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Como está Pedro Casaldáliga

«A doença e a velhice de Pedro não devem ser entendidas apenas como um sofrimento. Deve nos provocar uma “profunda reflexão do significado de 90 anos de vida dedicados à resistência contra o capital e a defesa dos pobres”»

27 de julho de 2020

A vida de Pedro Casaldáliga

«Para descansar
eu quero só
esta cruz de pau
como chuva e sol
estes sete palmos
e a Ressurreição!»

Poema “Cemitério do Sertão”, de Dom Pedro Casaldáliga

A maldita escravidão

Há cerca de 20 anos Dom Pedro Casaldáliga celebrou uma missa no dia de finados num dos cemitérios de São Félix do Araguaia, no Mato Grosso. Ao final, ele disse na presença do povo e agentes pastorais:

Quero que vocês todos escutem muito bem, porque vou falar algo muito sério: é aqui que eu quero ser enterrado.

Pedro Casaldáliga

O “aqui” era o que o povo da região chama de “Cemitério Karajá”, onde foram enterrados muitos indígenas, e outros tantos trabalhadores que vinham de muitas partes e eram explorados nas fazendas de gado. O lugar onde foi enterrada a gente mais humilde daquela terra. O cemitério dos mais pobres.

Das coisas que mais chocaram Dom Pedro quando ele chegou nessa região do Mato Grosso em 1968, era a situação dos “peões”, trabalhadores assalariados que migravam de vários estados na ilusão da vida que iria melhorar no trabalho nas grandes fazendas.

Muito era prometido por quem os recrutava, e já durante a viagem e depois no próprio trabalho muitas dívidas eram sendo atribuídas… A maldição da escravidão por dívida. E fugas eram duramente reprimidas, com a tradição de cortar as orelhas dos trabalhadores que buscavam escapar daquele martírio.

Casaldáliga construíndo casa. 1977

Pedro Casaldáliga do sertão

A situação dos pequenos posseiros e dos vários povos indígenas da região não era muito diferente, nessa terra das maiores concentrações fundiárias durante a ditadura militar.

De fato, o eixo central da A Carta Pastoral que Casaldàliga publicou no dia de sua Sagração Episcopal, em 1971, “Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social” é uma forte denúncia, aberta e detalhada, de todas as situações de exploração e abuso praticadas pelos grandes proprietários contra os mais pobres.

O documento ecoou no Brasil inteiro e foi noticiado nas principais redes nacionais: quatro anos depois de ter chegado à região do Araguaia, Casaldáliga coloca publicamente a Igreja do Araguaia ao lado dos mais pobres e contra as grandes propriedades.

 

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O latifúndio continúa no coração

O latifúndio continuava presente no coração das preocupações do Pedro, 50 anos depois de sua chegada ao Brasil.

Pedro teve sempre essa reflexão profunda de entender que as mudanças estruturais não aconteceriam só por uma vitória mais à esquerda nas eleições. As maiores mudanças precisariam vir da consciência e organização do povo. E a vida pastoral para o Pedro passava fortemente por contribuir na organização do povo na sua luta por direitos, nessa região do Mato Grosso que escolheu viver.

De fato, Casaldàliga e a sua Prelazia tem contribuído decisivamente para a organização de muitas pessoas que lutam pelos direitos econômicos, sociais, políticos e ambientais em todo o Brasil.

Mas toda essa história de muita profundidade de reflexões e ação política foi tratada por apoiadores do presidente eleito em São Félix do Araguaia e região, como um “bispo petista” nessas eleições presidenciais despolitizadas e manipuladas de 2018. Um bispo petista que ainda precisa ser combatido.

Pere Casaldàliga celebrant missa a l'Araguaia

Pedro Casaldáliga celebrando missa em uma das comunidades de sua Prelazia.

Como está o Bispo Pedro

E o bispo Pedro, como é chamado na cidade, continua aqui. O forte avanço do “Irmão Parkison” com quem ele convive há cerca de 20 anos deixa fortes marcas. Os 92 anos também. A sua mobilidade é muito limitada e tem cuidados 24 horas.

Não pode mais se expressar com palavras ou escritos, que sempre foram muito marcantes. E isso certamente é um grande sofrimento para ele. Mas Pedro se comunica de outras formas, com gestos, olhares, apertos fortes nas nossas mãos, e nos dá a benção com os gestos das mãos dele.

A gente sabe que ele está ali, que é o Pedro, e que ele nos sente perto.

E a casa dele continua também sendo um refúgio para os Karajá de passada por São Félix, vindos de alguma das várias aldeias que existem na Ilha do Bananal, do outro lado do Rio Araguaia. Sabem que ali vão ter um copo de água fresca, vão ter um lugar para descansar das andanças pela cidade. E sabem que sempre será dado um prato de comida na hora do almoço.

O bispo Pedro está sempre acompanhado e, agora, o povo que ele cuidou por mais de 50 anos, cuida dele.

 

Pere Casaldàliga

A epígrafe

Na epígrafe está apenas a primeira parte do poema “Cemitério do Sertão”. Mas Pedro continua:

«Mas para viver
eu já quero ter
a parte que me cabe
no latifúndio seu:
que a terra não é sua
seu doutor Ninguém!
A terra é de todos
porque é de Deus!»

A luta do Pedro e sua Igreja comprometida sempre foi pela justiça e pela vida.

Pedro é luta. Pedro é inspiração. Pedro é exemplo. E a doença e a velhice de Pedro não devem ser entendidas apenas como um sofrimento. Deve nos provocar uma “profunda reflexão do significado de 90 anos de vida dedicados à resistência contra o capital e a defesa dos pobres”, palavras da professora e lutadora mineira Maria José Silva.

E que possamos, todos e todas nós, nos inspirar em Dom Pedro Casaldáliga para os tempos difíceis que nosso país atravessa e atravessará.

Que a esperança ativa e indignada nos guie!

Maria Júlia Gomes Andrade. Antropóloga e coordenadora do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM).

Atualizado e adaptado por: Associação ANSA, São Félix do Araguaia, MT.

Texto originalmente publicado no site Brasil de Fato.

Actualitzado no 25 de julho de 2020.

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