Dia Internacional da Mulher foi instituído por força das lutas de mulheres, a partir do século XVII, pela igualdade de direitos entre os gêneros e pelo reconhecimento de seus direitos. Não se trata de data festiva, mesmo porque nada havia a ser festejado.
Nossas avós e mães nos contaram; naqueles tempos, à mulher era negado o direito de ir à escola; aprender a ler e a escrever constituía-se em crime gravíssimo. Sabendo escrever e ler, passariam elas a escrever a eventuais e imagináveis namorados. Era o pensamento dominante.
O Dia Internacional das Mulheres é produto desse não contentar-se com os limites impostos; produto das transgressões. Algumas pagaram caro.
A escritora Ligia Fagundes Telles conta que quando decidiu cursar a faculdade de Direito, sua mãe a alertou: “mas logo faculdade de direito, filha, um lugar só de homens?! Você não vai casar; homem não gosta de mulher inteligente.”
Até mais da metade do século vinte, a mulher era considerada incapaz para os atos da vida civil portanto, tutelada pelo pai ou irmão e depois pelo marido; uma peça de adorno ou uma serva.
Mas foram muitas as que não se conformaram com a condição que lhes era imposta e ousaram pensar grande; alçaram vôo; transgrediram.
Hoje, no ocaso da primeira década do século XXI, no pós modernismo (alguns ousam afirmar que no pós historia), ainda há muito que conquistar; muito pelo que lutar.
O Dia Internacional das Mulheres é produto desse não contentar-se com os limites impostos; produto das transgressões. Algumas pagaram caro.
A origem do dia tem sido, com freqüência, atribuída à morte, em razão de incêndio, de mais de cem operárias têxteis, ocorrida em 1857, em Nova York, Estados Unidos.
Organizações feministas têm se dedicado à pesquisa e ao resgate das lutas da mulher no mundo inteiro, trazendo à luz o que foi, deliberadamente, acobertado, negado ou desvirtuado.
Hoje, no ocaso da primeira década do século XXI, no pós modernismo (alguns ousam afirmar que no pós historia), ainda há muito que conquistar; muito pelo que lutar.
É verdade que as mulheres freqüentam faculdades; são doutoras; executivas; mandatárias de cargos públicos eletivos; juízas; promotoras; escritoras e cientistas, premiadas com o Nobel.
Inobstante, os seus salários são menores que os dos homens, exercendo as mesmas funções, e o número de mulheres nos parlamentos e no Executivo, estaduais e federal, ainda é muito pequeno. Apenas em cargos municipais é que se constata uma presença maior, talvez pelo fato de que ela, para exercer o mandato, não tenha que se mudar do local. É que sobre a mulher pesa a responsabilidade dos filhos e da casa e isto é um tributo que tem sido cobrado apenas dela.
Um pouco de memória
Várias organizações feministas têm se dedicado à pesquisa e nos oferecem dados que ajudam a desenrolar o novelo da história das lutas e transgressões de mulheres que nos antecederam e possibilitaram chegarmos até aqui.
Muitos são os acontecimentos apontados como tendo sido o responsável pela instituição da data, mas diversas pesquisas têm apontado a Segunda Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, realizada em 1910, na cidade de Copenhague, na Dinamarca, durante uma Conferência, em que Clara Zetkin e várias outras militantes, apresentaram uma Resolução contendo proposta de instituição, oficial, de um Dia Internacional das mulheres, que apesar de não mencionar uma data precisa, apenas mencionava o exemplo das socialistas norte-americanas, como sendo o fato que, mais provavelmente, deu origem ao Dia.
Outras fontes revelam que no dia 03 de maio de 1908, em Chicago, Estados Unidos, comemorou-se o primeiro Dia da Mulher, em que participaram pelo menos 1 mil e 500 mulheres, que reivindicavam igualdade econômica e política, sendo que no aspecto político, defendiam o voto feminino, dentro e fora do partido, e denunciavam a exploração e a opressão a que eram submetidas as mulheres.
Em 1909, o Dia da Mulher foi uma atividade oficial do partido socialista americano que contou com a organização do Comitê Nacional de Mulheres, em defesa do voto feminino, no dia 28 de fevereiro de 1909.
Em 1910, o Dia da Mulher foi comemorado em 27 de fevereiro, participando das atividades pelo menos 3 mil mulheres, que reivindicavam o direito ao voto.
No mês de agosto daquele ano, durante a Conferência de Mulheres socialistas, militantes socialistas propõem, e é aprovada, a instituição do Dia Internacional da Mulher a ser organizado em todos os países, sem, contudo, especificar data, sendo a reivindicação central o direito ao voto.
As alemãs comemoraram o Dia Internacional da Mulher no dia 19 de março de 1911. As suecas o comemoraram no dia 1º de maio também de 1911.
Em 1913, na Rússia czarista, realizou-se a Primeira Jornada Internacional das Trabalhadoras pelo voto feminino, havendo forte repressão em Petrogrado. Em 1914 não foi possível a organização de atividades, já que as principais organizadoras do Dia Internacional das Mulheres estavam presas.
Neste mesmo ano, na Alemanha, o Dia foi dedicado à luta pelo direito ao voto para as mulheres e comemorado, talvez pela primeira vez, no dia 8 de março, sem um motivo especial, mas porque teria sido a data mais viável naquele ano.
Em fevereiro de 1917, na Rússia, as manifestações das mulheres eram contra a guerra, a fome e a escassez de alimentos; tudo em meio a uma greve das operárias do setor têxtil. Tudo aconteceu no 23 de fevereiro (no calendário ortodoxo, 8 de março); era a comemoração do Dia Internacional das Mulheres na Rússia. Tais manifestações, que duraram dias, segundo pesquisadores, deram início à Revolução Russa.
A pesquisadora Renée Côté faz referência a documentos de 1921, Conferência Internacional das Mulheres Comunistas, em que uma “camarada” búlgara propõe o 8 de Março como data oficial para o Dia Internacional das Mulheres, lembrando a iniciativa das mulheres russas, o que, a partir de 1922, passou a ser a data oficial em todo o mundo.
Somente em 1975 é que a ONU – Organização das Nações Unidas – integrou a data ao seu calendário.
O real sentido do 8 de março
Luta. Este, o verdadeiro sentido do Dia Internacional da Mulher. Em memória de todas as que nos antecederam, por nós mesmas, devemos manter o Dia Internacional da Mulher (8 de março) como um dia, principalmente, de luta; em respeito a elas devemos manter acesa a “tocha” e entregá-la, com a mesma integridade, com a mesma dignidade às gerações futuras.
Maria José Souza Moraes. Publicado no jornal da Prelazia de São Félix do Araguaia, o Alvorada, em março-abril de 2010.
Todas as correntes espirituais e teológicas nos foram propostas desde o colonialismo. Portanto, precisamos nos libertar e refazê-los completamente.
Ninguém se espante com este convite. De fato, assim como todo o sistema de educação e o nosso olhar sobre a vida, também as teologias e espiritualidades precisam ser decolonizadas. E não se trata de assunto que diz respeito só a religiosos/as
Todo caminho espiritual se baseia em uma visão teológica, ou seja, parte de uma concepção de Deus, do mundo e da vida. E isso tem muita influência no modo de organizar a sociedade e as relações humanas. Todas as correntes espirituais e teológicas nos foram propostas a partir do colonialismo. Por isso, todas precisam ser libertadas e refeitas.
É quase inevitável que, ao expressar em livros a sabedoria própria dessas tradições espirituais, a linguagem e a lógica ainda sejam da sociedade dominante. O colonialismo tem muitas formas, níveis e disfarces e temos de estar sempre alertas a isso.
Para isso é importante percebermos como as teologias cristãs legitimaram a colonização. Assim, essas terras, que chamamos Brasil e América Latina, foram alcançadas com o aprisionamento e a objetificação, para não dizer bestialização, dos corpos não brancos. Infelizmente, a Teologia que sustentou e legitimou a Cristandade Ocidental não somente foi conivente, como participou da incumbência de transformar os povos originários e os nativos do continente africano em escravizados, legitimando o poder supremo do colonizador que pretendia representar Deus.
O povo indígena Xavante, da região do Araguaia, teve forte influência católica na década de 1970.
Por tantos séculos e até hoje, as tradições espirituais dos povos originários e das comunidades afrodescendentes deram força de resistência às comunidades, vítimas do Colonialismo. No entanto, em nossos dias, muitas vezes, elas também são obrigadas a se expressar em linguagem e categorias das culturas dominantes. Convivem com questões como a economia capitalista para sobreviver. Além disso, é quase inevitável que, ao expressar em livros a sabedoria própria dessas tradições espirituais, a linguagem e a lógica ainda sejam da sociedade dominante.
El colonialisme té moltes formes, nivells i disfresses i hem d’estar sempre alertes. Tanmateix, com els dos que escrivim aquesta pàgina som sacerdots cristians i parlem amb els peus i el cor a Amèrica Llatina, víctima del projecte europeu del Cristianisme colonial, demanem permís per centrar la nostra reflexió en les espiritualitats i teologies descolonials cristianes.
Vocês que aceitam o nosso convite querem saber na prática como viver espiritualidades e fazer teologias decoloniais. Sem pretender esgotar o assunto, propomos alguns elementos e cuidados que podem nos ajudar neste mutirão profético:
1) Retomar o princípio de que toda boa teologia procede da práxis transformadora.
Desde a década de 1970, os teólogos da libertação nos dizem que o ato primeiro é a práxis. Daí decorre uma elaboração teológica. Para uma teologia decolonial, a prática já tem de ser antecipadamente anti-colonial e mesmo pós-colonial.
Na década de 1960, desobedecendo à orientação sempre conservadora das hierarquias eclesiásticas, na América Latina e Caribe, cristãos de várias Igrejas participaram de movimentos sociais transformadores e aderiram à práxis revolucionária. Pastores/as e teólogos/as passaram a refletir sobre a fé, não mais a partir da obediência e sim da desobediência civil. As teologias aprofundaram a dimensão evangélica do protesto e da revolta e não mais da submissão. É preciso, hoje, voltar aos fundamentos dessas teologias, construídas na contramão da sociedade dominante e das Igrejas. Assim, surgiram teologias cristãs a partir de baixo, ou seja, dos movimentos populares, da caminhada dos povos originários e das comunidades negras.
2) Deslegitimar as teologias coloniais da Cristandade e da neo-cristandade, atualmente ainda tão frequentes nos seminários e púlpitos.
Desde a celebração do 5º centenário da conquista, em 1992, papas, bispos e autoridades evangélicas pediram perdão aos povos originários e às comunidades negras pelos pecados que cristãos do passado cometeram contra esses povos.
Ora, infelizmente, esse tipo de espiritualidade e de teologia que legitimou a conquista, a escravização e outros crimes sociais, até hoje, persiste em não poucos círculos católicos, evangélicos e pentecostais.
Alguns falaram nos pecados cometidos “por alguns filhos da Igreja”. No entanto, os que cometeram esses pecados foram papas e bispos, representantes oficiais da instituição e fizeram isso porque a espiritualidade e a teologia oficial não só permitiam tais pecados, como os promoviam como necessidade da missão.
A igreja evangélica brasileira é uma força política e cultural muito forte no país. Foto: Isac Nóbrega/PR
Ora, infelizmente, esse tipo de espiritualidade e de teologia que legitimou a conquista, a escravização e outros crimes sociais, até hoje, persiste em não poucos círculos católicos, evangélicos e pentecostais. A forma com que, até hoje, setores da hierarquia católica tratam a mulher não é por acaso.
A homofobia manifestada por numerosos padres, pastores e grupos cristãos tem seus fundamentos nessa mesma compreensão da fé. O racismo religioso, responsável por agressões e ataques a casas de reza indígenas e terreiros afrodescendentes não decorre apenas da ignorância de religiosos fanáticos.
Não se pode construir teologia e espiritualidade decolonial sem revelar a contradição com o Evangelho de Jesus contidos em algumas espiritualidades e teologias ainda vigentes.
O desprezo pela sacralidade da Terra e a mercantilização da natureza vem da mesma fonte. Há uma teologia e espiritualidade que legitimam esses crimes. Não se pode construir teologia e espiritualidade decolonial sem revelar a contradição com o Evangelho de Jesus contidos em algumas espiritualidades e teologias ainda vigentes.
A fé em um Deus Amor exige uma interpretação da Bíblia que seja amorosa, inclusiva e em função da Vida, como Jesus propôs o sábado a serviço do ser humano e não o contrário. As teologias decoloniais começam por ser anti-coloniais e se tornam pós-coloniais. Por fim, se tornam decoloniais, porque partem de princípios próprios e autônomos.
3) Com cores, com ginga, cheiros e sabores do Sul, abraçar as teologias inscritas nos corpos e feitas a partir da corporalidade.
Abraçar o corpo da mulher, o corpo indígena e negro, os corpos diferentes e belos das diversidades de gênero é o chão das teologias decoloniais que redescobrem a beleza do erotismo, a espiritualidade do prazer e a dignidade das revoluções que se propõem a restaurar a vida das pessoas e do universo. Isso nos faz testemunhar a ação do Espírito Divino no encanto dos espíritos da mata (os Encantados), na sabedoria dos ancestrais, na força dos Orixás e no sorriso negro e índio da Vida.
Pere Casaldàliga a les comunitats de la seva Prelatura.
Esse corpo a se abraçar é o mesmo corpo que as colonialidades do poder, do saber e do ser, descritas por Anibal Quijano, continuam optando por negar, por escravizar, por ferir. No entanto, é nesse corpo que, a partir do direito que, como afirmava Paulo Freire, cada sujeito tem de dizer a sua palavra, podemos dançar a sua dança e esperançar com a espiritualidade que a ação do Espírito nos impulsiona.
É na dimensão do corpo da terra que ela se manifesta em vida, mesmo ainda gemendo e esperando a manifestação dos filhos e filhas de Deus (Rm 8: 19-22 ). É na comunhão do universo, seu templo e morada (1 Cor 6:19 ; 3: 16), que se manifesta o Amor que cria e recria modos de manifestar sua energia criadora. Assim, cremos que o Amor Divino é sempre novo, cada manhã e, neste momento, recria o universo. Está em cada molécula e cada célula da vida. Está conosco e em nós para restaurar relações e transformar o mundo. A regra é o inesperado. Somos todos e todas seres de esperança e podemos sonhar. Neste sonho cabem todos e todas. Se estamos nessa é porque fomos marcados pelo Amor Maior. Para nós, que escrevemos estas linhas, Jesus de Nazaré é quem nos abre o coração e nos envia para a decolonialidade e para testemunhar a Ternura Divina do Espírito presente na diversidade das culturas e das religiões, como em todo movimento pela Libertação e pela Vida.
Assim, ainda de forma inconclusa, convidamos você a completar este caminho, porque se trata de construção coletiva.
Na esperança de que você, que nos lê, atenda este convite: a descolonização de nossas teologias e espiritualidades se materializa no chão da vida real, onde o amor se materializa e nos permite ver os rostos e ouvir as vozes da multidão de irmãos e irmãs que o Colonialismo tentou silenciar.
[1] – Marcelo Barros é monge beneditino (78), teólogo e escritor. No Brasil, é assessor das comunidades eclesiais de base e de movimentos sociais.
[2]– Josias Vieira é pastor na Igreja Batista em Coqueiral, teólogo por formação, mas ecoteólogo por conversão e fundador do Movimento Nós na Criação – Abya Yala.
O mundo vive hoje efeitos devastadores da pandemia causada pela COVID19; Sistema de saúde superlotado de pessoas contaminadas pelo vírus ou buscando tratamento para as sequelas por ele causadas. Prenúncio de uma guerra devastadora, protagonizada pela Rússia e Ucrânia e seus aliados; Cortes nas verbas da saúde, educação e cultura; Terceirização da educação e homogeneização do ensino; Crescimento dos índices de evasão e abandono escolar; Aumento do veneno em nossos pratos, com autorização dos “representantes do povo”; extermínio deliberado de negros pobres e mulheres.
O cenário caótico, de incertezas e de desmonte das conquistas populares, fruto das ações deliberadas do neoliberalismo globalizado, materializado em um complexo de crises (crise política, ambiental, econômica, do sistema de saúde, de educação…), aumenta a marginalização e as incertezas, especialmente, das classes populares.
Frente as incertezas, a sociedade busca alternativas para a mitigação dos seus dilemas. A educação ainda é apontada como uma das estratégias de enfretamento das crises humanitárias, sobretudo, das desigualdades e das injustiças sociais.
«Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo.»
Paulo Freire
Nessa perspectiva, nos reportamos ao pensamento do filósofo Theodor Adorno, ao defender, em 1969, a educação para a emancipação, como única forma de evitar a repetição da barbárie que levou a Auschwitz na Alemanha, na época de Hitler. “Qualquer debate acerca de metas educacionais carece de significado e importância frente a essa meta: que Auschwitz não se repita” (ADORNO, 1995, p. 119)
Em perspectiva semelhante, Paulo Freire, educador brasileiro, propõe a educação como possibilidade emancipatória. Concebe a educação como um ato eminentemente político, que deve ser tomado como a prática da liberdade; Freire idealizou um projeto de educação referenciado na realidade concreta da classe trabalhadora, com o propósito de promover, a partir da leitura crítica do mundo e da palavra, a formação da consciência, ao ponto de homens e mulheres da classe trabalhadora se tornarem sujeitos de suas ações e de sua história. Sobre o papel da educação, dizia Freire (1996, p. 61), “ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo”.
Partindo dos mesmos pressupostos do autor, Pedro Casaldáliga, ao chegar à região do Araguaia, nordeste de Mato Grosso, em 1968, onde predominava o analfabetismo, ausência de políticas públicas de saúde, educação, trabalho e uma intensa concentração de terras, cujas consequências eram/são a exploração da classe trabalhadora e frequentes conflitos pela Reforma Agrária, viu na educação um instrumento de luta e uma possibilidade de libertação da população pobre e marginalizada dos programas sociais.
Para tanto, a educação, na época, foi pensada na perspectiva da educação que “se pauta no diálogo da Pedagogia Crítica, com objetivos políticos de emancipação, de luta por justiça e igualdade social”. (CALDART, 2004, p. 18).
Pegadas da Educação no Araguaia – Educação como Instrumento de Luta e Transformação Social
Uma leitura atenta das pegadas das lutas de resistência em defesa da terra para os trabalhadores da agricultura familiar, em defesa das causas indígenas, da saúde, da educação, travadas no Araguaia, sertão mato-grossense, pode nos trazer elementos importantes para a reinvenção das lutas de agora.
Com a chegada de Pedro Casaladáliga, a região viu nascer um novo jeito de ser Igreja e de fazer Educação. A Igreja, sob a liderança de Casaladáliga, além das questões essencialmente religiosas, assumiu também questões sociais, com o firme propósito de construir mecanismos de emancipação dos pobres e marginalizados – índios, peões e trabalhadores da agricultura familiar da Região de abrangência da Prelazia de São Félix do Araguaia – MT.
A Glocalização da Educação na Região do Araguaia – pela Janela de Casaldáliga
Durante atuou como bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, Casaldáliga sempre apoiou os grandes projetos educacionais na região e se fez presente em todas as Mostras Regionais de Educação do Araguaia. Na ocasião da 5ª Mostra ele fez um pronunciamento muito lúcido e impactante que evidenciou a sua concepção e as configurações da educação forjada no Araguaia. Abordou a educação na perspectiva da Glocalização[1] (termo muito utilizado por ele).
Segundo Casaldáliga, a natureza, a relevância e os efeitos de sentido, produzidos na e a partir da educação no Araguaia, são suficientes para imputar-lhe um caráter de “glocalização”.
Continuou ele: Modestamente, mas também com satisfação histórica, podemos recordar que na nossa região, neste recanto que vai entre o Araguaia e o Xingu, do Pará ao travessão, por conta de certas administrações populares e com a ajuda da prelazia, a glocalização e a educação para a glocalização tem sido uma constante: Na aplicação do método Paulo Freire, em plena ditadura militar ( o que nos custou a repressão conhecida); no famoso ginásio do Araguaia GEA; na atividade constante de pesquisa, arquivo, publicações… Nas iniciativas culturais do Araguaia Pão e Circo, no teatro dos grupos de jovens, em atividades dos grupos de comadres, no estímulo a capoeira e outras manifestações de cultura popular; na própria opção pastoral da prelazia, como pastoral libertadora e em rede de comunidades. Na atividade indigenista, nas atividades da Associação de Educação e Assistência Social Nossa Senhora da Assunção-ANSA; nas bem-sucedidas experiências na formação de professores, em cursos ad hoc, como Inajá, Arara Azul, GerAção, Proformação, Parceladas e esta Mostra Regional de Educação… Na constante abertura às lutas do Brasil e da América Latina em geral, sobretudo da querida Centro América; na vivência da solidariedade, da intersetorialidade, melhor dizendo. Solidariedade que vem, solidariedade que vai. São Félix do Araguaia é uma humilde, mas real referência de Glocalização: Estamos entre o Araguaia e o Xingu, estamos na América Latina, estamos no mundo! (CASALDÁLIGA, 2004, palestra na V Mostra Regional de Educação do Araguaia).
De acordo com Casaldáliga, (op. cit), a educação no Araguaia, “uma real referência de Glocalização”, se faz presente na América Latina e no mundo.
Uma leitura crítica das Pegadas da Educação na região da Prelazia de São Félix do Araguaia, no período que vai de 1970 a 1990, poderá aferir o potencial e as possiblidades criadas, a partir dos projetos de educação de princípios libertadores – que promove a visibilidade social da classe trabalhadora, que pauta questões da terra, da saúde, do meio ambiente, das diversidades e dos direitos humanos, conforme defenderam Adorno, Paulo Freire e Pedro Casaldáliga. Experiências como essas podem nos dar a chave de leitura para o esperançar, pois, conforme o poeta Thiago de Mello, “É tempo sobretudo de deixar de ser apenas a solitária vanguarda de nós mesmos. /Se trata de ir ao encontro. / (Dura no peito, arde a límpida verdade dos nossos erros. /Se trata de abrir o rumo. /Os que virão, serão povo, e saber serão, lutando”.
[1] Glocalização – referência de que a ação deve ser local e global (nota do editor).
Lourdes Jorge e Luiz Paiva
São Félix do Araguaia, MT
Esta frase do padre cristão ortodoxo russo e teólogo Alexander Men (1935-1990), o último padre a ser assassinado pelo KGB soviético, pode confundir aqueles que se lembram de 2000 anos de cristianismo, com seus muitos mártires, santos, catedrais, supremos teólogos e missões evangelizadoras.
Alexander Men não se limita a lamentar os pecados e as feridas de uma Igreja santa e pecadora, nem diz que o cristianismo ainda não existe, mas intui que o cristianismo ainda não desenvolveu todo seu imenso potencial evangélico, teológico e pastoral. Em vez de olhar com nostalgia para um passado cristão que já não existe, devemos ir adiante para evangelizar o mundo secularizado, agnóstico e pós-moderno de hoje.
Vamos tentar desenvolver e concretizar a intuição de Alexander Men:
Os leigos, que constituem a grande maioria do Povo de Deus, que receberam o batismo e a unção do Espírito, têm sido marginalizados e passivos em uma Igreja clerical.
As mulheres não ocupam, na Igreja patriarcal e machista de hoje, o lugar que o Senhor lhes destinou e que o Evangelho proclama.
O Espírito Santo tem sido relegado e esquecido na prática, com o resultado de que o cristianismo, especialmente o latino, é reduzido a doutrinas, leis e ritos, sem uma experiência espiritual ou verdadeira alegria.
A identidade cristã não levou suficientemente em conta a presença salvadora do Espírito do Senhor em todas as religiões e culturas, também na ciência moderna e na antropologia.
O magistério da Igreja, a teologia e o cuidado pastoral não levaram a sério o fato de que os mistérios do Reino foram revelados aos pequenos e simples e que os pobres são um lugar de revelação.
O cristianismo tem sido tardio e tímido na abertura para a ecologia, que oferece imensas perspectivas teológicas, espirituais e práticas.
Uma leitura muito literal e fundamentalista da Escritura, do Gênesis ao Apocalipse, gera no povo cristão uma visão da origem e do fim da vida cósmica e pessoal que é incompatível com o pensamento científico e humanista moderno e com o mundo da juventude.
A lista de questões pendentes pode ser muito mais longa e concreta: economia, discriminação social, sexual e étnica, refugiados, armamento, guerra e não-violência, abertura a um ministério ordenado não celibatário, participação da comunidade eclesial na eleição e formação de seus pastores, etc.
Uma sinodalidade eclesial bem compreendida e vivida pode iniciar processos e discernimentos que ajudam o cristianismo “que está apenas começando” a crescer e dar frutos no mundo de hoje. Então o cristianismo, ainda em sua infância, crescerá e dará muitos frutos, como os ramos estreitamente unidos a Jesus, a verdadeira videira (João 15). Alexander Men estava certo.
En el decurso de los años 70, en Brasil y en toda América Latina, comenzó a surgir toda una nueva articulación de prácticas pastorales y políticas, basadas en criterios tales como inserción en la base, conocimiento, contacto, respeto y convivencia con el pueblo en toda su diversidad social y cultural. Frente al terror que cubría casi todo el continente latinoamericano, pequeñas comunidades, casi clandestinas, realizaban este nuevo trabajo, con prácticas concretas desde una visión utópica, releyendo el Evangelio y reinventando la práctica política, o como se decía entonces: “con un oído en el pueblo y el otro en el evangelio”.
En esos grupos participaban cristianos de muchas denominaciones y tradiciones religiosas, pero también militantes de las causas populares que no profesaban fe religiosa, pero que practicaban el respeto a la diversidad y deseaban la práctica colectiva, con un mismo horizonte utópico.
En este contexto surgen las nuevas pastorales de la Iglesia católica, como la Comisión Pastoral de la Tierra (CPT) y el Consejo Indigenista Misionero (CIMI) entre otras. Don Pedro participó en la fundación de ambas entidades, vinculadas a la Conferencia Nacional de los Obispos del Brasil (CNBB) y, a través de ellas, se implica permanente en la situación de los campesinos y de los pueblos indígenas en todo el país, al tiempo que contribuye decisivamente en la definición de sus líneas de trabajo, de apoyo, de solidaridad, de formación y de esfuerzo organizativo para que campesinos y pueblos indígenas puedan afrontar los serios desafíos de aquel momento y luchar por sus derechos.
Pedro Casaldáliga en el Congreso Nacional de la Comisión Pastoral de la Tierra, en 1983
Desde un inicio, Don Pedro se convirtió en uno de los principales portavoces de aquel amplio movimiento pastoral y social que se constituía silenciosamente en todo Brasil. Lo ejerció con su radicalidad en la crítica, en el compromiso, en el humanismo que valoraba las instituciones, tanto del Estado como de la Iglesia, en función del servicio a la vida plena de los pueblos, particularmente de los más pobres y, entre éstos, de los pueblos indígenas.
En una entrevista que en 1978 le hizo Teófilo Cabestrero, Don Pedro explícito sus tesis fundamentales sobre la centralidad de los pueblos indígenas en su visión del trabajo pastoral y de compromiso de los cristianos latinoamericanos en aquel momento histórico. Sus formulaciones, dichas de manera simple y profunda, revelaban el rumbo por donde caminaba, en las últimas décadas, la pastoral indigenista, lo mismo que revelaban la nueva visión del papel transformador de los pueblos indígenas en la América Latina.
“Los pueblos indígenas están siendo, en algunas iglesias, una prioridad. Te aseguro que, en mi sensibilidad pastoral, lo son. Porque es la prioridad más evangélica. Por dos motivos. Primero porque son los más pobres, como personas y como pueblo. No digo que sean los menos felices. Como personas y como pueblo tienen sobre sí la sentencia de muerte más inmediata, la muerte más lógica a partir del sistema. Estorban. Sus tierras, su floresta, su casa, su hábitat maravilloso, este lago Tapirapé que estás viendo, son estímulo, pasto, de la codicia de los grandes, de los poderosos, del latifundio, de las famosas carreteras, de la integración nacional, del tristísimo desarrollo (¡maldito sea el desarrollo en estas circunstancias mortíferas!, ¿no?) y del turismo. A causa de esta condena a muerte son los indios la causa más evangélica. Su supervivencia es frecuentemente cuestión de meses; dos, tres meses; una carretera que irrumpe, que pasa, que ataca el organismo indígena que ya se queda sin defensas. O un simple sarampión puede llevarse una aldea entera. Y, en segundo lugar, son también los seres más evangélicos, porque siendo los más pobres, los menores, los más desamparados, son también los más libres de espíritu, los más comunitarios y los que viven más armónicamente con la naturaleza, con la tierra, con el agua, con la luz, con la fauna y con la flora. Serían ellos, en la expresión antiquísima que Ad Gentes actualizó, y que a mí me impresiona mucho, serían ellos ‘las simientes del Verbo’, o, mejor, traduciendo con mayor precisión, ‘el Verbo encarnado’ en estos pueblos. Se percibe realmente lo que aquí está encarnado.
En la medida en que la Iglesia de Brasil y toda la Iglesia del continente sepan y quieran hacer las debidas renuncias y asuman evangélicamente la causa de los indios, ellas serán realmente un revulsivo para toda la Iglesia y para toda la sociedad, y, por eso mismo, una poderosísima fuerza del evangelio. Pero, claro, para asumir más la causa indígena es menester despojarse de todo etnocentrismo pastoral, de todo colonialismo. Despojamiento que ha de ser lúcido, incluso científicamente, y, tal vez, heroico. Si eso implica dejar muchas cosas, pensar de otra manera, renunciar bastante a la propia religión inclusive… No es ya renunciar simplemente a costumbres, a modos de comer y vestir, o de ver y sentir; ni se trata siquiera de renunciar sólo a las filosofías. Es renunciar incluso a la propia religión. No digo a la fe, está claro. Tú me entiendes perfectamente”.
La Misa de la Tierra Sin Males
Las matrices de clase, de valores cristianos y de cultura catalanas de Casaldáliga, todas milenarias, son para él un referente espiritual en aquel momento histórico vivido por los pueblos de América Latina, con su múltiple necesidad de superar el terror de Estado, el desaliento de la miseria social y las prácticas políticas tradicionales, incluso de la izquierda institucional y de las izquierdas más radicales!’
Pedro Casaldáliga escribió la Misa de la Tierra sin Males junto a Hamilton Pereira y marcó un antes y un después en la Iglesia brasileña
“El año de 1978 fue considerado en Brasil el “Año de los Mártires de la Causa Indígena”, cuando se celebraban los 350 años de los tres mártires rio-grandenses, Roque González, Afoso Rodríguez y João Castilhos. Ese año el CIMI propuso que no se celebrara sólo la muerte de los tres misioneros jesuitas; se debía celebrar también la muerte de millares de indios, sacrificados por los Imperios cristianos de España y Portugal. Unos y otros, mártires de la causa indígena. La cruz, en medio de todos ellos. Aquéllos, muriendo por amor a Cristo. Éstos, masacrados “en nombre” de Cristo y del Emperador.
… Mártires indefensos por el Reino de Dios hecho Imperio, por el Evangelio hecho decreto de conquista. Víctimas de las masacres que quedaron con nombre glorioso en la mal contada Historia, en la mal vivida Iglesia…”
Proclama Indígena de Don Pedro Casaldáliga.
En esas ruinas históricas y en ese Año de los Mártires de la Causa Indígena nació la idea de la Misa de la Tierra Sin Males.
La Misa habla del pasado, pero también de la actualidad de la opresión a los pueblos indígenas; hace una autocrítica de la práctica misionera, cómplice de ese proceso colonizador, que se puede aplicar también al presente; hace un retrato de la opresión indígena que se aplica también a la realidad actual de los pueblos latinoamericano.
Dato significativo: Don Pedro escribió esa Misa con Pedro Tierra, seudónimo del militante político, ex preso político y ex miembro de una organización de lucha armada de Brasil, Hamilton Pereira da Silva, y con Martín Coplas, argentino de origen indígena, quéchua y aymara.
La Misa de la Tierra Sin Males se celebró por primera vez en la catedral de la Seo, de São Paulo, el día 22 de abril de 1979. Esta misa posibilitó muchas dimensiones, a partir de su dimensión histórica fundamental, de denuncia del proceso colonizador como genocida y etnocida respecto a los pueblos que aquí vivían antes de la llegada de los españoles y de los portugueses: habla del pasado, pero también de la actualidad de la opresión a los pueblos indígenas; hace una autocrítica de la práctica misionera, cómplice de ese proceso colonizador, que se puede aplicar también al presente; hace un retrato de la opresión indígena que se aplica también a la realidad actual de los pueblos latinoamericano. O sea, la Misa de la Tierra Sin Males se refería al pasado, pero también al pasado que seguía presente en la realidad del Brasil y de América Latina.
La elaboración de la celebración de la Misa de la Tierra Sin Males significó ampliar la visión solidaria y evangélica de Don Pedro Casaldáliga en el tiempo y en el espacio: partiendo de los pueblos del Araguaia, sus ojos buscaron mirar y comprometerse, con la palabra, con la denuncia, con la reflexión, con la promesa de la Utopía recuperada, con todos los pueblos indígenas latino-americanos y, por extensión, con todos los pueblos de América Latina en su ansia de libertad.
Inmerso y militante destacado de esa nueva corriente de personas, entidades, grupos, movimientos populares, pastorales, iglesias, pueblos y organizaciones indígenas, con la Misa de la Tierra Sin Males, Don Pedro y sus colaboradores construyen una nueva referencia crítica y autocrítica para el ideario de cristianos y militantes sociales, a partir de la saga de los pueblos indígenas en nuestro continente.
Paulo Maldos. Ex-secretario especial del gabinete de la Presidencia de Lula da Silva
É necessário aprofundar e divulgar a difícil situação do povo no Brasil, sob o mandato do presidente Jair Bolsonaro, que termina neste outono. Por isso, a Fundação Pedro Casaldáliga convidou, com o apoio da ONG Misereor, o Sr. Paulo Maldos, ex-assessor do presidente Lula da Silva e alto funcionário da presidente Dilma Roussef para direitos humanos e articulação social, para participar da campanha Brasil-Mundo: Resistir e transformar, que aconteceu em várias cidades da Catalunha ao longo do passado mês de maio.
Paulo Maldos explicou as consequências da política ultraliberal do presidente fascista, que está eliminando os avanços sociais que Lula da Silva e Dilma Roussef alcançaram, entre 2003 e 2016. Com eles, os 217 milhões de habitantes do maior país da América Latina, tiveram direito à alimentação, a melhora do sistema único de saúde, a promoção da educação, o respeito aos direitos dos povos indígenas, etc. Bolsonaro está acabando com todos esses direitos e impondo um estado baseado na violência, no ódio e no privilégio das elites.
Como todos os anos, a Campanha da Fundação se organiza de forma colaborativa com o apoio de organizações amigas e comprometidas com as Causas de Casaldáliga. Por isso, em Tarragona, o Comité Óscar Romero foi a entidade anfritiã; em Girona foi a Comissió de l’Agenda Llatinoamericana; e em Manresa e Cervera, Justicia i Pau organizou a logística do evento.
A Campanha 2022 da Fundação concluiu em 29 de maio com La Trobada (O Encontro) tradicional em Barcelona que também contou com a presença da Deputada ao Congresso espanhol, a brasileira Maria Dantas, os teólogos Juan José Tamayo e Víctor Codina e o sociólogo Flávio Carvalho. Em Barcelona, o evento também permitiu mergulhar no legado social e político de Pedro Casaldáliga, bem como conhecer sua figura através da análise de sua poesia, oferecida pelo jesuíta Víctor Codina.
No Brasil, as próximas eleições de 2 de outubro estão se transformando em um duelo entre Bolsonaro, que está concorrendo a um segundo mandato, e Lula da Silva, que foi absolvido de todas as acusações contra ele pelo Supremo Tribunal Federal. Nestes meses, o clima político e de rua é tenso. Há um ano, as pesquisas apontam Lula da Silva como o vencedor claro, que concorre com a coalizão dos democratas e que com previsão de 40% dos votos poderia inclusive vencer no primeiro turno. O atual presidente tem promovido, entre suas bases radicalizadas, o uso de armas, em sua dura escalada verbal ameaça não aceitar o resultado das eleições nem respeitar a vida dos opositores; uma ditadura seria seu sonho. O Brasil, portanto, está agora no meio da incerteza e da esperança, mas lutar contra aqueles que comprometem a Vida é uma obrigação moral desta Fundação.
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