qualificadas para uma Mudança Urgente
Como explica a Comissão para a Agenda da América Latina na Catalunha, “a transformação em busca de uma nova sociedade global é, sem dúvida, um dos maiores desafios que a humanidade enfrentou na sua história, se não o maior. O ponto ecológico de não retorno coloca-nos no limiar do abismo em direcção à extinção. Temos que enfrentar o maior desafio como espécie, o desafia de não auto-extingirmos.
Se pensarmos na enorme evolução social, tecnológica, de pensamento, de desenvolvimento, etc., e a contrastarmos com a pegada ecológica desta evolução nos mares, florestas, desertos, atmosfera, fauna, todo o planeta,…o custo da evolução tem sido terrivelmente elevado.
Se também o contrastarmos com o estado actual das nossas sociedades – sociedades egocêntricas, sociedades organizadas por e para o consumismo excessivo, sociedades que desprezam a sua humanidade, sociedades que se esforçam por desumanizar aquilo humano – então o contraste é mesmo até irónico e terrível, uma loucura.
Há muita esperança sendo construída no mundo todo e também, é claro, em nossa Pátria Grande. Muitas dessas vozes pela esperança e a transformação estão representadas nesta nossa Agenda de 2022.
Tendo alertado para esta crise a partir de tantos espaços de luta, por diferentes vozes, ao longo das décadas, é inegável que nem tudo está perdido. De fato, há muita esperança sendo construída no mundo todo e também, é claro, em nossa Pátria Grande. Muitas dessas vozes pela esperança e a transformação estão representadas nesta nossa Agenda de 2022.
O vírus revelou, ainda mais, estas realidades de “evolução humana”, que este ano são apresentadas nos variados e sempre proféticos pensamentos dos nossos escritores, filhos do seu tempo, colocando um foco especial no papel das vozes em conjunto, nos esforços de fraternidade e na importância de unir estes esforços.
As organizações sociais tornam-se o eixo onde giram as ideias de ver, julgar e acima de tudo agir.
É através do trabalho em grupo, em comunidade, que se enxerga a esperança.
Certamente, a pandemia que começou em 2019 está longe de ter terminado e tem exacerbado as injustiças e desigualdades. No entanto, é através do trabalho em grupo, em comunidade, que se pode vislumbrar a maior esperança; com o trabalho de base renovado por ideais e tecnologias, as consciências do povo estão sendo desafiadas pela pandemia e conseqüentemente e com esperança, a história terá que parar e então girar em torno da humanização e do processo de comunhão com a Mãe Terra .
Quebra de paradigmas, trabalho de base, humanização da humanidade são algumas das chaves que os movimentos populares já começaram a colocar em prática.
Há sinais de esperança, embora em algumas realidades pareça que não. Ainda existem esforços titânicos para evitar a hecatombe global e é para lá que nossos esforços devem ser direcionados. A adaptação já começou, é claro que com um esforço enorme de todos, porque a humanidade é assim, mudar e se adaptar é difícil: quebrar paradigmas, trabalhar na base, humanizar a humanidade, são algumas das chaves que os movimentos populares já tem começado a implementar.
Em algumas áreas muito devagar, como nos espaços religiosos ou espirituais, onde as mudanças são realmente mais difíceis (embora as mudanças nos paradigmas da Igreja Católica com o Papa Francisco sejam evidentes). Porém, há grupos que tem muita clareza sobre isso, aqueles que estão construindo novos espaços de diversidade sexual, grupos de apoio e defesa dos migrantes ou aqueles que lutam pela defesa da Pachamama, nossa Mãe Terra. E é a todos esses esforços conjuntos que o mundo latino-americano abre seus espaços neste 2022, sempre em conseqüência de seu tempo e de sua gente.
A Agenda Latino-Americana 2022 apresenta os esforços de muitos grupos, de pensadoras e pensadores, sonhadores e sonhadoras, colunistas, editores e editoras que lutam incansavelmente por essas esperanças que impulsionam as grandes causas, desde o mais local, enfrentando os maiores desafios da espécie humana sem trégua e sem hesitação.”
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